Manaus, 19 de abril de 2024
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Cidades

Jovem que enfrentava o Rio Amazonas para estudar passa em dois vestibulares

Aos 18 anos, o adolescente foi destaque na escola pelo seu desempenho e agraciado com duas aprovações para a universidade

Jovem que enfrentava o Rio Amazonas para estudar passa em dois vestibulares

Agrício Caxias Pereira tem 18 anos e passou em dois cursos (Foto: Arquivo Pessoal)

Superação. Para muitos, a palavra é apenas um substantivo feminino, cuja etimologia vem do latim: superatio, que significa o ato de superar, de ultrapassar uma situação, a ação de vencer, de conseguir uma vitória.

Mas para um estudante de 18 anos, que mora em uma comunidade no interior do Amazonas, o termo tem uma representação ainda maior, para ele superação é você lutar dia após dia, faça chuva ou faça sol, não importando os obstáculos, até que você realize os seus sonhos e concretize seus objetivos, e nunca, jamais pensar em desistir, pois o percurso até o seu sucesso não dependeu só do seu esforço, mas também, do apoio e abdicação de muita gente, em especial de sua família.

De origem humilde, a história de Agrício Caxias Pereira começou em 2001, quando a mãe Aldenora Caxias, 47, deu à luz um menino, de pele morena e brilho no olhar, filho do agricultor e pescador Agrivênos da Costa Pereira, 57, no Hospital Regional José Mendes, no município de Itacoatiara, a 270 quilômetros de Manaus. O jovem, no entanto, passou a infância e a adolescencia em um flutuante no Rio Amazonas, em uma comunidade ribeirinha chamada Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a cerca de 15 quilômetros da cidade, onde vive com a família.

Flutuante onde vive Agrício e os pais (Foto: Arquivo pessoal)

No local, segundo a mãe, ele sempre ajudou a família na psicultura e agricultura, mas nunca deixou de lado os estudos. Com notas boas, era destaque entre os seus colegas de classe, principalmente pelo seu desempenho. “Ele sempre foi um bom aluno, nunca deixou de estudar. Em casa ele também sempre foi um bom filho, nos ajuda na pescaria, a colher verduras, frutas. Temos muito orgulho dele”, disse Aldenora.

O jovem, que durante os últimos anos, já no Ensino Médio, passou a ser aluno da Escola Estadual Deputado Vital de Mendonça, por ser mais próxima das margens do rio, em Itacoatiara, diz ver no estudo o caminho pelo qual ele pode mudar a sua vida e ajudar o pai e a mãe, que sempre fizeram de tudo para vê-lo feliz. Todos os dias, Agrício precisava acordar às 4h30 da madrugada com os pais para conseguir chegar a tempo na cidade e assistir às aulas, que começavam às 07h15 da manhã.

Vista da casa de Agrício para o Rio Amazonas (Foto: Arquivo Pessoal)

“Eu pegava uma canoa pequena, andava sob uma ponte, andava cerca de 1 quilômetro até um barranco. Lá eu colocava o motor na poupa do bote e atravessava o rio. Ao chegar no porto da cidade, deixava o barco guardado e caminhava até à escola. Era um percurso que fazia de segunda à sexta para estudar e quando chegava atrasado, eu precisava pegar um mototáxi para me deixar mais rápido no Vital”, detalha o jovem.

Na escola, Agrício conta que sempre que chegava, a primeira coisa que ele pensava era em  estudar, pois ele tinha essa determinação. “Sempre tive essa determinação comigo, de se interessar pelos estudos. Quando eu chegava na escola era uma sensação de vitória, de vencer na vida, de superar as barreiras do dia-a-dia, pois eu enfrentava sol, chuva, o rio. Não levava celular para escola, porque era um jeito que eu encontrei de não me acomodar e de focar somente na aula. Uma coisa que eu nunca gostei foi de faltar, basicamente eu não faltei nenhum dia da minha vida escolar, se eu tenho falta é porque as vezes eu não estava na sala, devido estar fazendo outras atividades fora dela, ou então devido a eu não ter escutado a hora da chamada (risos), mas são poucas”, conta.

Dedicado, o estudante se formou na escola como representante de sua turma e com notas excelentes, mas as principais conquistas vieram logo depois: ele foi aprovado em dois cursos superiores pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). O primeiro, por meio do Vestibular da instituição, ele conseguiu se classificar para o curso de engenharia florestal, e pelo Sistema de Ingresso Seriado (SIS), também da UEA, para o curso de licenciatura em computação.

“Foi muita emoção. Me sinto realizado, muito feliz em ser aprovado em dois cursos, em saber que de tudo o que eu passei, valeu a pena. Nunca pensei em desistir de estudar. Sempre tive comigo que eu iria vencer, que iria conseguir me formar no ensino médio e ser aprovado na universidade. Sempre que ficava triste, dizia a mim mesmo que eu precisava focar, que tinha que ir à escola, pois não podia faltar. Então eu mesmo me incentivava, mas a minha mãe sempre me apoiou muito e esteve comigo nos momentos mais difíceis”, enfatizou.

Agrício e Aldenora na escola estadual (Foto: Arquivo Pessoal)

“Meu maior sonho é ter uma vida boa, de conforto, é me formar em um curso ótimo, ter um grande emprego, construir uma família e, principalmente, a ajudar e dar o maior conforto para a minha mãe e para o meu pai. Quero crescer na vida para ajudar eles e me ajudar”, afirmou.

A aprovação de Agrício para os dois cursos foi também motivo de orgulho da professora Meiry Rates, gestora da escola em que ele se formou, que fez questão de publicar em suas redes sociais, uma mensagem de carinho e apoio para o estudante.

Em entrevista ao Amazonas1, a educadora destacou a alegria e satisfação ao saber da conquista de seu aluno. Segundo ela, a escola pública é de extrema importância na vida de seus estudantes, principalmente, àqueles que mais necessitam.

“Foi uma alegria e uma satisfação muito grande em saber que a escola pôde estar contribuindo para a conquista dele, porque essa é uma das funções da escola, a de colaborar para o ingresso do aluno em uma universidade pública, sobretudo, uma escola de Ensino Médio como é a nossa que é antiga, tradicional, cuja história é de grandes conquistas e vitórias. O caso de Agrício na escola era preciso ser entendido, pois haviam dias que o rio estava agitado e ele chegava atrasado, e mesmo assim era um aluno assíduo. Uma história de inspiração e motivação para os demais alunos”, comentou.

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A vida na comunidade

Quando não está estudando, Agrício ajuda os pais em uma área de plantação própria da família, que fica próximo ao flutuante. A pescaria e a colheita rende o equivalente a um salário mínimo por mês.

Agrício e sua mãe na plantação da família (Foto: Arquivo Pessoal)

“A vida morando na comunidade é tranquila, pois é um lugar aconchegante, prazeroso de viver, além de ser calmo e menos quente de que na cidade. Tem lago para pular na água e outras opções para divertimento. Os vizinhos são da minha própria família, todos tios, tias e alguns conhecidos”, destacou.

Para o futuro, o estudante diz que vai estudar ainda mais e trabalhar para conseguir comprar um sítio próximo de sua comunidade, mas que não descarta morar em uma casa em Itacoatiara ou em Manaus. Durante sua vida na universidade, ele destacou que pretende continuar com a mesma rotina de viajar todos os dias de barco para estudar.

“Daqui a alguns anos eu me enxergo com uma excelente carreira profissional e um ótimo emprego, sendo uma ótima pessoa e tendo conquistado tudo o que eu sonhei, eu penso em ser feliz, em ter me casado, construído uma família e comprado uma casa com o dinheiro do meu próprio trabalho”, finalizou.