Manaus, 19 de abril de 2024
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Manaus, 19 de abril de 2024

Brasil

Defesa investe R$ 145 mi na compra de satélite para monitorar Amazônia

Satélites do INPE fornecem dados para programas de monitoramento do desmatamento e devastação florestal

Defesa investe R$ 145 mi na compra de satélite para monitorar Amazônia

(Foto: Alex Almeida/Folhapress)

O Ministério da Defesa empenhou o valor de R$ 145.391.861,00 para a compra, sem licitação, de microssatélite a ser usado pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) na “proteção, fiscalização e combate a ilícitos na Amazônia Legal e sua região fronteiriça”.

O empenho chamou a atenção porque, desde maio passado, por decisão do Conselho da Amazônia – comandado pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão – este Centro do Ministério da Defesa é o responsável por gerenciar as informações sobre desmatamento e queimadas que embasam o governo nas ações de fiscalização e combate, atribuições que eram de responsabilidade do Ibama, com dados gerados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Há quatro meses, o Censipam já havia divulgado o início de uma parceria com a Embrapa Territorial para “identificar, qualificar e quantificar o desmatamento na Amazônia e orientar novas políticas públicas e privadas na região Amazônica”.

O chefe-geral da Embrapa Territorial é Evaristo de Miranda, pesquisador que já contestou, em diferentes ocasiões, os dados produzidos pelo INPE e é considerado “guru ambiental” de Bolsonaro.

Desde meados de 2019, o Instituto de Pesquisas Espaciais tem estado no centro dos ataques do governo Bolsonaro. Em julho passado, a pesquisadora do Instituto que coordenava os trabalhos de monitoramento do desmatamento e devastação florestal da instituição foi retirada do cargo, em uma ação recebida como mais uma manobra do governo para aumentar o controle dos dados de degradação florestal no país.

INPE e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações  (MCTIC) alegaram, na ocasião, que a saída da coordenadora aconteceu dentro de um processo de reestruturação do Instituto, em curso e sob demanda do ministro Marcos Pontes.

O valor empenhado pelo Ministério da Defesa na compra do microssatélite para o Censipam é 45 vezes maior que o orçamento atual dos programas do INPE que fazem os trabalhos de monitoramento de queimadas em todo território brasileiro e de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira.

Para 2020, foram destinados à Ação 20V9 do INPE – no qual Prodes, Deter e Queimadas estão inseridos – R$ 3.220.000,00, valor 50% menor em comparação aos investimentos feitos em 2013 e que vai cair ainda mais no próximo ano.

Segundo dados do Projeto de Lei Orçamentária 2021 que vieram a público no início desta semana, o orçamento destinado à Ação 20V9 em 2021 será de R$ 2.737.000,00, uma queda de 15% em relação à dotação atual.

Os recursos para a compra do microssatélite, segundo a nota de empenho, virão de Leis e Acordos Anticorrupção, isto é, da Lava-Jato.  O Eco entrou em contato com o Censipam para saber quem será o fornecedor do microssatélite e de que forma os dados gerados por este microssatélite vão dialogar com os já produzidos pelos satélites do INPE, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.

Em nota enviada no início da sexta-feira (21), o Ministério da Defesa informou que o microssatélite vai ser utilizado dentro do projeto da pasta “Amazônia SAR”, com o objetivo de implantar o Sistema Integrado de Alerta de Desmatamento por Radar Orbital (SipamSAR). “O sistema nasceu para complementar o sistema DETER do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no período de maior cobertura de nuvens, já que o DETER utiliza imagens óticas”.

Em abril passado, o INPE havia divulgado, em nota, a realização de um encontro com técnicos do Censipam “com o objetivo de reunir esforços para integrar ferramentas de monitoramento do território, cujos dados subsidiam ações de combate a crimes ambientais na Amazônia”.

Segundo apurou O Eco, no entanto, essa cooperação para aperfeiçoar o monitoramento nunca foi de fato colocada em prática. “Nós temos conversas com a Defesa na área de uso de satélite e na área de uso de dados, pelo lado do Censipam. Mais do que isso, a gente tem mecanismos formais [dentro do Ministério da Defesa] nos quais o INPE tem assento. Mas trabalho conjunto para aperfeiçoar, seja sistema de monitoramento do INPE, seja o sistema de monitoramento do Censipam, não se realizaram”, explicou Marco Antonio Chamon, coordenador-geral de Engenharia e Tecnologia Espacial (CGETE) do INPE.

De acordo com Chamon, os dados gerados pelo microssatélite do Ministério da Defesa não serão os mesmos produzidos pelos satélites do INPE. Ele salienta também que é temerário comparar os gastos empenhados na compra de satélites com a manutenção de programas já existentes.

“Só o lançamento do Satélite Amazônia [previsto para entrar em órbita em janeiro de 2021] custou 100 milhões de reais. Não dá para comparar custo de uso dos dados com custo de satélite. Não estou dizendo que Deter e Prodes não são importantes. Se você colocar um satélite lá em cima e não tiver quem use aqui em baixo, o satélite não serve pra nada. Mas os custos são absurdamente diferentes […] Eles não estão fazendo a mesma coisa que nós, e nós não estamos fazendo a mesma coisa que eles. Não há duplicação nesse sentido”, explica.

No entanto, está claro que a aquisição do microssatélite pelo Ministério da Defesa tem o objetivo de aumentar a autonomia da pasta na geração de dados sobre a Amazônia.

Em um contexto em que o INPE enfrenta campanha de descrédito por parte do Governo Bolsonaro e em que cada vez mais são realizadas ações para que as informações produzidas por este instituto percam protagonismo, a preocupação de servidores de diferentes órgãos envolvidos no monitoramento da Amazônia é em relação à manipulação de dados, que foram gatilho para a crise das queimadas no ano passado e agora geram pressão internacional e de investidores.

Perguntas como qual o diferencial prático que o novo satélite trará no monitoramento, quem vai fornecer e operar, e por que o INPE não foi chamado, por enquanto, permanecem sem resposta.

(*) Com informações do site O Eco