Manaus, 25 de abril de 2024
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Cenário

Folha de S. Paulo liga secretário da SSP a ‘Caso Wallace’

Site da Folha de São Paulo teve acesso ao relatório da PF, em que aponta o elo entre Louismar Bonates e facção criminosa que domina o tráfico no Amazonas

Folha de S. Paulo liga secretário da SSP a ‘Caso Wallace’

Secretário de Segurança aparece em investigação da PF em áudios comprometedores com FDN. Ele nega (Foto: Secom)

Uma matéria do jornal Folha de S.Paulo, veiculada nesta segunda-feira, 15, renova as informações sobre a investigação da Polícia Federal (PF), em 2005, na qual mostra a ligação do atual secretário estadual de Segurança Pública (SSP), Louismar Bonates, ao “Caso Walace” e com grupos de extermínio do Amazonas.

Walace Souza foi um deputado estadual do Amazonas que ficou conhecido, internacionalmente, após ser acusado pela polícia liderar um grupo criminoso que assassinava adversários para aumentar a audiência de um programa de televisão que o parlamentar apresentava, em Manaus. Ele morreu em 2010, durante um tratamento de saúde em São Paulo, e seu caso virou documentário, na Netfliz, com o nome “Bandidos na TV.”

A informação envolvendo a participação de Bonates no grupo de Walace faz parte de uma apuração sobre  interceptações telefônicas da PF feitas há 15 anos, em que a operação policial levou à prisão um PMs suspeitos de  terem vínculo com  milícia

​Em 2005, o secretário da SSP foi um dos alvos de gravações telefônicas da PF que deram base a uma operação policial que levou à prisão um grupo de PMs suspeito de ligação com extermínio de pessoas. ​Segundo relatório da Polícia Federal, obtido pela Folha, com o resumo das principais conversas interceptadas com autorização judicial, o nome de Bonates é citado 1.875 vezes em diversas situações.

Amizade sob suspeita

Entre as situações está o momento em que ele conversa com um amigo, o Felipe Arce Rio Branco, tenente-coronel e ex-chefe do serviço de inteligência da PM. Arce foi apontado como “braço direito” de Walace Souza, e foi condenado, em agosto de 2017, a 33 anos de prisão pela morte do ex-policial civil Santos Clidevar Lima. 

Após ser preso pela PF, um traficante — que era genro de Clidevar—, disse ter pago R$ 12 mil a Arce pelo assassinato. As investigações levaram a PF a encontrar o corpo enterrado no sítio de Bonates, nas imediações de Manaus, segundo a polícia e a Promotoria.

Nesse mesmo sítio, segundo ligações telefônicas, Arce e Bonates realizavam encontros com a participação de outros suspeitos de integrarem o grupo de extermínio. 

As gravações apontam ligação de Bonates e de Arce com o então deputado Wallace Souza (1958-2010), apresentador do programa de TV “Canal Livre”, e suspeito de mandar matar pessoas para aumentar audiência na TV.

Tortura de adversários

Em outra conversa interceptada, em julho de 2005, Bonates fala de um espancamento. Diz que “prendeu um conterrâneo” e que deu “um bocado de porrada nesse filho da puta”. Quando o interlocutor pergunta se “encheu ele de bolo” [palmatória], Bonates responde: “Bolo uma porra, vou perder tempo dando bolo? Tem coturno pra quê?”

Outro oficial da PM que aparece em uma série de telefonemas com Bonates é o hoje coronel Jair Martins da Silva, conhecido como “Urso”.

Em 2008, Martins foi acusado de participar de um grupo suspeito de encomendar a morte de um pistoleiro que havia recusado a missão de matar uma juíza no Estado. 

Também fazia parte do grupo, o soldado da PM Givanil de Freitas Santos e, ainda, Raphael Wallace Souza, filho de Wallace Souza, o apresentador de TV. 

Questionado pela Folha sobre o fato de Bonates não figurar entre os suspeitos da morte da pessoa enterrada na chácara dele, o promotor de Justiça Edinaldo Medeiros, respondeu, via assessoria de imprensa, que os autores do homicídio eram, de fato, policiais militares, mas que não havia indícios suficientes contra o então tenente-coronel Bonates.

“Quando presos, os policias indicaram o local onde o corpo foi enterrado, revelando, inclusive, detalhes, como o fato de a vítima teve de cavar a própria cova antes de ser morta. O local onde o corpo foi encontrado era uma chácara que pertencia ao coronel Louismar Bonates que, segundo os depoimentos, era frequentada pelo coronel Arce e outros policiais. Embora fosse proprietário do local, as investigações não apontaram indícios de participação do coronel Bonates nesse fato”, afirmou, em resposta por escrito.

Ligação com facção

Não foi a única vez que Bonates apareceu em investigação da PF.  Em 2015, quando era secretário de administração penitenciária, a Operação La Muralla descobriu que ele havia se encontrado com José Roberto Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, um dos fundadores da facção Família do Norte (FDN), a maior do Amazonas.

Da conversa, ocorrida na biblioteca de um presídio de Manaus, teria saído um acordo pelo qual Bonates se comprometeu a não transferi-lo e a tirar dois pavilhões do controle da facção rival Primeiro Comando da Capital (PCC). Em troca,  Zé Roberto se comprometia a pacificar os presídios.

“A FDN saiu fortalecida deste lamentável episódio, alcançando domínio absoluto do sistema prisional”, diz o relatório da PF na época. A suposta contrapartida, porém, não aconteceu: em 2017 e neste ano, a facção protagonizou duas das maiores matanças do sistema carcerário brasileiro, com um saldo de 122 assassinatos.

O relatório da PF foi remetido para o Ministério Público estadual, mas Bonates novamente não foi acusado, desta vez sob a alegação de que “não reunia informações suficientes sobre crimes da esfera estadual”.

Viés político

O secretário de Segurança Pública do Amazonas, Coronel Louismar Bonates, procurado pela Folha, nega qualquer envolvimento com ações criminosas.

Bonates diz que “sua vida pessoal e sua carreira militar pela ética, o respeito e o cumprimento das leis”.
“O secretário repudia a tentativa de associar seu nome a qualquer tipo de ação ilícita e vê o resgate de assuntos velhos e já devidamente esclarecidos e desmentidos, uma ação com o claro objetivo de persegui-lo.”

Sobre a amizade com o coronel Arce, ele diz que eles são amigos há cerca de 30 anos, com quem “teve participação societária na empresa dele por um tempo”. “Mas não tem qualquer responsabilidade com supostas irregularidades fiscais mencionadas. Além disso, as ilações que buscam implicá-lo em outras supostas ilicitudes, imputadas a Arce, são estapafúrdias e criminosas e se pautam, tão somente, na relação de amizade entre ambos.”

Ainda em resposta à Folha, o secretário diz ver na reportagem um viés político. “É uma ação política que visa, através de calúnias e mentiras, atingir a imagem e o trabalho em desenvolvimento na Secretaria de Segurança Pública, que, nestes primeiros seis meses, alcança resultados expressivos, como a redução de homicídios, latrocínios, roubos e furtos ao menor patamar dos últimos quatro anos.”