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Putin enfrenta 4º desafio ao poder da Rússia em disputa por influência

Maia Sandu, uma jovem política de 48 anos, já é conhecida por 'destronar' adversários com grandes bagagens políticas e oferece ameaça a Putin

Putin enfrenta 4º desafio ao poder da Rússia em disputa por influência

Maia Sandu, a presidente eleita da Moldova, fala à imprensa um dia depois de sua vitória - Vladislav Culiomza - Reuters

Depois da turbulência em Belarus, da guerra entre Armênia e Azerbaijão e da queda do governo no Quirguistão, o presidente Vladimir Putin enfrenta um novo desafio à influência de Moscou nos países que faziam parte da União Soviética.

A bola da vez é a pequena Moldova, país de 2,64 milhões de habitantes ensanduichado entre a Romênia e a Ucrânia. Lá existe, entre sua fatia e a ucraniana, um território ainda menor chamado Transdnístria.

No dia 15 de novembro, os moldavos elegeram Maia Sandu, uma jovem política de 48 anos, presidente do país em segundo turno. Pró-Europa, ela derrotou Igor Dodon, o candidato do Kremlin.

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Ela só assume 2021, mas nesta semana defendeu que os russos retirem seus 1.500 soldados de força de paz na Transdnístria, onde estão desde que uma rápida guerra civil estourou após o fim da União Soviética, em 1992.

Desde então, a faixa de terra com 500 mil habitantes, divididos quase igualmente entre moldavos, russos e ucranianos étnicos, é uma república independente sem reconhecimento internacional.

Nada muito diferente, em termos de status, da Nagorno-Karabakh pela qual azeris foram à guerra em setembro. Não por acaso, o encrave armênio no Azerbaijão é o único a reconhecer a Transdnístria como país, ao lado das duas áreas russas da Geórgia, mantidas independentes depois da guerra com Moscou em 2008.

A Transdnístria é um fascinante fóssil vivo: mantém os símbolos comunistas, como se ainda fosse, como a Ucrânia e a Moldova eram, uma república da União Soviética. Mas é uma daquelas democracias suspeitas do antigo bloco soviético, embora mantenha multipartidarismo e eleições mais ou menos livres.

Sua economia, não poucas vezes qualificada de mafiosa, é ligada principalmente aos países da antiga união, Rússia à frente, mas há laços crescentes com a União Europeia.

Já a Moldova divide laços étnicos e culturais com a vizinha Romênia, de quem já fez parte. Parte do bloco europeu, os romenos disputam influência local com os russos, e Sandu emergiu desse embate.

O Kremlin reagiu duramente à proposta de Maia de substituir os russos por forças internacionais no monitoramento da paz da região. Segundo o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, “mudanças no status quo podem desestabilizar seriamente a região”.

Logo depois da ameaça da presidente, o Parlamento tentou passar uma lei tirando seus poderes sobre os serviços secretos, um recado nada sutil. Milhares de manifestantes foram às rua da capital, Chisinau, em apoio a Sandu.

É um problema novo para o presidente russo em um ano cheio deles. Em 9 de agosto, mais uma eleição fraudada na vizinha Belarus levou a protestos em massa contra o ditador Aleksandr Lukachenko, que ainda estão inconclusos, mas sob relativo controle.

Como resultado do apoio do Kremlin, Lukachenko estreitou a contragosto laços políticos e militares, antagonizando-se aos europeus a quem cortejava num jogo dúbio. O país é a área tampão aliada restante a oeste da Rússia, entre suas forças e as da Otan (aliança militar ocidental).

A Ucrânia também era até 2014, quando houve a derrubada de um governo pró-Moscou, viu a Crimeia extirpada e o leste do país em guerra civil. Na prática, isso impediu que Kiev se juntasse ao Ocidente, mas também fez os russos a perderem como parceira.

Em 27 de setembro, explodiu o conflito entre armênios e azeris. Por seis semanas, Baku consegui reforçar sua posição reconquistando 4 dos 7 distritos ocupados por Ierevan desde a guerra dos anos 1990 em torno de Nagorno-Karabakh.

Ao fim, sob risco de perder tudo, a Armênia aceitou uma paz mediada por Moscou e desocupou o resto do território, além de perder cerca de 30% do encrave no país vizinho. O processo ainda está em curso, e uma força de paz russa com 2.000 homens ficará na região.

Isso asseverou a Putin uma mão forte no Cáucaso, que é sua segunda fronteira estratégica vulnerável, ao longo da história, a invasões e desestabilização. Mas a posição de sua rival histórica na região, a Turquia, se robusteceu.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, apoiou a ofensiva azeri, inclusive com armas e mercenários da Síria. Nesta quinta (3), ele anunciou que irá visitar Baku no dia 9, uma provocação e tanto para Putin.

Mais ainda para Ierevan, que não têm laços com Ancara -ainda uma consequência do genocídio promovido pelo Império Otomano, que antecedeu a Turquia e em 1915 deslocou a população armênia, matando 1,5 milhão de pessoas no processo. Erdogan não reconhece o episódio.

No conflito deste ano, morreu um número incerto, na casa de milhares. Depois de passar mais de dois meses sem dizer quantos soldados perdeu, o Azerbaijão afirmou que foram 2.738 mortes nesta quinta. Os armênios tinham divulgado 2.317 vítimas militares. Ambos os dados podem estar subestimados, e houve cerca de 200 civis mortos.

O terceiro desafio a Putin ocorreu em 4 de outubro, quando eleições parlamentares no remoto Quirguistão acabaram em acusações de fraude, ataques para soltar prisioneiros políticos de cadeias e a queda de mais um primeiro-ministro do país.

O antecessor dele, Sadir Japarov, foi eleito premiê e assumiu os poderes do presidente, que renunciou. O arranjo parece ter agradado Moscou, que mantém no país uma base militar, assim como tem na Armênia.

Na quarta (2), Putin afirmou estar satisfeito com a volta da estabilidade no aliado, que serve também de tampão estratégico com a China -aí a ameaça hoje é muito mais econômica do que militar, dada a boa relação entre Moscou e Pequim.

Os quirguizes voltam às urnas para escolher um presidente em janeiro, e tudo indica que a política tribal do país já providenciou um novo arcabouço de poder para relacionar-se com o Kremlin -como acontecia com os czares e secretários-gerais do Partido Comunista da União Soviética.

As ações de Putin são muito ditadas pela geopolítica, e quando ele chamou o fim do império soviético um desastre, era a isso que ele se referia: a perda de influência e populações separando o território histórico russo de seus potenciais adversários.

Neste 2020, contudo, os esqueletos mal enterrados deste passado imperialista parecem ter aproveitado a pandemia para tirar o sono dos antigos mestres em Moscou.

 

(*) Com informações da Folhapress