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Brasil

Defasado, sistema público de saúde gasta só R$ 1.272 ao ano por pessoa

Defasado, sistema público de saúde gasta só R$ 1.272 ao ano por pessoa

RIO DE JANEIRO, RJ, 06.11.2018 – PROTESTO-RIO: Manifestação dos funcionários da saúde durante audiência pública sobre orçamento para 2019, em frente a Câmara dos vereadores, no Rio de Janeiro, nesta terça-feira. (Foto: Marcelo Fonseca/Folhapress)

O governo gasta, em média, apenas R$ 1.272 com a saúde de cada brasileiro por ano -investimento dez vezes menor do que o feito por países ricos. Na última década, o gasto do setor teve defasagem de 42% na comparação com a inflação, e foram os cofres municipais, na ponta do sistema público, os mais sobrecarregados.

Os números fazem parte do relatório do Conselho Federal de Medicina, divulgado nesta terça-feira (13), com base em dados do Ministério da Saúde.

Para o presidente do CFM, Carlos Vital, os indicadores mostram que há subfinanciamento da saúde no Brasil. Num setor que precisa fazer frente a falta de leitos, infraestrutura precária de ambulatórios e longas filas de espera para cirurgias, os investimentos tem sido insuficiente para responder às demandas crescentes da população.

Manifestação dos funcionários da saúde durante audiência pública sobre orçamento para 2019, no RJ (Foto: Marcelo Fonseca/Folhapress)

Prova disso seria a defasagem em relação à inflação. O investimento total na área teve aumento médio de 3% ao ano entre 2008 e 2017 -quando chegou a R$ 262,8 bilhões.

Neste período, o IPCA, índice que mede a inflação oficial do país, teve variação positiva de 80%. Já a correção da despesa per capita em ações e serviços públicos de saúde foi de 26%. Isso resulta numa defasagem média de 42%.

Segundo a análise do conselho, se os valores fossem corrigidos a partir de 2008, o gasto por pessoa com saúde no país passaria de R$ 1.272 (ou R$ 3,48 por dia) para R$ 1.800.

“Se nos últimos dez anos, os recursos da saúde tivessem sido corrigidos pela inflação, só no ano passado o investimento total no setor teria crescido R$ 110 bilhões, o que triplicaria o orçamento aplicado pela União, estados e municípios”, estima o 1º secretário do CFM, Hermann von Tiesenhausen.

Ainda sim, a cifra passaria longe dos parâmetros internacionais. Os cálculos mais recentes da Organização Mundial da Saúde, com base no orçamento de 2015, dizem que o Brasil gasta US$ 334 por pessoa no serviço público. No Reino Unido, país com sistema universal de saúde citado como exemplo por gestores brasileiros, o investimento público per capita na área é US$ 3.500 -dez vezes o valor aplicado aqui.

Outros países com modelos comparáveis ao SUS vão na mesma esteira: França (US$ 3.178), Canadá (US$ 3.315), Espanha (US$ 1.672). Até a Argentina investe mais que o Brasil: US$ 713.

Para Tiesenhausen, a falta de reajuste nas contas prejudica a compra de equipamentos e a realização de obras e reformas, assim como atrapalha a manutenção adequada dos estoques de medicamentos. Atinge ainda a atualização da Tabela SUS -há quase duas décadas não é feita uma revisão ampla.

“Na prática, são menos leitos, menos UTIs, menos médicos e mais tempo de espera por cirurgias eletivas, consultas e exames”, afirmou o conselheiro. Em São Paulo, como mostrou a Folha, pacientes têm esperado anos por uma cirurgia de catarata e a fila chegou a 24 mil pessoas.

O cenário tende a piorar. A maior incidência de doenças crônicas, o envelhecimento da população e o impacto das causas externas, como acidentes e violência, têm gerado mais procura por serviços de média e alta complexidade.

Já a crise econômica dos últimos anos levou cerca de 3 milhões de brasileiros a abandonarem seus planos de saúde. E esse aumento de desempregados repercutiu na procura por atendimento em cuidados básicos e ambulatoriais.

Quem sentiu a crescente demanda foram as prefeituras, responsáveis pela atenção básica. As cidades vêm ampliando gradativamente seus gastos com a saúde nos últimos dez anos, enquanto o percentual da participação dos estados teve queda e o da União se manteve estável.

Em 2008, as prefeituras assumiram 29,3% do gasto total público na saúde, percentual que, em 2017, alcançou 31,4%. No mesmo período, os estados respondiam por 26,8% das despesas, percentual que caiu para 25% no ano passado. A União se manteve em torno de 43%.

Pela lei, cada ente federativo deve investir percentuais mínimos dos recursos arrecadados com impostos e transferências constitucionais e legais. Para a saúde, os Estados devem investir pelo menos 12% do total do orçamento. No caso dos municípios, o valor de base corresponde a 15%. Para a União, a regra prevê aplicação mínima, pelos próximos 20 anos, de 15% da receita corrente líquida, mais a correção da inflação.

Segundo o relatório, a pressão tem sido maior nas capitais, que na maioria dos estados têm maior população e são referência no acesso aos serviços assistenciais.

Nos últimos dez anos, só as despesas das capitais com recursos próprios aumentaram 55%, passando de R$ 14,1 bilhões, em 2008, para R$ 21,9 bilhões, em 2017.

Em São Paulo, por exemplo, do valor total de R$ 1.235 gastos per capita com saúde, a metade sai dos cofres municipais: R$ 601. O maior montante sai também das capitais de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Goiás, e Paraná.

A partir de janeiro de 2019, a gestão financeira do setor será um dos grandes desafios do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). “Será preciso realizar investimentos que garantam uma rentabilidade mínima, capaz de superar a inflação dos insumos e equipamentos necessários ao bom desenvolvimento das políticas públicas”, afirma o conselheiro Tiesenhausen.

“Os caminhos da reconstrução do Brasil e de seu desenvolvimento sustentável não podem ter, como preço a ser pago, mais sequelas e mortes evitáveis de milhares de cidadãos. É imperativo ético e moral, na pior das hipóteses, o adequado proveito do orçamento liberado para a área da saúde pela União”, disse o presidente do CFM, Carlos Vital.

 

*Thaiza Pauluze – São Paulo (SP) / Folhapress