Manaus, 28 de março de 2024
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Manaus, 28 de março de 2024

Política

Bolsonaro ataca STF e participa de aglomeração com faixas contra Congresso e Judiciário

Alguns participantes do ato carregavam cartazes contra o Congresso, o STF e a imprensa

Bolsonaro ataca STF e participa de aglomeração com faixas contra Congresso e Judiciário

Foto: Joana Suarez/Folhapress

Dois dias após o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello ter divulgado vídeo de reunião ministerial alvo de investigação, o presidente Jair Bolsonaro publicou na manhã deste domingo (24) um trecho da lei de abuso de autoridade, no que foi entendido como um ataque direto à Corte.

A postagem em rede social traz uma foto de um artigo da lei 13.869, de 2019. “Art. 28 Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado: pena – detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos”.

Divulgado nesta sexta-feira (22), o vídeo da reunião do dia 22 de abril mostrou grande preocupação de Bolsonaro em ser destituído, tendo o presidente da República revelado, ainda, contar com um sistema de informação particular, alheio aos órgãos oficiais, reforçando as indicações de interferência política na Polícia Federal.

O encontro, recheado de palavrões, ameaças de prisão, morte, rupturas institucionais, xingamentos e ataques a governadores e integrantes do Supremo, foi tornado público em quase sua integralidade pelo ministro Celso de Mello.

A investigação que levou ao depoimento do ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal e que provocou a análise e divulgação deste vídeo foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizada por Celso de Mello, relator do caso no STF.

O teor do vídeo e os depoimento em curso são decisivos para a PGR concluir se irá denunciar o presidente por corrupção passiva privilegiada, obstrução de Justiça e advocacia administrativa por tentar interferir na autonomia da Polícia Federal.

Ministros de Estado, delegados e uma deputada federal já prestaram depoimento no inquérito que investiga a veracidade das acusações do ex-juiz da Lava Jato contra o chefe do Executivo.

O objetivo é descobrir se as acusações do ex-ministro da Justiça contra Bolsonaro são verdadeiras ou, então, se o ex-juiz da Lava Jato pode ter cometido crimes caso tenha mentido. Na visão de Aras, oito delitos podem ter sido cometidos.

Após apuração da PF, a PGR avalia se haverá acusação contra Bolsonaro. Caso isso ocorra, esse pedido vai para a Câmara, que precisa autorizar sua continuidade, com voto de dois terços.

Na manhã deste domingo, logo após a postagem como resposta ao Supremo, o presidente deixou o Palácio da Alvorada de helicóptero, desembarcou no anexo da Vice-Presidência e seguiu para a praça dos Três Poderes, em Brasília, onde houve uma manifestação em defesa do governo.

Alguns participantes do ato carregavam cartazes contra o Congresso, o STF e a imprensa. Faixas mencionavam uma “ditadura do Supremo” e pediam a saída do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A maior parte das mensagens, porém, era de apoio ao presidente e sem ataques a instituições. Em atos com a presença de Bolsonaro, membros do Planalto têm solicitado que manifestantes não levem material contra os Poderes Legislativo e Judiciário.

O trajeto da residência oficial do presidente até o local de pouso tem aproximadamente 3,5 km e pode ser feito de carro em cerca de cinco minutos. Todo o caminho, que não foi usado, estava livre para trânsito do comboio presidencial, com bloqueios policiais e restrição de acesso a pedestres.

De helicóptero, Bolsonaro sobrevoou a Esplanada dos Ministérios e deu voltas ao redor da praça dos Três Poderes.
Ao desembarcar no palácio, Bolsonaro estava de máscara, mas a retirou na caminhada, contrariando regras do Distrito Federal. A multa em caso de descumprimento é de R$ 2.000.

O presidente voltou a causar aglomeração na frente do Palácio do Planalto. Desta vez, não desceu a rampa do palácio, como em outros atos. Os manifestantes portavam faixas contra Congresso, Judiciário e imprensa.

Cercado de seguranças, o presidente estava acompanhado dos ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e dos deputados federais Hélio Lopes (PSL-RJ), Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF).

Bolsonaro evitou tocar os manifestantes, mas ficou a poucos centímetros das pessoas aglomeradas. Em dois momentos, sem máscara, carregou crianças no colo.

No fim da tarde, Bolsonaro voltou a participar de aglomeração no Palácio da Alvorada. O presidente recebeu um grupo com mais de 20 pessoas, entre deputados estaduais, como Douglas Garcia (PSL-SP), e federais, como Hélio Lopes e Bia Kicis.

O grupo chegou ao local pouco antes das 18h para participar com Bolsonaro do arriamento da bandeira do Brasil na frente do palácio. Sem máscara, o presidente distribuiu abraços e apertos de mão.

Uma pessoa do grupo disse a Bolsonaro que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, havia ganhado votos com ele. Na reunião, Weintraub afirmou que, por ele, “colocava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.

Bolsonaro não falou do ministro da Educação e defendeu a postura do governo de não ter destruído a fita. “Nós classificamos como secreto aquele encontro, nem precisa. Poderia ter destruído a fita, porque não é encontro formal, oficial, mas nós resolvemos manter a fita”, disse, em vídeo transmitido pelas redes sociais. “Poderia ter destruído, não teria penalidade, mas resolvemos manter.”

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, também esteve ao lado de Bolsonaro no encontro. O presidente reforçou o fato de ter um general na pasta, disse que Azevedo conduz as Forças Armadas e que o maior exército é povo.

“Não começou comigo, mas inaugurou com Michel Temer o Ministério da Defesa ter um general de quatro estrelas, que realmente entenda, nos momentos que a nação precisa, ele sabe como fazer valer a força que as Forças Armadas têm em defesa da democracia, da liberdade. Também o nosso maior exército é o povo”, disse.

“Hoje, em grande parte, é o ministro da Defesa que conduz as três Forças Armadas, essas que sempre estiveram do lado do povo, da democracia, da lei e da ordem”, disse.

“As Forças Armadas pertencem ao Brasil, não ao presidente. O presidente é o representante, o chefe supremo das Forças Armadas, que obviamente sabendo o seu verdadeiro papel, e, tendo um homem à altura na frente delas, o Brasil tem tudo para dar certo”.

O presidente não falou com a imprensa e fez breves cumprimentos a apoiadores, que se aglomeravam no cercadinho organizado para recebê-los.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro tem minimizado o impacto do coronavírus e se colocado contra medidas de distanciamento social, atitude que culminou na demissão de dois ministros da Saúde no intervalo de um mês, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

Apesar de dizer lamentar as mortes, o presidente tem dado declarações às vezes em caráter irônico quando questionado sobre as perdas humanas com a Covid-19. Como na ocasião em que afirmou não ser coveiro ou quando disse: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre.”

Uma nota divulgada neste domingo (24) por um grupo de militares da reserva expressou apoio ao general Heleno, que na sexta-feira (22) falou em “consequências imprevisíveis” caso Bolsonaro seja obrigado a entregar seu telefone celular para perícia na investigação que apura se ele interferiu na PF.

No documento, os militares alertam para um cenário extremo e dizem que falta decência e patriotismo a parte dos ministros do STF. Os integrantes da corte são chamados no texto de “bando de apadrinhados”.

“Assim, [os ministros] trazem ao país insegurança e instabilidade, com grave risco de crise institucional com desfecho imprevisível, quiçá, na pior hipótese, guerra civil”, diz a nota.

O despacho relacionado ao celular foi remetido por Celso de Mello à PGR, órgão ao qual, segundo o ministro, cabe analisar as acusações que constam nas representações de autoria de políticos da oposição e mencionam o aparelho. O encaminhamento é um procedimento de praxe em casos do tipo.

A reação do titular do GSI foi duramente criticada por autoridades e representantes da sociedade civil, que enxergaram uma ameaça autoritária na afirmação de Heleno. A nota de apoio a ele é assinada por dezenas de militares da reserva, entre eles o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, da Comissão de Anistia.

MINISTROS NO ATO DESTE DOMINGO
Após o ato deste domingo, Onyx afirmou que o vídeo da reunião ministerial é de um encontro fechado e não deveria ter sido divulgado.

“A gente não tem medo da verdade, a gente carrega a verdade com a gente e o tempo vai mostrando que o presidente é absolutamente coerente com tudo aquilo que ele faz e acredita”, disse o aliado de Bolsonaro.

Sobre mensagens do presidente que mostrariam que ele tentou interferir na Polícia Federal, Onyx afirmou que “isso é caso superado”.

Questionado por jornalistas sobre a aglomeração de pessoas na manifestação, o ministro respondeu de forma ríspida que o ato é espontâneo e que o PT pagava para trazer manifestantes até o local. “Nós viemos aqui porque nós respeitamos quem votou na gente”, disse Onyx.

Em breve declaração durante o ato, o general Heleno falou, em relação à Covid-19, que “nós vamos ganhar essa guerra”.

No sábado (23), Bolsonaro passeou por Brasília e provocou aglomeração de curiosos e apoiadores ao parar em um carrinho de cachorro-quente para comer. Enquanto algumas pessoas gritavam “mito”, houve panelaço na vizinhança e gritos de “fascista”, “assassino” e “genocida”.

O ato deste domingo foi mais com a presença de Bolsonaro em meio a faixas e gritos contra o Congresso e o Supremo. No mês passado, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a abertura de inquérito para investigar as manifestações realizadas em 19 de abril. O pedido de investigação foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

O objetivo de Aras é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF”.

“O Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, afirmou o procurador-geral, sem citar Bolsonaro, que também participou daquele ato em Brasília.

Interlocutores do procurador-geral afirmam que, inicialmente, Bolsonaro não será investigado. Eles alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizar as manifestações, ele pode vir a ser alvo do inquérito.

A Lei de Segurança Nacional a que se refere o procurador-geral foi sancionada em 1983 e tipifica crimes que podem ser cometidos contra a ordem política e social. A legislação prevê crimes que lesam a “integridade territorial e a soberania nacional”; o regime representativo democrático”; e “a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.

*Com informações da FolhaPress