Manaus, 25 de abril de 2024
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Cidades

Caminhando sobre as águas: o estilo de vida único das onças de Mamirauá

As onças caçam, se reproduzem e criam sua prole literalmente sobre as águas

Caminhando sobre as águas: o estilo de vida único das onças de Mamirauá

Foto: Emiliano Esterci/Divulgação Instituto Mamirauá

MANAUS, AM – As onças-pintadas que habitam áreas alagadas da Amazônia podem passar praticamente um terço de sua existência sobre a copa das árvores. Isso significa que as onças caçam, se reproduzem e criam sua prole literalmente sobre as águas.

O estudo, divulgado na Ecology, uma das mais importantes revistas científicas da área, captura um estilo de vida inédito para grandes felinos, que precisam de grandes quantidades de alimento para sobreviver. Até agora, eles eram considerados terrestres.

Apesar das onças frequentemente usarem as árvores para descansar, caçar e evitar a presença de predadores, não há registro de comportamento semelhante para outro grande predador terrestre de topo de cadeia, por exemplo.

Reserva

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá é uma ilha de mais de um milhão de hectares localizada no estado do Amazonas e composta inteiramente de florestas de várzea. Elas são ambientes altamente produtivos inundados sazonalmente pelas águas barrentas e ricas do Rio Amazonas.

Durante um terço do ano, até 10 metros de profundidade separam espécies terrestres locais dos seus habitats, o que as obriga a adotar um estilo de vida arbóreo e semi-aquático ou migrar para sobreviver.

À primeira vista, parece um ambiente hostil para um felino, já que outras espécies de médios e grandes mamíferos terrestres, presas preferidas das onças, são relativamente escassas em Mamirauá. Paradoxalmente, uma alta densidade populacional de onças vem sendo registrada pelas armadilhas fotográficas instaladas na floresta durante o período seco, despertando a curiosidade dos cientistas.

Segundo Emiliano Ramalho, pesquisador do Instituto Mamirauá que conduziu o estudo, apesar do comportamento peculiar ter sido observado pela primeira vez em 2013, permanecia incerto se ele poderia ser atribuído à toda população de onças da região ou apenas a alguns indivíduos da espécie.

“Ainda não estava claro para nós se algumas onças migravam e outras não, e se essa estratégia era usada apenas por indivíduos de determinado sexo ou idade, por exemplo”.

Infanticídio

Os pesquisadores supunham ser plausível que fêmeas com filhotes pequenos optassem por permanecer na várzea durante o período de inundação, evitando riscos à sobrevivência de sua prole, que vão desde atravessar grandes rios até o infanticídio pela interação com machos.

“Ficando na várzea, as mães estariam optando pela segurança num habitat sub-ótimo. Mas pela mesma hipótese da estratégia reprodutiva, era esperado que os machos migrassem em busca de recursos mais abundantes, preparando seu corpo para o próximo período reprodutivo, o que não aconteceu”, esclarece Emiliano.

Cheia dos rios

Durante seis anos consecutivos, os pesquisadores monitoraram por GPS oito onças adultas. Quatro eram fêmeas e quatro machos. Em conclusão, todos os indivíduos permaneceram na várzea durante os longos períodos de inundação. Os resultados do estudo sugerem que os machos ficaram na várzea porque o período de cheia seria o escolhido pelas fêmeas para reprodução.

“A enchente dura de três a quatro meses, aproximadamente a mesma duração da gestação das onças. Acasalando nesse período, elas garantem que seus filhotes nasçam durante a estação vazante, quando as águas estão baixando e as presas são abundantes, concentrando-se em lagos e córregos”.

Resumindo, abundância de comida aumenta as chances de sobrevivência dos filhotes durante os primeiros meses e também garante que eles serão grandes o suficiente para se mudar e nadar assim que a enchente anual estiver de volta.

Nenhuma combinação de tais estilos de vida foi relatada até hoje pela ciência para populações de quaisquer grandes predadores de topo. Isso levanta questões sobre o potencial impacto das mudanças causadas pelo homem. A construção de hidrelétricas, por exemplo, ou mediadas pelo clima no regime de inundação anual que alimenta esse ecossistema, comprometem a conservação da onça-pintada na Amazônia. Ela desenvolveu o comportamento único para sobreviver nesses ambientes alagados.

*Com informações do Instituto Mamirauá