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Comandante militar do Irã promete vingança após principal cientista nuclear ser assassinado

O governo do Irã disse suspeitar de envolvimento de Israel no atentado, o que pode ampliar a tensão entre os dois países e também com os EUA

Comandante militar do Irã promete vingança após principal cientista nuclear ser assassinado

Imagem do local onde ocorreu o ataque ao cientista Mohsen Fakhrizadeh, na cidade de Absard, a nordeste de Teerã, nesta sexta-feira. IRIB HANDOUT / EFE

Considerado o maior pesquisador nuclear do Irã, o cientista Mohsen Fakhrizadeh foi morto em um ataque nesta sexta (27). De acordo com a mídia estatal do país, Fakhrizadeh foi alvejado por tiros enquanto viajava em um carro nos arredores de Teerã. Ele foi levado ao hospital, mas não sobreviveu aos ferimentos.

O governo do Irã disse suspeitar de envolvimento de Israel no atentado, o que pode ampliar a tensão entre os dois países e também com os Estados Unidos. O presidente Donald Trump é aliado próximo do premiê israelense, Binyamin Netanyahu.

“Essa covardia -com sérios indícios de participação israelense- mostra uma provocação desesperada para uma guerra pelos [seus] perpetradores”, escreveu Mohammad Javad Zarif, ministro das Relações Exteriores, em uma rede social, sem citar provas. “O Irã apela à comunidade internacional -e especialmente à União Europeia- para acabar com seus vergonhosos padrões duplos e condenar esse ato de terrorismo de Estado.”

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Um comandante militar iraniano foi além e prometeu vingança. “Nós vamos atacar como um raio os assassinos desse mártir e faremos eles se arrependerem de seus atos”, disse Hossein Dehghan, que também é conselheiro militar do líder supremo do país, Ali Khamenei.

“Nos últimos dias da vida política de seu aliado [Trump], os sionistas buscam intensificar a pressão sobre o Irã e criar uma guerra completa”, acrescentou o comandante.

Irã e Israel vivem em tensão há décadas, uma vez que o país persa dá apoio a grupos que disputam territórios com Israel, como o Hizbullah, do Líbano. Recentemente, Israel atacou forças militares do Irã na Síria, onde os iranianos dão apoio militar ao ditador Bashar al-Assad.

O ataque desta sexta também deve complicar os planos do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, de se reaproximar do Irã e retomar o acordo nuclear de 2015, abandonado por Trump em 2018.

Nos últimos meses, Israel vem se aproximando de países árabes que se opõem ao Irã, como a Arábia Saudita, com os quais não possuía contatos diplomáticos. Em setembro, o país assinou acordos de normalização de relações com Emirados Árabes e Bahrein.

Em agosto, outro ataque em solo iraniano matou Abu Muhammad al-Masri, considerado o número 2 do grupo terrorista Al Qaeda. Segundo o jornal The New York Times, Al-Masri foi assassinado por dois atiradores de moto, que o atacaram em Teerã enquanto ele dirigia. Os autores do ataque teriam sido enviados por Israel, a pedido de Washington.

Ainda segundo o NYT, Fakhrizadeh era o alvo número 1 do Mossad, o serviço secreto israelense. Ele era apontado como o chefe de um projeto secreto iraniano para dominar o processo de fabricar armas nucleares, segundo agências de inteligência dos EUA e de Israel.

Para obter a bomba, é preciso saber purificar materiais como o urânio em níveis muito elevados, e também construir detonadores de uma explosão nuclear que sejam pequenos o suficiente para serem levados por um míssil, mas robustos para que não se desintegrem antes de atingir o alvo.

Teerã diz há anos que pesquisa a tecnologia nuclear apenas para fins pacíficos, como a geração de energia elétrica, e que as acusações de outros países são infundadas.

O governo dos EUA avalia que o programa que buscava criar a bomba atômica iraniana foi oficialmente suspenso em 2003. E teriam concluído isso a partir da interceptação de emails e mensagens de Fakhrizadeh.

No entanto, havia suspeitas de que o Irã continuava a desenvolver armas nucleares de modo secreto, e Israel era um dos países que mais desconfiavam disso. Em 2011, dois cientistas nucleares iranianos foram mortos quando seus carros foram explodidos. Na época, o Mossad foi apontado como responsável pelas mortes.

Em 2015, Teerã aceitou um acordo para reduzir seu programa nuclear, assinado com os EUA -então sob comando de Barack Obama-, China, Rússia e países europeus. Em troca, obteve alívio de sanções econômicas.

​Pelo tratado, o país concordou em enviar ao exterior quase todo o material nuclear que possuía e a colaborar com inspeções internacionais. O governo iraniano, entretanto, não permitiu que Fakhrizadeh fosse interrogado pela Agência Internacional de Energia Atômica. Afirmava que ele era apenas um professor universitário, sem ligação com pesquisas militares.

Israel foi contra o acordo de 2015 e seguiu espionando. Em janeiro de 2018, o Mossad invadiu um depósito em Teerã e roubou documentos que detalhavam o Projeto Amad, como o Irã chamava sua iniciativa nuclear havia cerca de 20 anos. Entre 50 mil papeis e documentos digitais, alguns citavam o envolvimento de Fakhrizadeh.

Segundo os relatos divulgados à epoca, a invasão teve ares cinematográficos: foi feita à noite, com alarmes desabilitados, portas arrombadas e uso de lança-chamas potentes para abrir cofres. Funcionários provavelmente ajudaram os agentes a conhecer a rotina do local e a preparar a operação.

Três meses depois, o premiê israelense apontou Fakhrizadeh como chefe do projeto e o acusou de seguir com a busca de armas nucleares, de forma secreta. Isso tudo em uma apresentação transmitida pela TV.

Netanyahu afirmou que esses documentos provariam que o Irã não estava cumprindo o acordo de 2015. Ele incitou Trump a deixar o tratado, o que ele fez pouco depois, em maio de 2018. Com isso, os Estados Unidos retomaram os bloqueios econômicos ao país.

Em janeiro deste ano, EUA e Irã quase entraram em guerra depois de o general iraniano Qassim Suleimani ser morto por um ataque americano no Iraque. O funeral de Suleimani levou milhares de pessoas às ruas do Irã, pois ele era considerado um herói nacional.

Em seguida, o Irã disse que deixaria de cumprir os termos do acordo e avançaria com as pesquisas nucleares. A tensão entre os dois países esfriou depois que militares iranianos derrubaram acidentalmente um avião de passageiros, matando as 176 pessoas a bordo.

Em meados de novembro, pouco depois das eleições americanas, Trump pediu opções para atacar uma instalação nuclear do Irã, segundo a agência Reuters. O pedido teria vindo após um relatório apontar um aumento no estoque de material atômico em Natanz, em quantidade suficiente para fazer duas bombas.

O presidente teria sido dissuadido por sua equipe de governo, que apontou que um ataque militar poderia desencadear uma guerra imprevisível.

 

(*) Com informações da Folhapress