Manaus, 19 de abril de 2024
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Cidades

Crise combinada de covid-19 e queimadas resultará em desastre na Amazônia

A “temporada do fogo” causará impactos ainda maiores neste ano de pandemia, informam especialistas

Crise combinada de covid-19 e queimadas resultará em desastre na Amazônia

Foto: FolhaPress

As queimadas que ocorrem anualmente na Amazônia durante a época seca sempre ligam o alerta vermelho de especialistas, preocupados com o contínuo avanço da destruição da floresta. Este ano, entretanto, a “temporada do fogo” pode causar impactos ainda maiores do que as já severas perdas do ponto de vista ambiental. É o que alertam especialistas de todo mundo diante do cenário de pandemia do novo coronavírus, que pode agravar a incidência de problemas respiratórios nas populações amazônidas e piorar a disputa por leitos hospitalares na região.

O tema foi discutido por especialistas da área ambiental e da saúde em um painel realizado na última quarta-feira, 17, organizado pela Iniciativa de Comunicação e Sustentabilidade do Instituto Terra da Universidade Columbia, dos Estados Unidos.

Entre os participantes da discussão estavam as pesquisadoras brasileiras Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e Marcia Castro, chefe do departamento de Saúde Global e Populações, da Universidade de Harvard. Ambas alertaram para a falta de políticas eficazes do governo brasileiro no combate ao desmatamento e aos efeitos colaterais catastróficos que a combinação entre queimadas e covid-19 podem ter em 2020.

Ane foi uma das pesquisadoras que assinou a Nota Técnica publicada pelo IPAM no início de junho (08), em que alerta para o fato de que uma área desmatada de pelo menos 4.500 quilômetros quadrados na Amazônia está pronta para queimar. E se o ritmo acelerado de desmatamento continuar nos próximos meses, quase 9 mil quilômetros quadrados poderão virar cinzas.

“Temos cerca de 45% das áreas que foram desmatadas no ano passado e não foram queimadas. E isso, mesmo se pararmos o desmatamento agora, teremos o potencial de ter a mesma quantidade de queimadas que tivemos no ano passado. E ainda temos dois meses para atingir o pico mais alto de desmatamento, então estamos em uma situação muito, muito ruim, se nada tiver sido feito para interromper as atividades ilegais na Amazônia”, alertou a pesquisadora, durante o painel.

De acordo com a cientista Márcia Castro, é preciso pensar nas consequências que os incêndios e a degradação ambiental podem ter para a saúde pública. “Primeiro, as queimadas geram o aumento nas hospitalizações, principalmente devido a doenças respiratórias, mas também doenças cardíacas, bem como um aumento na mortalidade de crianças menores de 10 anos. Segundo, os arbovírus, particularmente a dengue, que agora é endêmica em quase 90% dos municípios da Amazônia, e a malária, principalmente restrita à região amazônica, estão diretamente ligados às mudanças ambientais. Terceiro, a ameaça de zoonoses emergentes. E pelo menos 187 espécies diferentes de arbovírus e outros vírus já foram isoladas na Amazônia, dois terços dos quais foram confirmados como patogênicos para os seres humanos”.

“É importante ter em mente que o que acontece na Amazônia não fica na Amazônia. Os danos ambientais afetam o regime climático da região, cujo impacto se estende por todo o Brasil e para os países vizinhos. E patógenos viajam com pessoas e a disseminação de doenças pode ter grandes impactos sociais e econômicos muito além das fronteiras da Amazônia”, acrescenta.

A pesquisadora reforça que uma temporada intensa de queimada nos próximos meses poderia piorar ainda mais as consequências da covid-19, já que as condições respiratórias aumentam a vulnerabilidade e a gravidade do covid-19. Além disso, provocaria uma possível corrida por leitos hospitalares, já sobrecarregados com pacientes de coronavírus, por pessoas com problemas respiratórios e também devido aos casos sazonais de malária, que estão prestes a acontecer.

“Em uma região que tem um dos piores indicadores de leitos hospitalares e médicos por pessoa, isso levaria a um colapso semelhante ao observado em meados de maio em Manaus, e em um aumento na mortalidade. Atualmente, 90% dos leitos hospitalares estão ocupados em várias cidades da região amazônica”, explica. “Uma intensa temporada de incêndios pode ter consequências devastadoras para a saúde pública, com a perda desnecessária de muitas vidas e o aumento das desigualdades locais. Realmente não há outra opção senão impedir que esses incêndios aconteçam”, reforça Márcia.

O presidente da Gordon and Betty Moore Foundation, Harvey Fineberg, especialista na área de saúde, também participou do painel e destacou os efeitos negativos da fumaça das queimadas para saúde humana. “Uma das razões pelas quais os incêndios são tão devastadores é o desmatamento, mas neste ano é especialmente preocupante porque o pequeno material particulado, a fumaça e a fuligem que emana desses incêndios aumentam a infecção respiratória. Está bem estabelecido que a exposição crônica a essas pequenas partículas aumenta o risco de doenças respiratórias, doenças cardiovasculares e morte prematura. Nos estágios agudos, quando a exposição ao fogo ocorre, a doença respiratória aumenta. Essa suscetibilidade respiratória significa que a infecção por Covid provavelmente será mais grave entre as populações diretamente afetadas pelos incêndios”.

A pesquisadora do IPAM, lembrou que ano passado o governo federal conseguiu ter algum êxito no combate às queimadas, depois que o mundo inteiro se chocou ao ver a Amazônia em chamas. “No ano passado, depois que tivemos os maiores incêndios na Amazônia, e os olhos do mundo se voltaram para esse problema, nós tivemos duas políticas principais criadas que obtiveram alguns resultados em termos de redução de incêndios na região. Uma delas foi colocar o Exército para combater as queimadas, a outra foi instituir dois meses de moratória de fogo. De fato, os incêndios reduziram até o ponto em que tivemos em outubro um dos mais baixos números de pixels quentes nos últimos anos, o que confirma que não é um problema climático”, explicou Ane.

Esse ano, entretanto, de acordo com Ane, o governo não mostrou a mesma eficácia em combater o desmatamento, ilícito normalmente associado às queimadas. Primeiro vem o desmate, depois o fogo, para “limpar” a área.

“Houve novamente uma operação das Forças Armadas para combater o desmatamento e incêndios [a Operação Verde Brasil 2 começou em 11 de maio de 2020], mas isso não deu nenhum resultado ainda. O desmatamento continua aumentando. O que significa que, na verdade, ainda não temos a solução para esse problema, apesar de sabermos como combatê-lo. O Brasil tinha um plano muito bom para controlar o desmatamento [o PPCDAm], e ainda não vimos deste governo nenhum plano com metas, com onde ir, com áreas prioritárias. E agora estamos em uma posição melhor do que nunca, porque temos um sistema de monitoramento muito bom. Sabemos exatamente onde o desmatamento está acontecendo. Sabemos até o CPF da pessoa que está desmatando. Então eu acho que é realmente uma questão de vontade política. E a pressão internacional e a pressão nacional são muito importantes, assim como a pressão da sociedade, para ajudar a Amazônia agora”, afirma Ane.

“Precisamos ter o governo realmente a bordo para combater atividades ilegais. E por que não temos isso, temos um grande desastre na Amazônia. Temos uma crise ambiental em cima de uma crise sanitária, além da crise política e ética e econômica que já estamos enfrentando”, completa a pesquisadora do IPAM.

O painel contou também com a participação da professora de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia, Ruth DeFries, que contextualizou a situação das florestas tropicais da Indonésia. O encontro foi mediado pelo jornalista e diretor do Resilience Media Project no Earth Institute, Dale Willman.

*Com informações de Duda Menegassi do site O Eco.