
(Foto: Divulgação/Instagram)
Manaus (AM) – O Caso Djidja Cardoso: um crime que chocou o Amazonas e entrou para a lista dos mais macabros do estado. A morte da empresária e ex-sinhazinha do Boi Garantido inicialmente parecia ser uma tragédia isolada. No entanto, uma investigação policial revelou um enredo sombrio e complexo, culminando em várias prisões.
As autoridades descobriram que Djidja, sua mãe, Cleusimar, e seu irmão, Ademar Cardoso, lideravam uma seita intitulada “Pai, Mãe, Vida”, envolvida no tráfico e consumo de drogas sintéticas de uso veterinário. Ao todo, 10 pessoas estão atreladas no processo que agora está na Justiça do Amazonas, que inclusive marcou a primeira audiência do caso para o dia 4 de setembro deste ano.
Tudo começou no dia 28 de maio, quando Djidja foi encontrada morta dentro da própria residência, onde morava com a mãe e o irmão, no bairro Cidade Nova, Zona Norte de Manaus. A notícia gerou comoção devido ao fato de Djidja ser conhecida no estado por ter sido, entre 2016 e 2020, sinhazinha da fazenda do Garantido, realizando apresentações marcantes no Festival Folclórico de Parintins.
Dois dias após a morte, no dia 30 de maio, a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) deflagrou a “Operação Mandrágora”, resultando na prisão de Cleusimar Cardoso e Ademar Cardoso. Também foram presos Claudiele Santos da Silva, Verônica da Costa Seixas e Marlisson Vasconcelos Dantas, funcionários da família que trabalhavam em uma rede de salões de beleza. O envolvimento dos funcionários, segundo a polícia, foi comprovado por meio de vídeos e conversas em aplicativos de mensagens obtidos nos celulares deles.
O que ninguém sabia ainda era que a família de Djidja já estava sendo investigada há quarenta dias. A morte da ex-sinhazinha apenas trouxe à tona o que a polícia já conhecia.
Conforme as investigações, o grupo realizava rituais em que promoviam o uso indiscriminado de ketamina, uma droga sintética de uso humano e veterinário. Em humanos, a droga é usada como anestésico, analgésico e até no tratamento da depressão. Seu uso recreativo é ilegal desde 1980.
Foi descoberto que o grupo obtinha a ketamina em uma clínica veterinária, sem qualquer tipo de receita ou controle, e a distribuía entre os funcionários da rede de salões de beleza. Em buscas realizadas na casa da família, nas unidades do salão de beleza e em uma clínica veterinária, a Polícia Civil apreendeu ketamina, ampolas e seringas.
“Ao longo das investigações, tomamos conhecimento de que Ademar também foi responsável pelo aborto de uma ex-companheira, que era obrigada a usar a droga e sofria abuso sexual quando estava fora de si. A partir desse ponto, as diligências se intensificaram e identificamos uma clínica veterinária que fornecia medicamentos altamente perigosos para o grupo religioso”, declarou o delegado Cícero Túlio, responsável pelo caso.
Como agia a seita
As investigações apontaram que, na seita, acreditavam que Ademar era Jesus Cristo, Cleusimar, Maria, e Djidja, Maria Madalena. Os líderes persuadiam os seguidores a acreditar que, ao usarem compulsivamente a ketamina, poderiam transcender para outra dimensão e alcançar um plano superior, onde encontrariam a salvação.
Segundo o delegado Cícero Túlio, Verônica, Claudiele e Marlisson eram encarregados de persuadir funcionários e pessoas próximas à família para se associarem à seita, na qual as drogas de uso veterinário eram utilizadas. A família de Djidja pretendia abrir uma clínica veterinária para facilitar a compra da ketamina. Além do anestésico, o grupo usava potenay, chás e cogumelos.
Na segunda fase da operação, foram presos Bruno Roberto, ex-namorado de Djidja Cardoso, e Hatus Silveira, seu personal trainer, por “inconsistências” em depoimentos. Segundo as investigações, Hatus seria um dos responsáveis por fornecer a droga para a família de Djidja, enquanto Bruno Roberto teria sido o intermediário entre o personal trainer e a ex-sinhazinha do Garantido e seus familiares.
Hatus Silveira negou participação na seita “Pai, Mãe, Vida”, mas afirmou que recebeu um convite para assistir a um vídeo chamado “Cartas de Cristo”. Ele também negou ter apresentado a ketamina à família, alegando que fazia apenas acompanhamento de treino e dieta com Djidja e seus familiares.
O personal também relatou que, em janeiro deste ano, enquanto estava na casa de Djidja Cardoso, a ex-sinhazinha aplicou ketamina nele sem consentimento. “Eu estava de costas e aplicaram em mim, muito rápido. Eu estava na cozinha, conversando com o Ademar, e a Djidja veio por trás e aplicou. Fiquei um pouco tonto”, disse o personal, um dia antes da prisão, durante depoimento à polícia.
Também foram presos o dono da clínica veterinária, José Máximo Silva de Oliveira, o sócio dele Sávio Soares Pereira e o funcionário do estabelecimento, Emicley Araújo Freitas.
Inquérito fechado
No dia 21 de junho, a Polícia Civil concluiu o inquérito sobre o caso Djidja e indiciou 11 pessoas por diversos crimes, como tráfico de drogas, associação para o tráfico, falsificação, adulteração ou corrupção de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, charlatanismo, curandeirismo, sequestro e cárcere privado, constrangimento ilegal e tortura. Após o encerramento, o inquérito foi enviado ao Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), que ofereceu denúncia contra dez suspeitos pelo crime de tráfico de drogas. Eles podem ser denunciados por outros crimes por meio de outras promotorias de Justiça.
Denúncia aceita
A denúncia foi aceita na última sexta-feira (26) pelo juiz titular da 3.ª Vara Especializada em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes, Celso Souza de Paula. Dos 10 acusados, quatro respondem ao processo em liberdade e seis estão presos. Na mesma decisão em que aceitou a denúncia do MPE, o magistrado negou o pedido apresentado pelas defesas de quatro deles para relaxamento da prisão.
Com o recebimento da denúncia, a Justiça pautou a audiência de instrução inaugural para 4 de setembro deste ano. Na ocasião, serão ouvidas as testemunhas de acusação, depois as de defesa e, por último, os acusados. Devido ao número de testemunhas e acusados, a tendência é que, até o encerramento da instrução, sejam utilizadas outras datas para a conclusão dessa fase processual.
Veja abaixo quem está preso e quem espera o julgamento em liberdade:
- Cleusimar Cardoso Rodrigues (mãe de Djidja) – presa;
- Ademar Farias Cardoso Neto (irmão de Djidja) – preso;
- José Máximo Silva de Oliveira (dono de uma clínica veterinária que fornecia a ketamina) – preso;
- Sávio Soares Pereira (sócio de José Máximo na clínica veterinária) – preso;
- Hatus Moraes Silveira (personal da família de Djidja) – preso;
- Marlisson Vasconcelos Dantas (cabeleireiro do salão de beleza da família de Djidja) – em prisão domiciliar;
- Claudiele Santos Silva (maquiadora do salão de beleza da família de Djidja) – em prisão domiciliar;
- Verônica da Costa Seixas (gerente da rede de salões de beleza da família de Djidja) – presa;
- Emicley Araújo Freitas (funcionário da clínica veterinária de José Máximo) – em prisão domiciliar;
- Bruno Roberto da Silva Lima (ex-namorado de Djidja) – em prisão domiciliar.
Para o sociólogo Francisco Borba, que já realizou estudos sobre religiões e comportamento coletivo, o caso da seita formada pela família de Djidja, reflete um fenômeno social complexo que envolve manipulação psicológica, exploração de vulnerabilidades e a criação de uma realidade alternativa para seus seguidores.
“Essas seitas, frequentemente, surgem em contextos onde há uma mistura de carisma dos líderes e uma narrativa de salvação ou transcendência que ressoa com os anseios profundos dos indivíduos. No caso da seita liderada pela família Cardoso, vemos uma combinação perigosa de liderança autoritária, uso de drogas para controle e manipulação dos seguidores, e um ambiente de segredo e mistério que alimenta a coesão do grupo”, explica Borba.
Ele destaca que a utilização de drogas como a ketamina para facilitar estados alterados de consciência não é nova, mas é particularmente alarmante quando combinada com abuso de poder e práticas abusivas.
“A ketamina, nesse contexto, serve tanto para reforçar a narrativa mística quanto para manter os seguidores em um estado de dependência e submissão. Isso cria uma dinâmica de poder que é difícil de quebrar sem intervenção externa significativa, como a ação policial que vimos nesse caso”, frisa.
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