Manaus, 19 de abril de 2024
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Cenário

David Almeida autoriza compra de cimento 47% mais caro em Manaus

Prefeito contratou por R$ 3,6 milhões uma empresa que vende cimento a R$ 48, valor mais caro que o preço médio

David Almeida autoriza compra de cimento 47% mais caro em Manaus

Foto: Ruan Souza / Semcom

Manaus/AM – A Prefeitura de Manaus vai comprar cimento do tipo Portland com custo de 46,9% mais caro que o preço médio encontrado na capital, que varia entre R$ 33,00 e R$ 37,00. A empresa Nunes Comércio de Materiais de Construção Eireli, contratada pelo Executivo Municipal, vende o saco do cimento Portland a R$ 48,50.

Conforme mostrado pelo Portal Amazonas1, no último dia 26, a aquisição faz parte de um contrato milionário firmado pela Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf), com dispensa de licitação, para aquisição do cimento, que é o mais utilizado em obras da construção civil.

No total, o contrato tem custo de R$ 3.601.530,00 e foi assinado pelo diretor de planejamentos, Joalisson Sales Mota, e ratificada pelo subsecretário de gestão, Reginaldo Santos Rocha, conforme a publicação no Diário Oficial de Manaus. O secretário da Seminf, vale lembrar, é o vice-prefeito Marcos Rotta.

A contratação ocorreu com dispensa de licitação, baseada na Lei nº 8.666, que trata da calamidade pública e emergência. Nesse caso, as administrações públicas podem fazer compras emergenciais sem a necessidade de processo licitatório.

Nas compras públicas, o ideal seria a Prefeitura de Manaus, que é comandada pelo prefeito David Almeida (Avante), escolher propostas mais vantajosas para a administração municipal.

Mas, esse não foi o caso. A reportagem do Portal Amazonas1 realizou uma pesquisa de preços de cimento em Manaus. A empresa RLM Cimentos, localizada no bairro Cidade de Deus, zona Norte de Manaus, comercializa o cimento Portland a R$ 33,00. (ouça o áudio)

Já em outra fábrica de cimento, localizada no Distrito Industrial, a Mizu Cimentos, o mesmo produto é vendido a R$ 35,00 e R$ 36,50.041-JULIANA-SIQUEIRA-08.06.21-1Baixar

Por conta do contrato com a Nunes Comércio de Materiais de Construção Eireli não informar detalhes sobre o preço unitário, a reportagem também ligou para a empresa e questionou o valor do cimento, para fazer uma comparação.

Na ocasião, a atendente do estabelecimento afirmou que o produto é vendido pelo valor de R$ 48,50 a unidade. E para realização de entregas é cobrada, ainda, uma taxa de R$ 5,00. Esse valor é 46,9% mais caro que o da outra empresa consultada.

Levantamento do Sinduscon

Outra indicação de um possível sobrepreço da oferta de cimento da empresa Nunes Comércio de Materiais de Construção Eireli feita com inexibilidade a Prefeitura de Manaus é o levantamento mensal feito pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil de Manaus (Sinduscon-AM). Os dados apontam os preços dos produtos de construção civil, principalmente durante a pandemia de covid-19, quando os itens tiveram uma alta no valor. 

Segundo o levantamento de maio deste ano, o preço do cimento Portland na capital varia entre R$ 33,00 e R$ 37,00. Portanto, em plena pandemia de covid-19 e com a cheia do rio Negro afetando centenas de famílias, a Prefeitura de Manaus escolheu a fornecedora de cimento com a oferta mais cara para a aquisição.

Comparações

Levando em consideração o valor de R$ 48,50 do cimento vendido pela Nunes Comércio de Materiais de Construção Eireli e os R$ 3.601.530,00 que serão desembolsados, a prefeitura vai conseguir comprar cerca de 74,5 mil unidades do produto, conforme a multiplicação básica.

Todavia, se tivesse contratado uma das empresas que vendem o mesmo produto, porém, com valor mais barato, de R$ 33,00 por exemplo, o órgão conseguiria comprar 109 mil sacos de cimento, o que resulta em 34,5 mil sacos de cimento a mais para a administração municipal.

Além disso, o Portal Amazonas1 pediu um orçamento da RLM Cimentos para aquisição de 75 mil unidades de cimento, quantidade aproximada do que a prefeitura deverá comprar da Nunes Comércio. A compra, nesse caso custaria R$ 2.475.000,00. Ou seja, cerca de R$ 1.126.530,00 mais barato.Orcamento-Juliana-Siqueira-orcamento-valido-ate-07-05-Baixar

Empresa recém-comprada

A Nunes Comércio de Materiais de Construção Eirelli, inscrita no CNPJ nº 10.917.635/0001-01, está ativa desde 2009, e pertence a empresária Claudia Mara da Silva Nunes. A empresa possui como principal atividade econômica o comércio varejista de materiais de construção em geral. Localizada no bairro Parque 10, zona Centro-Sul de Manaus, ela detém um capital social de R$ 2 milhões.

Também atendendo pelo nome fantasia FORTSET, o estabelecimento realiza, ainda, outras 80 atividades secundárias, que variam entre artigos de vestuário, aluguel de automóveis, comércio de vidro, construção de edifícios, entre outros.

Chama atenção, porém, que essa empresa, até março deste ano, ou seja, dois meses atrás, pertencia ao empresário Alessandro Luiz Almeida de Azevedo e foi comprada pela empresária Claudia Mara da Silva Nunes, que agora detém o controle integral da firma.

Antes da venda, a empresa se chamava A.L.A. DE AZEVEDO EIRELI,ficava localizada no bairro Praça 14, zona Sul de Manaus, e realizava o comércio de produtos alimentícios, além de outras 45 atividades secundárias, que variavam entre medicamentos, artigos de armarinho, cerveja, artigos de camas, entre outros. O capital social era de apenas R$ 50 mil.

Em ato inicial, o antigo dono da firma, Alessandro Azevedo, deu entrada na Junta Comercial do Estado Do Amazonas (Jucea), em março deste ano, para fazer diversas alterações na empresa, antes de vende-la.

O estabelecimento saiu da classificação de ‘empresário individual’ para Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI); deixou de ser ME para ser EPP; alterou o endereço, saindo da Praça 14 para o bairro Parque 10; e o capital social que era de apenas R$ 50 mil passou a ser de R$ 2 milhões.

Além disso, o empresário alterou a descrição dos produtos e serviços que a firma comercializa, passando a ser, então, o ‘comércio varejista de materiais de construção em geral’.

No mesmo dia, Alessandro Azevedo protocolou a declaração de venda da empresa para Claudia Mara da Silva Nunes.

“O titular ALESSANDRO LUIZ ALMEIDA DE AZEVEDO, já qualificado, sede e transfere por venda o capital de 2.000.000 (Dois Milhões) quotas, no valor de R$ 2.000.000,00 (Dois milhões de Reais), para a Sra. CLAUDIA MARA DA SILVA NUNES”, diz trecho dos documentos.

Possível fraude

A mudança de proprietário da empresa em si não é ilegal, segundo o delegado e professor de Direito Administrativo, João Tayah. Segundo o especialista, o problema são os possíveis esquemas de empresas que burlam as regras para se adequar aos procedimentos de licitação dos órgãos públicos.

“Não há nenhum impedimento legal que haja a mudança de proprietário da empresa. O problema é quando a empresa, de alguma maneira, burla as regras de qualificação para participar do procedimento licitatório. Por exemplo, é uma empresa de engenharia, mas ela altera o contrato social para falar que fornece alimentação, sem ter nenhum tipo de qualificação técnica para fornecer alimento, porque na verdade ela vai ser uma empresa de fachada, laranja, para vencer uma licitação, que já está direcionada para ela, e após vencer a licitação, ela subcontrata uma outra empresa para prestar o serviço no lugar dela. Isso é muito frequente”, disse Tayah.

Embora não sejam ilegais, as mudanças recentes podem levantar dúvidas, conforme analisou o especialista. Ele explicou, ainda, que em abril deste ano foi sancionada a Lei nº 14.133, que trata de novas regras para realização de licitações.

“Pode configurar algum tipo de tentativa também de… Por que que mudou de dono? Será que essa pessoa para quem a empresa foi transferida tem um parente que faz parte da Comissão de Licitação ou de um agente político ou tem alguma relação comercial? Então, se mudaram de empresário porque esse novo proprietário tem algum tipo de vínculo com o agente público do processo licitatório ou agente político, aí também configura uma fraude na licitação, porque não pode haver esse tipo de licitação”, disse.

Sobre a comparação dos preços, João Tayah afirmou que pode haver superfaturamento na compra. Para ele, mesmo em situação de emergência ou calamidade pública, em que a administração municipal está autorizada a fazer contratações sem licitação, é necessário que os preços das aquisições sejam justificadas, o que não ocorreu no contrato da Prefeitura de Manaus para compra de cimento.

“Isso são indícios de superfaturamento do preço. Qual é o objetivo do procedimento licitatório? É identificar a proposta mais vantajosa para a administração pública. E quando a gente fala de saco de cimento, que é um bem comum, ou seja, um bem facilmente padronizável, qual é a proposta mais vantajosa? É aquele que tiver o melhor preço”, explicou Tayah.

“Só pode ser dispensável a licitação se tiver enquadrado em uma das hipóteses de licitação dispensável da Lei. Se não, também é fraude […] Uma situação de emergência ou calamidade pública, seria uma hipótese de licitação dispensável da Lei. Mas aí mesmo com emergência ou calamidade pública configurando a hipótese de licitação dispensável, tem que haver a justificativa de preço. Eu não posso, sob o pretexto de uma situação de emergência, fazer aquisições a preços que estejam acima dos valores praticados no mercado, tem que haver justificativa de preço”, afirmou.

Sem resposta

O Portal AM1 entrou em contato com a Seminf, por meio do e-mail [email protected], a fim de entender por que foi contratada uma empresa que vende cimento num valor mais caro que as demais, que também vendem o mesmo produto num valor mais barato, além de pedir o contrato com todos os detalhes da compra. Porém, não houve retorno até a publicação da matéria.

Resposta

Após a publicação da matéria, a Seminf enviou nota à reportagem, afirmando que foi feita pesquisa de preço e que o valor unitário ofertado pela empresa contratada é de R$ 45, o que inclui alguns custos embutido na mercadoria. O órgão justificou, ainda, que o preço de uma compra em um ‘balcão de quaisquer matérias de construção’ é diferente do que a administração pública contrata.

Leia na íntegra:

“A SEMINF realizou pesquisa de mercado onde a proposta da empresa Nunes Comércio de Materiais de Construção Eireli foi a mais vantajosa para administração, seguindo todos os paramentos da Lei nº 8.666/93 e jurisprudências do TCU. Vale ressaltar que o preço unitário ofertado pela empresa para administração foi de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), o preço se justifica pelos custos embutidos na mercadoria tais como: frete, tributos, pagamento após 30 dias do fornecimento, margem de lucro, mercadoria legalizada (licenças ambientais). Ocorre que, uma compra em um balcão de quaisquer matérias de construção com pagamento a vista, retirada no local, origem da mercadoria desconhecida, faz com que o preço seja totalmente diferente do que a administração contrate, visto que é prerrogativa da administração pública fazer ou deixar de fazer senão em virtude da lei, desse modo deve-se obedecer às leis que regem as aquisições de bens e serviços que envolvam o particular e o poder público.  

O processo licitatório já está em andamento e tão logo seja finalizado, a contratação por emergência será cancelada, conforme cláusula resolutiva do instrumento contratual em elaboração.”