Manaus, 8 de dezembro de 2024
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Cidades

Estudo mostra peixes consumidos no Amazonas contaminados por mercúrio

Monitoramento apontou espécies muito consumidas no Amazonas, como branquinha, jaraqui e pacu, com até 16 mg/kg de mercúrio, 32 vezes mais que o permitido pela legislação.

Estudo mostra peixes consumidos no Amazonas contaminados por mercúrio

(Foto: Divulgação/Universidade Federal do Pará- UFPA)

Manaus (AM) – Um monitoramento nas águas do Rio Negro, fruto da parceria entre a Universidade do Estado do Amazonas e a Universidade Harvard (Estados Unidos), apontou que peixes coletados em abril, de espécies consumidas no Amazonas, como branquinha, jaraqui e pacu continham até 16 mg/kg de mercúrio, 32 vezes mais que o permitido pela legislação, que admite concentração de 0,5 miligrama por quilo (mg/kg).

As espécies foram recolhidas na região de Humaitá, a 700 km de Manaus. Para peixes predadores, como o tucunaré, os limites de tolerância são mais elevados, de 1 mg/kg.

Espécies que se alimentam repetidamente de outros animais contaminados, como peixes menores, vão concentrando o metal em seus tecidos e se tornam ainda mais danosos para a saúde humana. O projeto de monitoramento visa acompanhar a qualidade das águas em todas as bacias da Amazônia.

Segundo os pesquisadores, com a presença de centenas de balsas do garimpo no rio Madeira, já foram detectados níveis preocupantes de mercúrio na região.

Entretanto, a presença do metal não é o único indicador da saúde dos rios. O projeto monitora até 163 parâmetros de qualidade de água, de turbidez a teor de oxigênio, coliformes, metais, etc., embora o Plano Estadual de Recursos Hídricos do Amazonas preveja 30.

De acordo com Daniel Nava, geólogo e gerente de recursos hídricos do Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), o levantamento demonstra com clareza como uma atividade com grande potencial poluidor degradador, como a produção de ouro no rio Madeira, pode impactar o ecossistema.

“A toxicidade acima do permitido mostra o quanto a população ribeirinha está exposta, pois comendo peixe contaminado, se contamina. Os dados são graves”, disse em entrevista ao Portal AM1.

No entanto, o especialista aponta que a atividade de garimpo é permitida no Brasil, mas vem sendo praticada sem a devida fiscalização dos órgãos de controle ambiental.

“O garimpo é uma atividade histórica no Rio Madeira, há registros de garimpo desde a década de 1940. E sempre, para produzir ouro, se usa mercúrio. A Constituição Federal permite a atividade garimpeira e as legislações ambientais identificam tais atividades como passíveis de licenciamento ambiental. O uso de mercúrio em garimpo já foi tema do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas e uma resolução aprovada pelo CEMAAM permitiu que, em 2010 e 2011, fossem emitidas Licenças de Operação para a produção de ouro no Rio Madeira. Havia regras claras do uso obrigatório do cadinho para o manejo e recuperação total do mercúrio. Infelizmente, questões judiciais fizeram com que tais licenças perdessem a validade, e a atividade ilegal vem sendo exercida sem participação dos órgãos de controles, a não ser na forma policial (embargo e destruição dos maquinários/ balsas/ dragas)”, esclarece.

Nava acrescenta que o controle ambiental das atividades de produção de ouro em balsas é possível de ser regulamentado, pois existe tecnologia para manejo e recuperação total de mercúrio disponível. Para isso, a medida requer extensão mineral com treinamento de trabalhadores, acesso ao cadinho, capacidade de associativismo e cooperativismo dos garimpeiros, além da “vontade política para resolver o problema”.

“Esse é um tema que o Estado do Amazonas deveria tratar com carinho, considerando que, sem licenciamento, a atividade ilegal continuará contaminando com mercúrio nossas águas, peixes e ribeirinhos”, destaca o geólogo.

Questionado sobre o porquê de uma região tão visada, como a Amazônia, ainda sofrer com danos severos da atividade humana, o especialista respondeu com outra indagação.

“Por que as 20 piores cidades do Brasil, considerando o Índice de Progresso Social (IPS), estão localizadas na Amazônia?”, argumentou Nava.

IPS

O Índice de Progresso Social (IPS) é uma metodologia que avalia a qualidade de vida da população no Brasil de forma multidimensional.

O padrão, composto por indicadores exclusivamente sociais e ambientais, mede o progresso social dos municípios. Além de avaliar se as pessoas têm o necessário para prosperar, indo além das métricas tradicionais e paradigmas econômicos, ele permite comparar municípios, estados e regiões.

Relatório recente do IPS mostra municípios da Amazônia com as menores pontuações em qualidade de vida no Brasil.

Projeto UEA

Sergio Duvoisin, professor do curso de Engenharia Química da UEA, um dos responsáveis pelo monitoramento das águas dos rios, explica que o programa é composto por 15 projetos de infraestrutura e monitoramento e visa monitorar as principais calhas da bacia amazônica.

Ele avalia que, do ponto de vista humano, a descoberta é bastante preocupante pelos resultados encontrados. “A gente vê o dano causado ao meio ambiente. Então, o principal objetivo do grupo é explicitar o problema sempre para grupos de gestão de recursos hídricos, utilizar essa ferramenta poderosíssima que é o conhecimento e com uma infinidade de dados com relação aos corpos hídricos que a gente está monitorando”.

O cientista acrescenta que não adianta dizer que as pessoas têm que “parar de garimpar”, porque é o ganha-pão, muitas vezes, dessas pessoas. Então, tem que se dar opções para essas pessoas, para elas saírem desse trabalho que estão fazendo, argumenta o pesquisador.

“Eu acho que os dois lados, tanto a parte de governo como a população, têm que entender que têm que encontrar outras atividades que não essa, porque, no final das contas, eles não estão causando um dano para outros, eles estão causando danos para eles mesmos. Então, são eles que usam essa água cotidianamente, são eles que usam, que consomem esse peixe cotidianamente, são as mesmas pessoas que causam, são as que recebem os efeitos nocivos desse tipo de poluição”, afirmou Duvoisin, em entrevista ao Portal AM1.

 

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