Manaus (AM) – A expansão urbana na capital amazonense, ao longo da história, modificou significativamente o meio ambiente e trouxe desafios sociais e ambientais. As mudanças climáticas, agravadas pelas ações humanas, intensificam problemas já existentes, e que nos próximos anos podem agravar ainda mais os desafios do saneamento básico no Brasil. É o que mostra um estudo do Instituto Trata Brasil, em parceria com a Way Carbon.
Manaus, conforme o Ranking do Saneamento 2024, do Trata Brasil, que avalia os serviços básicos das 100 maiores cidades do país, ocupa a 86ª posição, figurando entre os 20 municípios com os piores índices. Atualmente, segundo o levantamento, mais de 1,5 milhão de manauaras não têm acesso à coleta de esgoto, e apenas 21,8% do esgoto gerado na cidade é tratado.
Segundo Josiani Nunes, mestre em ciência de enfermagem e epidemiologista em doenças emergências, os episódios de chuvas intensas em Manaus são um reflexo direto dessas alterações climáticas. Ela explica que, além de alagamentos e deslizamentos de terra, esses eventos afetam diretamente a saúde pública e a infraestrutura urbana, particularmente em áreas de vulnerabilidade.
Com isso, Josiani destaca que as doenças relacionadas à água contaminada são uma das principais preocupações em cenários de saneamento deficiente. Em locais onde falta água tratada e rede de esgoto, a contaminação ocorre com frequência, tanto por ingestão de água contaminada quanto pelo contato direto com esgoto a céu aberto.
Ela alerta que essas condições favorecem a disseminação de doenças como cólera, febre tifoide, hepatite A e infecções parasitárias. Além disso, a falta de higiene adequada, muitas vezes resultante da escassez de água, potencializa a propagação dessas enfermidades.
“Em locais com saneamento básico deficiente, falta de água tratada ou de rede de esgoto ou de alternativas adequadas para a deposição dos dejetos humanos, as doenças podem ocorrer devido à contaminação da água por esses dejetos ou pelo contato com esgoto despejado nas ruas ou nos córregos e rios. A falta de água também pode causar doenças, pois, sua escassez impede uma higiene adequada. Incluem‐se também na lista de doenças de transmissão hídrica, aquelas causadas por insetos que se desenvolvem na água”, pontua.
A especialista, que também é professora universitária e coordenadora do Núcleo de Vigilância Epidemiológica Hospitalar do Hospital e Pronto-Socorro João Lúcio, salienta que o tratamento da água para beber, bem como a coleta, tratamento e disposição adequada do esgoto sanitário no meio ambiente são fatores fundamentais para a redução da transmissão dessas doenças, em todas as suas formas, na população. Há regulamentos sanitários e recomendações para o tratamento de águas para lazer doméstico, para piscinas e parques aquáticos de uso público e outros ambientes, que se cumpridos previnem ou reduzem a ocorrência dessas doenças”, pontua.
Mitigação e educação ambiental
De acordo com Josiani, mitigar os impactos das mudanças climáticas na saúde pública exige medidas de curto e longo prazo. Investimentos em infraestrutura, como sistemas de drenagem, redes de esgoto e estações de tratamento de água, são essenciais. No entanto, ela também enfatiza a importância de ações individuais e comunitárias.
“Mitigar as mudanças climáticas envolve questões ambientais, econômicas e sociais, que podem ser resumidas em um conceito muito difundido ultimamente: o desenvolvimento sustentável, ou seja, um desenvolvimento que dá conta das necessidades que as pessoas têm no presente sem comprometer as gerações futuras. O que podemos fazer para contribuir com o desenvolvimento sustentável? Mudanças de hábitos de consumo e cobrar do poder público ações mais efetivas podem ser algumas das saídas, resume o termo “ambientalismo” como a ideia de que a soma de esforços particulares, individuais, pode trazer mudanças globais. Ele destaca que a educação ambiental compreende múltiplos aspectos relacionados a atitudes individuais e comunitárias, como reduzir o uso de transporte individual, economizar água e energia elétrica, reduzir a produção de resíduos sólidos”, frisa.
Evolução
A concessionaria estima que, em 2027, a cobertura chegará a 60% e, em 2033, a universalização, com atendimento de 90% da capital amazonense. Hoje, áreas situadas em todas as zonas já possuem disponibilidade da rede coletora de esgoto. Nestes locais, o esgoto coletado é destinado a uma ETE, onde são tratados e, posteriormente, devolvidos à natureza livre de contaminações. A concessionária segue com obras de expansão e hoje, atua em bairros das zonas Oeste, Centro-Sul e Norte da cidade. Atualmente, mais de 62 milhões de litros de esgoto são tratados diariamente.
“Constatado que os mais vulneráveis sofrem mais com as mudanças climáticas. Essas pessoas, muitas vezes, não têm acesso a uma fonte de água de qualidade, acabam consumindo água contaminada e ficam doentes. Em alguns casos, nem sequer têm acesso à água, o que é ainda pior. Nós temos uma preocupação muito grande, o que a gente pode estar contribuindo para a gente mudar essa realidade”, afirma Semy Ferraz, gerente de Responsabilidade Social da Águas de Manaus.
Ferraz relembra os desafios enfrentados em períodos de estiagem severa, como a vivida no ano anterior, agravada em 2024. A seca extrema afeta diretamente os ribeirinhos, cujos poços secam e rios ficam distantes, obrigando-os a caminhar quilômetros para buscar água. A redução do volume hídrico também aumenta a concentração de poluentes, piorando a qualidade da água consumida.
Monitoramento da qualidade da água tratada e do esgoto na cidade
Diariamente, são captados, tratados e distribuídos mais de 700 milhões de litros de água. Toda água distribuída passa por um rigoroso processo de qualidade, que envolve mais de 30 mil análises por mês. Estas análises são realizadas com amostras recolhidas dentro das quatro Estações de Tratamento de Água (ETAs) e em pontos espalhados por toda cidade. Anualmente, todos os clientes recebem o Relatório Anual de Qualidade da Água. O documento detalha as informações sobre as análises realizadas ao longo do ano.
Em relação ao esgoto, a concessionária explica que passa por análises que certificam que este efluente está pronto para ser devolvido à natureza. Estas análises verificam parâmetros como DBO – que mede a quantidade de oxigênio consumido por microrganismos e é um dos principais indicadores condições de vida aquática do curso hídrico. Periodicamente, o resultado destas análises é encaminhado aos órgãos fiscalizadores, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semas).
“Com o Trata Bem Manaus, nós conclamamos a cidade para criar um grande movimento em prol do saneamento de Manaus, da despoluição dos nossos igarapés e da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Entendemos que obra de esgoto por si só não resolve. Não adianta fazer a rede, construir as estações, se as pessoas não se conectarem a elas e, mais ainda, se não usarem adequadamente”, diz Semy Ferraz.
Ele explica que atitudes como despejar gordura, óleos, lixo e até água da chuva nas redes de esgoto comprometem o funcionamento do sistema, que não é dimensionado para lidar com esses materiais.
“Isso não funciona, não permite um bom funcionamento da estrutura. Por isso, o movimento é importante tanto para sensibilizar as pessoas sobre a importância quanto para promover a compreensão de como usar adequadamente o sistema”, completa.
De acordo com Semy Ferraz, o saneamento básico não é apenas essencial para a saúde pública, mas também um pilar estratégico para o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida na cidade.
“Sabemos que, pelo potencial turístico que Manaus possui, os indicadores de saneamento podem ser um inibidor do nosso crescimento. O turista quer visitar uma cidade saudável, com bons indicadores de saneamento, onde há menos riscos de doenças”, finaliza.
Amazonas em risco de ter abastecimento de água afetado
O Amazonas, conforme o levantamento do Trata Brasil, é um dos estados que ocorre o risco de ter abastecimento de água afetado por ondas de calor. Além disso, conforme o estudo, os eventos climáticos extremos afetarão a infraestrutura física das companhias de abastecimento e evidenciarão cada vez mais a necessidade de planejamento estratégico baseado em cenários climáticos futuros. Ambientalistas alertam para a urgência de políticas que integrem planejamento estratégico e ações de mitigação para enfrentar os desafios climáticos futuros.
LEIA MAIS:
- Manaus está há oito anos entre os 20 piores municípios no ranking de saneamento básico
- Investimento em saneamento gera benefícios econômicos, mas tema ainda enfrenta desafios regionais
- Cientistas desenvolvem tecnologia para desvendar florestas tropicais
Não deixe de curtir nossa página no Facebook, siga no Instagram e também no X.