Manaus, 23 de abril de 2024
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Manaus, 23 de abril de 2024

Cidades

No AM, médicos do combate à covid-19 ainda enfrentam dramas pessoais e profissionais na pandemia

Os médicos contaram histórias emocionantes durante as duas fases da pandemia da covid-19, em Manaus, e de suas ações no exercício da Medicina

No AM, médicos do combate à covid-19 ainda enfrentam dramas pessoais e profissionais na pandemia

Foto Arquivo Pessoal / Dr.Iuri Schreiner - Dra. Andrea Galvão

MANAUS, AM – Após um ano da pandemia provocada pela covid-19, os efeitos na área da saúde foram devastadores, tanto para quem precisava de atendimento nas unidades hospitalares do Amazonas, bem como para os médicos que atuaram e continuam atuando até os dias atuais, na linha de frente de combate à doença.

Antes, considerado como um inimigo invisível, hoje a covid-19, pode ser vista a “olho nu” nas vidas que foram perdidas e na dor de quem teve entes mortos pela infecção. Mas essa dor também foi sentida no meio dos profissionais de saúde, que embora a situação ainda seja de calamidade, não “abriram mão” de seus discursos, que é o de salvar vidas.

Um desses profissionais é o doutor Iuri Matias Schreiner, que participou dos atendimentos na 1ª onda e os considerou como um ano de incertezas, pelo fato de o vírus ainda ser desconhecido e os médicos precisarem “quebrar a cabeça” para dar conta de tantos pacientes que chegavam nos hospitais em Manaus.

“O que eu posso te dizer é de quem viveu a pandemia no início, eu estava durante a minha especialização em Clínica Médica, atuei no Hospital e Pronto-Socorro João Lucio e no Delphina Aziz, tanto na emergência e na UTI. Em maio do ano passado, a gente “quebrou” muita cabeça para organizar todos os pacientes. Em janeiro desse ano, apesar de ser uma tragédia anunciada, desde o final de novembro, a gente já tinha ideia de como organizar os hospitais, mas não esperávamos que fosse ter um número tão grande”, disse Iuri.

Segundo o médico, embora não tenha vivenciado a 2ª onda da covid-19 em Manaus, devido sua especialização, disse que os relatos dos amigos eram desesperadores.

“No ano passado a gente recebia 80 pacientes no João Lúcio, por exemplo, na pior parte chegou a ficar com 90 pacientes, esse ano chegou a 140 e 150, em um espaço muito restrito, com pouco espaço, com a falta de oxigênio, não vivi, mas ouvi o relato dos colegas que participaram dessa fase. Foi algo muito mais intenso, teve a falta de oxigênio, falta de leitos, conseguiram concentradores de oxigênio para os pacientes menos grave, mas ainda assim não foi suficiente”, comentou Schreiner dizendo que a surpresa foi a infecção em pessoas abaixo de 50 anos, crianças e adolescentes.

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Como médico, Schreiner disse que houve momentos de medo e aflição e que a preocupação agora é com os médicos de fora do estado, que enfrentam nesse exato momento.

“A gente teme pelos nossos colegas agora de nessa segunda onda do resto do Brasil, que os números estão cada vez maiores e o sistema está colapsando. São Paulo, por exemplo, que tem muitos leitos, já tem 90% ocupados nas UTIs, e a gente fica assustado como as coisas estão evoluindo. Se o Amazonas chegou a mil mortes por dia, o Brasil está em três mil iniciando o colapso, quantas milhares de mortes a gente ainda pode ter”, indaga o médico.

Na vida pessoal, dr. S que é da cidade de Mineiro, em Goiás, está apreensivo do que possa acontecer com seus familiares, pois está distante nesse período em que o restante do país passa pela mesma fase vívida pelos amazonenses, em janeiro.

“A gente teme muito pela família, eu e vários colegas temos famílias distantes e aí a gente sempre fica com muito medo do que possa acontecer por lá e por nós não estamos perto, para verificar se estar sendo dado a melhor conduta e uma melhor atenção, não por incompetência, mas porque fica sobrecarregado. Isso tudo mexe com o psicológico da gente”, enfatizou o médico.

Dr. Iuri ao fundo, com amigos de profissão em hospital de Manaus

Foto: Arquivo pessoal- Dr. Iuri ao fundo, com amigos de profissão em hospital de Manaus

Ele segue falando que 2020 os médicos não puderam se confraternizar, descansar, dormir e nem viajar e, que 2021 parece que está sendo desenhado da mesma forma que o ano passado.

Iuri acredita que é necessário acelerar a vacina contra à covid-19 para os casos reduzirem em todo o Brasil, não para evitar a contaminação, mas pelo fato de os imunizantes reduzirem a chance de casos mais graves.

“A gente torce muito para que a vacina dê certo, para que seja bem difundida e os estudos apontam para uma eficácia importante para evitar desfechos negativos, mas a gente precisa de números, acelerar, distribuir e aplicar a vacina cada vez mais rápida, mas é algo que está sendo feito de forma descoordenado. Infelizmente ainda não temos um cronograma unificado e nacional”, comentou ele sobre a vacinação em todo o país, que considerou como lenta.

Iuri contou que na primeira fase das infecções a história de uma senhora que estava internada no HPS João Lúcio lhe chamou muito atenção. Ela era uma mãe e exatamente no Dia das Mães, no ano passado, ela gostaria de rever seus filhos, porém foi impedida.

“O caso que mais me marcou disso tudo foi no ano passado. Eu estava no João Lúcio, e tinha uma senhora que estava na sala rosa, estava com o pulmão muito comprometido e tinha uma série de doenças, ela estava evoluindo e agravando a doença, mas visivelmente ela ainda ia ser intubada. A gente imaginava que dificilmente ela iria sair. Era Dia das Mães e ela não estava com nenhum filho dela, só permitiram a cuidadora, que relatou que ela chamava pelos filhos. Aquilo mexeu muito comigo, porque provavelmente seria o último Dia das Mães para ela e não teria seu último desejo atendido. Eu moro longe dos meus pais e é algo que a gente deseja que não aconteça. Se você não pode curar alguém pelo menos dê o conforto e era o que estava no nosso alcance”, relatou ele, sobre esse caso marcante em sua carreira médica.

Iuri é formado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pretende se especializar em Geriatria. “Agora temos que erguer a cabeça e receber as pessoas vindas de outros estados e que precisam de atendimentos aqui”, completou.

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Já a médica Andrea Helena Galvão Gonçalves Brandão, também formada pela Ufam e especialista em Pediatria, contou que mesmo sua área de atuação, com crianças e adolescentes, não sofrendo tanto impacto na 1ª onda da covid-19, ela relatou que ajudou muitas pessoas nesse um ano da pandemia.

“Apesar de eu ser pediatra, a gente buscou ajudar muito adultos e idosos que precisavam e não tinha esse suporte de orientação, por meio de telefone, telemedicina, consultas on-line. Foi muito grande a procura dessas pessoas, até para mim, que sou pediatra e dentro do meu limite, poder dar essas orientações e repassá-las para esses pacientes, e muito deles não evoluíram com piora”, enfatizou a pediatra.

Andrea disse que a cada alta dos pacientes que ela pode ajudar o sentimento de gratidão florescia cada vez mais e de saber que estava no caminho certo.

“A cada vitória que a gente recebia de um paciente, que após os quinze dias não tinha mais complicações, que recebiam alta com a melhoras nos exames, é o que ficou mais válido para gente, esse apoio que podemos dar fora da nossa área de atuação, tanto pelo lado da Medicina quanto pelo psicológico, dando um apoio e poder estar ali presente, dizendo: estou aqui, o que você precisar estamos prontos para ajudar”, ressaltou.

A médica também relatou que com a 2ª onda, seu trabalho redobrou, pois nos locais em que presta atendimentos a esse público, viu muitos casos com crianças e adolescentes aumentarem diariamente.

“Eu como pediatra, a vivência da gente na linha de frente da covid-19 é um pouco mais diferenciada. Desde o início da pandemia, na primeira leva, em março do ano passado, a vivência com a gente relacionada as crianças têm sido bem diferentes do que está acontecendo agora. Atualmente, nessa 2ª onda de dezembro, mas precisamente de janeiro para cá, as coisas inverteram um pouco, muito mais crianças, principalmente adolescentes, tanto na urgência quanto no meu consultório, aumentou muito”, comentou.

Dra. Andrea Galvão e seus pacientes no consultório

Dra. Andrea Galvão e seus pacientes no consultório

Alguns pacientes que ela tratou na Unidade Básica de Saúde Alfredo Campos (UBS), referência no atendimento da covid-19, no Zumbi dos Palmares, na zona Leste de Manaus, duas adolescentes chegaram a ser internadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

“Eu trabalho no Pronto-Socorro Infantil João Lúcio e em uma UBS, que é referência para covid-19 e lá diariamente estamos atendendo crianças com covid-19, com quadro mais tranquilo, não tão severo. Mas já peguei duas adolescentes que acabaram tendo que internar, evoluíram e foram para UTI, mas conseguiram se liberadas, graças a Deus”, comentou.

A médica também ressaltou que o acompanhamento semanal UBS acabou surtindo efeito e muitas outras internações puderam ser evitadas, muitos dos pacientes conseguiram se recuperar e ficar sem sequelas.

Nesse período de um pouco mais de uma ano, a pediatra disse que recentemente atendeu em seu consultório particular, um caso que lhe marcou bastante pela gravidade, pois se tratava de uma bebê prematura, que sua mãe testou positivo para doença e tiveram que fazer o parto com 34 semanas. A bebê também contraiu o vírus.

“Um caso que me marcou muito, atual, foi no meu consultório particular, um pai levando a bebezinha, atualmente ela está com dois meses, é uma bebê prematura que nasceu de 34 semanas, porque a mãe pegou covid-19 e desenvolveu uma Síndrome Hellper e foi intubada. A bebê teve que nascer antes do tempo, positivou covid-19 e precisou passar por intubação orotraquial, ser transfundida, teve uma série de complicações, mas graças a Deus após trinta dias na UTI recebeu alta. E agora elas (mãe e filhas) estão evoluindo bem e sem sequelas, então isso me marcou muito”, contou emocionada.