Manaus, 19 de abril de 2024
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Cidades

Jogo de poder: a conspiração que causou o massacre com 55 mortos no AM

Investigação da DRCO aponta que houve uma conspiração para jogar o líder da FDN, Zé Roberto da Compensa, contra o seu sucessor, João Branco

Jogo de poder: a conspiração que causou o massacre com 55 mortos no AM

Foi uma conspiração contra os líderes da facção Família do Norte (FDN) que culminou no massacre com 55 mortos, ocorrido nos dias 26 e 27 de maio deste ano, nos presídios de Manaus. É o que afirma o titular do Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO), delegado Sinval Barroso de Souza. 

Esta  matéria faz parte de uma série de reportagem feita com exclusividade pelo Amazonas1 sobre a trama por trás da maior facção do Norte e a busca pelo poder, envolvendo traição, dinheiro e morte, resultando na chacina ocorrida em maio.

A trama, conforme ressalta o delegado Barroso, foi elaborada por Maria Cleia Fernandes Barbosa, 45,  irmã do líder da facção, o narcotraficante José Roberto Fernandes, o “Zé Roberto da Compensa”, para provocar o “racha” na cúpula da facção.

Barroso destaca que o plano possuía dois objetivos: primeiro era tirar o segundo em comando da FDN, João Pinto Carioca, o “João Branco”, da linha de sucessão. Depois era salvar da pena de morte o marido dela, Marcelo Frederico Laborda Júnior, o “Marcelinho, 29.

A escala hierárquica nas facções, apesar de ser rechaçada pela sociedade, considerando algo fora do comum , além de muito combatida pela polícia, para os membros dos grupos criminosos é considerado normal.

Além do casal, Alan, mais conhecido como “Venom” ou “Zaqueu”, também atuou como mentor do plano, segundo investigação do DRCO.

Mentores do plano (Divulgação/PC)

“O Zé Roberto se encontra em um processo muito frágil de saúde. Ele poder ter outro AVC (Acidente Vascular Cerebral) e morrer. Já teve dois, a qualquer momento pode ter o terceiro e pronto, acabou! Naturalmente, quem assume a liderança é o João Branco. A família de sangue do Zé Roberto acredita que se o JB ascender [à liderança da FDN], manda exterminar todos os parentes do Zé. Então, tentando se precaver desse possível golpe, eles deram o contra-golpe”, explica Barroso.

O delegado acrescenta que o que motivou a “pena de morte” para Marcelinho foi porque ele teria assediado a mulher de João Branco, Sheila Maria Faustino Peres, e outras mulheres de presos, o que seria uma quebra de conduta dos “mandamentos” da facção e o resultado é a pena capital.

“O Marcelinho gosta de ficar dando em cima das mulheres de quem já está preso. Ele como chefe, se dá o direito de chegar na casa da mulher do preso, e isso já estava causando um incômodo na facção, que queria matá-lo. Só que para matar alguém, precisa da autorização do Zé Roberto. Para conseguir isso, tem de ser provado”, esclareceu o delegado.

Marcelinho chegou a flertar com Sheila, porém não há provas de que os dois chegaram a ter um caso amoroso. Ela falou das investidas para João Branco, que por sua vez, decidiu agir contra o rival. No entanto, a investigação aponta que Marcelinho fazia fotos do próprio pênis e enviada para as mulheres dos presos.

Para conseguir o “decreto” de Zé Roberto contra o marido de Cleia, JB mandou Sheila gravar um áudio se insinuando para Marcelinho e essa gravação serviria como evidência de que ele dava em cima das mulheres.

A ordem de JB foi entregar o áudio para Zaquel, sobrinho de Zé e que estava no comando da facção em Manaus enquanto o líder está em presídio de segurança máxima em Campo Grande (MS). Ele encaminharia a gravação de áudio para a advogada de Zé Roberto, que por sua vez levaria até o traficante para decretar a morte do cunhado.

“No entanto, Zaqueu revelou o conteúdo da gravação para Cleia e disse: ‘olha, com esse áudio aqui vão matar o Marcelinho, então vamos fazer algo para protegê-lo’. Transformaram a Sheila em vilã, afirmando que ela dava em cima dos outros. Aí fingiram. Por conta disso, teve essas mortes todas. (seguidores de João Branco). Quando na verdade é um jogo de poder e dinheiro”, destacou Sinval Sinval .

O Plano

Os mentores da conspiração convidaram integrantes da família Lobo, influente em alguns estados do Nordeste e como lideranças do tráfico de drogas em algumas cidades, para auxiliarem na execução do plano. José Lobo Rodrigues, 36, e Andreza Rodrigues Lobo, 34, possuíam uma boa relação com Magdiel Barreto Valente, o “Magnata”, pistoleiro da FDN e segurança de João Branco. Um vídeo gravado pelo traficante foi o ápice para motivar a chacina nos presídios, conforme afirma o delegado.

Os Lobos ficaram responsáveis por atraírem ‘Magnata’ até Teresina (PI), onde ele foi torturado por três dias e forçado a fazer um vídeo onde revelava a conspiração de João Branco contra Zé Roberto para tomar a liderança da facção. Essa conspiração é considerada falsa, conforme os investigadores da operação.

Magnata saiu de Manaus, fez escala em Guarulhos (SP), e chegou a Teresina na madrugada do dia 22 de maio. Câmeras de segurança do aeroporto registraram o momento que o pistoleiro chega à cidade e o portal Amazonas1 teve acesso com exclusividade às imagens.  

“A gente descobriu que ele comprou a passagem aqui [em Manaus] com nome falso [Cleiton Silva Lemos] e pegamos cópia do bilhete. A partir disso, descobrimos o horário que ele chegaria lá [em Teresina-PI] e acionamos a Secretaria de Inteligência do Piauí para conseguir as imagens. A secretaria repassou o que nos interessava, comparamos as imagens do aeroporto daqui com o de lá e constatamos que era ele”, destacou o titular da DRCO.

Magnata chegou em Teresina na madrugada do dia 22 de maio, portanto, quatro dias antes do massacre em Manaus. Após chegar em Teresina, Magnata ficou hospedado em uma pousada antes de encontrar com os Lobo e ser feito refém. Ele foi levado até uma residência, para ser torturado e forçado a gravar o vídeo.

A equipe da DRCO descobriu que o grupo matou o pistoleiro e abandonou o corpo em Caxias (MA), a 80km de distância da cidade onde foi mantido em cativeiro. O corpo, com marcas de perfurações, foi encontrado no dia 24 de maio, dois dias antes do massacre nos presídios em manaus.

Por que o Magnata?

Pistoleiro da FDN e segurança pessoal de João Branco, o depoimento de Magnata daria credibilidade à falsa conspiração contra o chefe da facção. 

“O Magnata era o ‘mais chegado’ do João Branco e a missão deles (sequestradores) era enfraquecer o pessoal do JB. João Branco mandava ele (Magnata) matar; tomar conta do filho dele com a Sheila. Era o que tinha mais confiança”, explica o delegado Barroso.

O que os criminosos não contavam era que a investigação da polícia pudesse chegar aos autores do assassinato de Magnata, mas aconteceu. A equipe do DRCO chegou até o cativeiro, onde Magnata foi feito refém e de lá gravou o vídeo sobre a suposta conspiração contra o líder da facção. Consequentemente, a polícia chegou aos autores da trama.

“Ninguém imaginava que chegaríamos a eles, no corpo, que foi morto numa cidade e desovado em outro município de outro estado. Só que estávamos fazendo todo esse acompanhamento dele”, revelou um dos investigadores. 

Com a investigação, foi possível, conforme a DRCO, chegar ao cativeiro onde Magnata foi torturado; quem alugou o imóvel, por quanto alugou…  A Delegacia de Repressão ao Crime Organizado frisa que quem fez o texto que Magnata leu foi Andreza Rodrigues Lobo, 34, por meio de um aparelho celular. Ela é uma das presas na operação Guará, deflagrada pela polícia do Amazonas no dia 26 de julho, em ação conjunta com as secretarias de segurança dos estados do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.