
O que havia sido construído segue se deteriorando - (Foto: Divulgação/Marcos Holanda)
Manaus (AM) – Um projeto ambicioso, anunciado em 2012, que prometia transformar o acesso ao ensino superior no Amazonas: a Cidade Universitária da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), no município de Iranduba. Com a promessa de criar um complexo que incluiria espaços residenciais, comerciais e turísticos, o projeto despertou grandes expectativas. No entanto, desde 2017, as obras estão paralisadas, e o que resta no local são apenas ruínas e destroços, em total contraste com o grandioso plano inicial.
A obra de pompa foi idealizada pelo então governador Omar Aziz (PSD), agora senador, mas foi suspensa durante a gestão do ex-governador José Melo, sob a justificativa de falta de recursos para dar continuidade e finalizar a construção. No mesmo ano, antes do anúncio da paralisação, o Ministério Público Federal (MPF) questionou o licenciamento ambiental da área, apontando danos ambientais. Na decisão, a juíza federal Mara Elisa Andrade afirmou que a construção da cidade não cumpria os requisitos de uso sustentável dos corpos hídricos existentes na área.
A área da Cidade Universitária fica próxima à Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro e ao Parque Nacional de Anavilhanas.
Obra avaliada inicialmente em R$ 300 milhões
Com investimentos iniciais projetados de R$ 300 milhões, a Cidade Universitária tinha a proposta de abrigar todas as unidades da UEA da capital, fortalecendo a integração entre os cursos e proporcionando avanços significativos na gestão administrativa, logística e de pessoal, com impactos positivos na gestão financeira. Esse valor, inclusive, foi recalculado no governo Melo para R$ 700 milhões, mais que o dobro do orçamento inicial.
O complexo foi planejado para ter uma estrutura urbana completa, com espaços residenciais, comerciais, eixos viários, áreas de lazer e turismo, e equipamentos públicos, como terminal rodoviário, hospital, delegacia, corpo de bombeiros e órgãos de serviços de cidadania, entre outros.
Espaço inicial
As ruínas encontradas no local fazem parte do projeto inicial, que abrigaria a reitoria, a biblioteca, o refeitório e os prédios de Ciências da Saúde, Ciências Sociais e de Tecnologia. As obras começaram em 2014, com um investimento de R$ 81.975.660,10, e deveriam ser entregues em 2015. A única etapa concluída foi o ramal de acesso, com 5,3 km de extensão, ao custo de R$ 44,6 milhões. Ou seja, um total de pouco mais de R$ 126 milhões foi gasto até o momento.
Conforme anunciado na época, o prédio da reitoria teria três pavimentos, ocupando uma área total de 15.972,59 m². O térreo teria áreas de circulação, elevadores, escadas, sanitários, copa, áreas de convivência e salas técnicas e administrativas, totalizando 5.259,05 m². O primeiro pavimento teria 5.647,07 m², e o segundo e último pavimento, 5.066,47 m² de área construída.
A Biblioteca Central teria dois pavimentos (térreo e mezanino), ocupando uma área total de 2.686,39 m². O refeitório da Cidade Universitária da UEA também teria dois pavimentos, com uma área total de 2.138,18 m², e capacidade para atender 2.000 refeições por dia, com lotação para até 450 pessoas.
A primeira etapa da Cidade Universitária compreenderia ainda o prédio da Escola Superior de Ciências Sociais, com 45 salas de aula e capacidade para 2.700 alunos; a Escola Normal Superior, com 40 salas de aula e capacidade para 2.400 alunos, além de salas para professores, coordenadores, biblioteca e setores administrativos; e o Núcleo Residencial Universitário, com alojamento inicial para 1.000 alunos.
Quando concluído em sua totalidade, o alojamento teria quatro pavimentos, totalizando 142 apartamentos e uma área total de 5.417,40 m². No térreo, seriam 29 unidades padrão e mais cinco para pessoas com deficiência. Os outros três pavimentos teriam 36 unidades padrão (apartamentos) cada. Toda a estrutura foi planejada para oferecer o máximo de funcionalidade e conforto a professores, alunos e corpo administrativo.
Apesar de toda a expectativa, nada disso foi realizado. Infelizmente, o que se encontra no local é um cenário que lembra uma cidade devastada por um furacão ou ataque zumbi.
Para a especialista em educação, professora Leonice Silva, o abandono da Cidade Universitária representa uma enorme perda para a educação e desenvolvimento da região.
“Esse projeto tinha o potencial de transformar o acesso ao ensino superior no Amazonas, promovendo não apenas a formação acadêmica, mas também o desenvolvimento econômico e social da região. É lamentável ver um investimento tão significativo se transformar em ruínas e destroços. A retomada dessa obra deveria ser uma prioridade para os governantes, pois seu impacto positivo seria imenso para toda a sociedade”, afirmou.
Sonhos frustrados
O anúncio da obra da Cidade Universitária criou expectativas em muitos jovens, especialmente nos de Iranduba. Como é o caso de Brenda Duarte, de 27 anos, que mora em uma comunidade nas proximidades de onde seria o complexo universitário.
Ela relembra que quando a obra foi anunciada tinha apenas 17 anos e o fato de ter uma Cidade Universitária há poucos minutos da sua casa a vez criar expectativas para o futuro.
“Eu cresci aqui em Iranduba e, quando anunciaram a Cidade Universitária, fiquei cheia de esperança. Parecia que finalmente teríamos uma oportunidade real de acesso à educação de qualidade, sem precisar nos deslocar para Manaus. Sonhei em estudar Biologia na UEA, fazer parte de um grande campus, ter acesso a laboratórios modernos e bibliotecas. Mas agora, ao ver aquelas ruínas, me deixa triste e frustrada. Todo esse tempo esperando por algo que nunca veio, parece que nossos sonhos e expectativas foram abandonados junto com aquelas construções”, enfatiza.
Bruna Duarte, irmã de Brenda, de 24 anos, é outra jovem morador de Iranduba, que também teve suas expectativas frustradas pelo abandono da Cidade Universitária. Ela, que sempre sonhou em estudar Engenharia Civil, viu suas esperanças serem demolidas junto com o projeto.
“Quando a Cidade Universitária foi anunciada, senti que finalmente teríamos uma chance justa de competir no mercado de trabalho. A ideia de ter uma infraestrutura completa, com laboratórios e bibliotecas, me animava muito. Mas hoje, ver aquele espaço abandonado e em ruínas é desolador. Muitos de nós tivemos que mudar nossos planos, buscar alternativas em Manaus ou até desistir do sonho de uma educação superior. É triste ver um projeto tão promissor se tornar um símbolo de descaso e abandono”, fala a jovem.
Um escândalo
O cientista político Carlos Santiago caracteriza a situação da obra da Cidade Universitária como um verdadeiro escândalo, devido ao milhões de reais gastos no projeto, sem conclusão.
“Milhões foram gastos. A maquete da Cidade Universitária foi apresentada ao público e à sociedade pelos governantes da época. Isso é uma demonstração clara de que não temos bons governantes preocupados com o destino adequado dos recursos públicos”, comenta.
Carlos Santiago enfatiza que, em um país sério que cultiva a ética, muitos dos envolvidos já estariam presos. “Mas, no Amazonas, os malfeitores que agiram durante a pandemia, onde milhares de pessoas morreram, continuam no poder. Alguns responsáveis por essa obra da Cidade Universitária estão em cargos de destaque, no topo da administração pública ou prestando serviços ao poder público. Tudo isso é uma grande vergonha para qualquer defensor da ética”, pontua. Carlos Santiago frisa que o eleitorado do Amazonas precisa ter mais responsabilidade na hora de votar.
Falta de continuidade e desperdício de recursos públicos
Segundo o cientista político Helso Ribeiro, a situação da Cidade Universitária reflete um problema comum no Brasil: a falta de continuidade nas obras de gestão para gestão. Ribeiro observa que, muitas vezes, novos gestores não dão prosseguimento aos projetos iniciados por seus antecessores, o que leva a uma série de desafios e desperdícios.
Além disso, ele aponta que há uma tendência de iniciar grandes obras para marcar presença política, sem a real intenção de concluir os projetos. Ribeiro acredita que a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), uma instituição em crescimento, não pode continuar operando com suas unidades espalhadas. A proposta de criar um campus unificado deveria ser recebida com entusiasmo, e não dispersa pela cidade.
“O governo de Omar Aziz tentou transferir a UEA para lá, mas atualmente o que se vê são apenas estruturas abandonadas. “Quanto mais tempo passar, mais os danos se agravarão – infiltrações e deterioração das estruturas são inevitáveis,” afirma Ribeiro. Ele menciona que já participou de eventos de corrida no local e observa que a base é interessante, mas a vegetação e os problemas estruturais estão se agravando.
Ribeiro acredita que uma solução para a continuidade do projeto seria uma colaboração mais eficaz entre o estado, o município e o governo federal. Ele conclui que, apesar de ser uma ideia promissora, atualmente não vê perspectivas de retomada da Cidade Universitária, o que considera uma grande perda para a região.
A Cidade Universitária em Iranduba permanece um sonho inacabado, esperando por uma nova chance de se tornar realidade e cumprir sua promessa de ser um polo de educação e desenvolvimento no Amazonas.
Futuro incerto
Havia a possibilidade de utilizar a estrutura já construída no projeto da Cidade Universitária para abrigar o primeiro Parque Tecnológico do estado. No entanto, a situação segue sem novidade.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado de Infraestrutura (Seinfra), que informou que a obra referente à construção da Cidade Universitária não é de responsabilidade da pasta.
O Portal AM 1 também entrou em contato com o Governo do Amazonas para saber se tem alguma novidade sobre o projeto, mas não obteve resposta.
A Cidade Universitária em Iranduba permanece um sonho inacabado, esperando por uma nova chance de se tornar realidade e cumprir sua promessa de ser um polo de educação e desenvolvimento no Amazonas.
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