Manaus, 23 de abril de 2025
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Manaus, 23 de abril de 2025

Cidades

Tragédias com embarcações no AM levantam questões sobre fiscalizações e irregularidades

Duas embarcações foram atingidas por incêndios, em menos de três, resultando na morte de sete pessoas, além de deixar vários feridos e desaparecidos.

Tragédias com embarcações no AM levantam questões sobre fiscalizações e irregularidades

Os incêndios deixaram mortos, feridos e desaparecidos - (Foto: Reprodução)

Manaus (AM) – Em menos de três dias, duas embarcações foram atingidas por incêndios no Amazonas, resultando na morte de sete pessoas; além de deixar feridos e desaparecidos. As tragédias levantam questionamentos sobre fiscalização e irregularidades por parte dos proprietários.

O primeiro acidente ocorreu no último sábado (27). Um barco foi consumido pelas chamas no rio Negro, nas proximidades da Comunidade Santa Maria e do arquipélago de Anavilhanas. O ocorrido causou a morte de quatro pessoas. No total, 59 passageiros foram resgatados com vida. No entanto, o número de desaparecidos não foi informado, pois a embarcação não possuía lista de passageiros.

Segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM), 25 pessoas foram encaminhadas e receberam atendimento nas unidades da rede pública.

O segundo incêndio no interior do estado aconteceu na tarde de segunda-feira (29), nas proximidades do município de Uarini. Até o momento, o acidente resultou na morte de três pessoas. Conforme a Marinha do Brasil, 183 pessoas foram resgatadas com vida. Há pelo menos dois desaparecidos, que segundo o comandante da embarcação, faziam parte da tripulação.

Dos resgatados, 172 já receberam alta e foram direcionados para duas escolas em Uarini, onde estão abrigados e recebendo suporte das autoridades. Três pacientes foram transferidos para Manaus, sendo duas mulheres e uma criança. Outros sete continuam internados na unidade hospitalar da cidade e um foi encaminhado para o município de Tonantins.

O primeiro incêndio aconteceu na madrugada de sábado (27) no Rio Negro – (Foto: Divulgação/Marinha do Brasil)

Especialistas afirmam que a superlotação de pessoas e uma abundante carga podem gerar pressão excessiva nas embarcações. Outro aspecto que pode causar incidentes (ou até mesmo acidentes graves) é a instalação elétrica nos barcos.

André Lysâneas, Capitão dos Portos da Amazônia Ocidental, explicou que há dois tipos de inspeção para embarcações na região: as inopinadas e as planejadas. Este ano, foram inspecionadas mais de 4 mil embarcações na área de Manaus e adjacências. As inspeções inopinadas são realizadas diariamente nos portos, enquanto as planejadas são anuais e envolvem a emissão de certificações pelos órgãos competentes, como a Marinha.

Embarcação irregular

Ele detalhou que a embarcação envolvida no incêndio, que se dirigia para Santa Isabel do Rio Negro, estava irregular, pois havia deixado vencer sua inspeção e não corrigiu as irregularidades exigidas. Devido a isso, a embarcação não estava autorizada a navegar, mas partiu irregularmente, sendo surpreendida pela inspeção inopinada. A embarcação não foi interceptada a tempo e acabou enfrentando o acidente.

“O licenciamento anual visa garantir a navegabilidade e a segurança das embarcações, abrangendo aspectos como poluição ambiental e equipamentos de segurança. Contudo, a responsabilidade pela manutenção desses requisitos continua com o comandante e o proprietário da embarcação durante o ano”, afirma.

Conforme o capitão, o inquérito sobre os incêndios está em andamento. “O prazo para conclusão é de 90 dias, mas a Marinha dará prioridade para reduzir esse tempo e identificar as causas e responsabilidades do acidente. Se forem encontradas responsabilidades, haverá implicações administrativas para os envolvidos”, frisa.

O segundo incêndio aconteceu na segunda-feira (29) – (Foto: Divulgação)

Acondicionamento da carga

Segundo Jemima de Paula, especialista em acidentes e navegação, a irregularidade no acondicionamento da carga, especialmente quando envolve combustível, é um problema sério. Ela ressalta que é ilegal e perigoso transportar combustível com passageiros a bordo e que essas práticas podem ocorrer frequentemente em embarcações que evitam fiscalização, como aquelas que fogem da capitania durante a madrugada.

Além disso, Jemima enfatiza a importância de os passageiros serem aliados na segurança, encorajando-os a denunciar situações perigosas às autoridades, como a polícia, a Marinha ou órgãos de fiscalização.

Outra questão levantada pela especialista é o ato de fumar a bordo de embarcações, o que é proibido conforme a Lei do Antifumo de 1996. “Essa legislação se aplica não apenas a aeronaves e transportes coletivos, mas também às embarcações. As normas específicas para cada região estão disponíveis no site da capitania responsável, e todas as embarcações devem exibir um símbolo indicando a proibição de fumar”, diz.

Medidas de segurança para evitar incêndios

Jemima destaca a importância de manter os extintores de incêndio em boas condições, especialmente em períodos quentes como julho e agosto, quando a incidência de incêndios e explosões aumenta na Região Norte. Segundo ela, os passageiros podem ajudar verificando o manômetro dos extintores e alertando a tripulação se estiverem vazios.

Outro ponto abordado é o uso de extensões elétricas nas embarcações. A sobrecarga de fios e extensões pode provocar incêndios, e a falta de extintores adequados no convés pode agravar a situação. É crucial que os passageiros estejam atentos à presença e condição dos extintores.

barcos

Fiscalizações nas embarcações – (Foto: Moisés Henrique/Arsepam)

Penalidades

Sobre as penalidades que proprietários ou operadores de embarcações podem sofrer, Jemima explica que, após a conclusão do inquérito, o caso é enviado ao Tribunal Marítimo para julgamento. “Comandantes, proprietários e prepostos podem ser responsabilizados e ter suas atividades suspensas ou canceladas”, diz.

Em relação às vítimas, desde 1º de julho, segundo a advogada, é obrigatório o Seguro de Danos Pessoais por Embarcações e Máquinas (DEPEM). Este seguro cobre morte, custas médicas e invalidez. Ela destaca que a maioria dos acidentes é causada por erros humanos e de manutenção.

Marinha

Em nota, a Marinha informou que foi aberto um procedimento administrativo para apurar as causas dos dois acidentes. Ainda segundo a nota, a Marinha continua as buscas relacionadas ao acidente com a embarcação “M Monteiro”, nas proximidades da Comunidade de Uarini, na calha principal do rio Solimões.

“A Marinha está empregando o Navio Patrulha Fluvial ‘Amapá’, uma aeronave do 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Noroeste e uma lancha com equipe móvel da Capitania dos Portos. Foi realizada nesta terça-feira (30) uma reunião com a Marinha, Exército Brasileiro, Defesa Civil do Estado do Amazonas, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar para coordenar ações de resgate, atendimento e busca dos acidentados”, pontua a nota.

Conforme o comunicado da Marinha, os militares do Exército, que prestaram os primeiros socorros, afirmaram ter ouvido, no momento do incêndio, sons semelhantes a fogos de artifício. A mesma informação foi confirmada por passageiros sobreviventes. Nas perícias iniciais, ainda não foi confirmada a existência desse tipo de material na embarcação.

(Fotos: Arsepam/Secom)

Fiscalização da Arsepam

A Arsepam informou que realiza, periodicamente, a fiscalização das embarcações nos portos de Manaus, Manaus Moderna e Ceasa. De janeiro a junho deste ano, foram realizadas 5.337 inspeções.

“Nossa missão é regular e fiscalizar o transporte hidroviário intermunicipal dentro do Amazonas. Nossos fiscais avaliam a qualidade dos serviços oferecidos, o número de passageiros, a habilitação do comandante, a qualidade e a quantidade dos coletes salva-vidas e o valor das tarifas cobradas. Além disso, garantimos que os direitos dos idosos e das pessoas com deficiência sejam respeitados”, diz um trecho da nota enviada ao Portal AM1.

Força-tarefa

Uma força-tarefa de órgãos do Governo do Estado do Amazonas foi montada para atender as vítimas do incêndio da embarcação de Uarini. Foram enviados para o local profissionais da Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM), levando medicamentos e insumos para reforçar as unidades de saúde de Tefé e Uarini; servidores da Defesa Civil e homens do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM), incluindo mergulhadores e especialistas em atendimento pré-hospitalar, também auxiliarão no atendimento de feridos e nas buscas por desaparecidos.

Servidores da Secretaria Estadual de Assistência Social (Seas) e um perito do Departamento de Polícia Técnico-Científica (DPTC-AM) devem embarcar nesta quarta-feira (31) para reforçar os trabalhos no município.

Barco Ana Maria VIII – (Foto: Reprodução)

Grandes tragédias

Os incêndios nas embarcações entram para a história das grandes tragédias no Amazonas. Em fevereiro de 1999, o naufrágio do barco Ana Maria VIII, no município de Manicoré, resultou na morte de 61 pessoas. 18 corpos foram encontrados e 43 pessoas nunca foram localizadas.

De acordo com registros da época, a embarcação entrou em um redemoinho, um fenômeno perigoso que pode causar o afundamento rápido de embarcações. O barco estava com 192 passageiros, sendo que a capacidade máxima era de 150, além de estar sobrecarregado, o que também contribuiu para a tragédia.

Em 2008, outro acidente envolvendo uma embarcação deixou sete pessoas mortas e pelo menos 11 desaparecidas. A embarcação Almirante Monteiro, feita de madeira, havia saído de Alenquer (PA) e seguia rumo a Manaus quando, na altura do município de Itacoatiara, no Amazonas, colidiu com uma balsa de aço não identificada.

 

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