Manaus, 19 de março de 2025
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Cenário

Vendedora de frutas que viralizou na web vira alvo de disputa entre vereadores

Caso da vendedora haitiana Nerosiane Nesir gera disputa entre vereadores e questiona assistencialismo ou oportunismo político dos parlamentares.

Vendedora de frutas que viralizou na web vira alvo de disputa entre vereadores

(Fotos: Reprodução/Instagram)

Manaus (AM) – O caso da vendedora haitiana Nerosiane Nesir, abordada de forma truculenta por fiscais da Prefeitura de Manaus no Centro da capital, no dia 13 deste mês, gerou uma disputa entre alguns vereadores. O que chama atenção é a constante gravação e postagem dos atos nas redes sociais, levantando questionamentos sobre assistencialismo pontual ou até mesmo oportunismo político.

O vereador Rodrigo Guedes (PP) doou cestas básicas e uma quantia simbólica em dinheiro para que Nerosiane pudesse comprar novas frutas e voltar a trabalhar. Além disso, divulgou a chave Pix dela para incentivar doações.

Já o novato no parlamento, Eurico Tavares (PSD), doou um novo carrinho para a vendedora. “Isso aqui não é só um carrinho. É garantia de sustento para quem luta todos os dias por uma vida melhor”, escreveu em sua postagem ao mostrar a entrega.

Outro estreante na Câmara Municipal de Manaus (CMM), o vereador Sargento Salazar (PL), foi além: ofereceu um curso de Agente de Portaria para Nerosiane e o marido dela, e ainda deu emprego para o casal na empresa de segurança da qual ele é sócio.

Se o objetivo deles era engajamento nas redes sociais, conseguiram. O vídeo de Salazar teve mais de 5 mil comentários e 797 mil visualizações. Já o vídeo de Rodrigo Guedes alcançou 281 mil visualizações e mais de 3 mil comentários.

Eurico Tavares, por sua vez, obteve 127 mil visualizações e 368 comentários em uma de suas publicações. No entanto, o primeiro vídeo que ele fez com a vendedora, logo após o ocorrido, foi o que mais chamou atenção: atingiu 1 milhão de visualizações e quase 900 mil comentários.

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(Foto: Divulgação/Instagram)

Teve oportunismo político?

Para o cientista político Helso Ribeiro não há como medir o oportunismo de forma objetiva, mas ele pontua que políticos tendem a buscar holofotes e que é preciso tomar cuidado com os “salvadores da pátria”.

“As pessoas podem estar agindo com boas intenções, mas é natural que haja suspeitas de oportunismo, especialmente quando se trata de políticos. Doar cestas básicas, dinheiro ou oferecer cursos pode ser visto como solidariedade, mas também pode ser interpretado como marketing político. É difícil afirmar se houve oportunismo ou não. A fronteira entre assistencialismo e solidariedade é muito tênue. Precisamos ter cuidado com os ‘salvadores da pátria’ e com políticas assistencialistas que não resolvem problemas de forma estrutural”, pontua.

Ele destacou que a ação truculenta da fiscalização é inadmissível em qualquer hipótese, sendo esse o ponto de partida para a discussão. No entanto, ele também ressaltou a necessidade de disciplinar o espaço público.

Ajuda pontual 

Segundo o sociólogo Sérgio Marques, a comoção em torno de casos como esse evidencia como a mídia e as redes sociais selecionam quem merece empatia e atenção, enquanto milhares de pessoas em situações semelhantes permanecem invisíveis.

Marques explica que a visibilidade midiática gera uma resposta rápida de políticos e instituições, que veem nesses casos uma oportunidade de capitalizar politicamente a partir da comoção coletiva. No entanto, essa ajuda pontual não resolve o problema estrutural.

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(Foto: Divulgação/Instagram)

“A vendedora ambulante recebeu cestas básicas, um carrinho de frutas e até ofertas de emprego, mas e os milhares de outros trabalhadores informais que vivem na mesma precariedade? Eles continuam invisíveis porque não há políticas públicas sistêmicas que garantam direitos básicos, como trabalho digno e moradia. A ajuda pontual, embora importante, acaba sendo mais um paliativo do que uma solução efetiva”, afirmou o especialista.

Engajamento e palavras de efeito

O advogado, sociólogo e cientista político Carlos Santiago lamenta que, atualmente, muitos legisladores se apoiem apenas em discursos vazios, em palavras de efeito e no engajamento nas redes sociais. “Vivem de momentos, de espetáculos, enquanto os problemas da cidade continuam sem solução. O parlamento precisa promover debates, discussões e encaminhar propostas que possam ser efetivamente implementadas”, reforça.

O especialista salienta que é um dever constitucional cobrar as contas do chefe do Executivo, mas o papel do parlamentar vai muito além disso. Ele destaca que a melhor política pública é aquela que atende aos mais carentes e necessitados. No entanto, práticas como a distribuição de brindes por parlamentares ou a oferta de serviços como consultas médicas e jurídicas, principalmente no período pré-eleitoral, não têm amparo legal.

Carlos Santiago ressalta que Manaus já teve grandes legisladores, oposicionistas ativos, investigantes e fiscalizadores, com grande capacidade intelectual para propor leis e soluções para os problemas da cidade.

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(Foto: Divulgação/Instagram)

“Exemplos disso são a bilhetagem eletrônica, a passagem estudantil, a meia-entrada para acesso ao cinema e ao teatro, a obrigatoriedade de informar os mais necessitados sobre o direito à tarifa social e a gratuidade no transporte público para maiores de 60 anos. Todas essas iniciativas foram propostas por parlamentares oposicionistas do Poder Legislativo municipal. No entanto, ele enfatiza que ainda falta muito para que todos os parlamentos atuem com essa efetividade”, frisa.

Reordenamento urbano

Ao Portal AM1, a Dr.ᵃ Heloisa Helena Corrêa da Silva, professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), do Departamento de Serviço Social explicou que o reordenamento urbano é um processo de planejamento que deve ser previsível em suas intervenções, especialmente junto às populações desprovidas, como os empreendedores das vias públicas, segmento no qual a vendedora haitiana Nerosiane Nesir está inserida.

Segundo ela, reorganizar uma cidade ou área urbana implica melhorar sua estrutura física e funcional, incluindo a população na criação de um ambiente mais aprazível e sustentável. Esse processo não pode ser confundido com ações higienistas, que tendem a atingir apenas os mais vulneráveis.

“O reordenamento urbano deve estar entrelaçado com políticas públicas de assistência social, segurança pública e desenvolvimento econômico local. Essas políticas são essenciais para garantir que as intervenções urbanas sejam inclusivas e sustentáveis, beneficiando toda a população e não apenas grupos específicos.”

A especialista frisou que a visibilidade midiática do caso da vendedora haitiana expõe a necessidade de um planejamento urbano e social inclusivo e sustentável, que vá além de ações pontuais e assistencialistas.

“É fundamental que o poder público atue de forma preventiva e estrutural, garantindo direitos e dignidade para todos os cidadãos e cidadãs, especialmente os mais vulneráveis.”

 

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