Manaus, 3 de julho de 2025
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Manaus, 3 de julho de 2025

Cidades

Dependência hídrica e estiagem: o risco de uma crise energética no Brasil

A seca nos rios encarece a produção de energia hidrelétrica, o que leva ao aumento nas tarifas, pesando mais no bolso do consumidor, especialmente em períodos de escassez.

Dependência hídrica e estiagem: o risco de uma crise energética no Brasil

(Foto: Bruno Batista/ VPR)

Manaus (AM) – Além da crise ambiental, o Brasil pode estar à beira de uma crise energética. As hidrelétricas, principais fontes de energia renovável do país, respondem por mais da metade da produção nacional. No entanto, com a severa estiagem que atinge diversas regiões, a dependência dessas fontes hídricas coloca o sistema elétrico em risco, ameaçando a estabilidade do fornecimento de energia.

Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as quatro maiores fontes renováveis que compõem a matriz de energia elétrica brasileira são a hídrica, com 53,88%, eólica (15,22%), biomassa (8,31%) e solar (7,2%). Entre as fontes não renováveis, as maiores são gases naturais (8,78%), petróleo (3,92%) e carvão mineral (1,7%).

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é uma usina hidrelétrica brasileira da bacia do Rio Xingu, próximo ao município de Altamira, no norte do estado Pará (Foto: TV Brasil)

A crise energética ocorre quando há uma combinação de escassez e dependência de fontes de energia. Quando há uma redução abrupta na produção das principais fontes de energia usadas por um país, isso pode levar a uma crise de abastecimento, impactando diretamente o fornecimento e a distribuição de energia.

E o assunto não é novo. Em 2023, algumas das principais fornecedoras de energia hidrelétrica precisaram interromper suas atividades devido ao baixo nível dos rios, como aconteceu com a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia. Na época, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) divulgou que a vazão do rio estava 50% abaixo da média histórica. A usina de Santo Antônio, que ocupa o quinto lugar no ranking de produção energética do país, foi uma das afetadas por essa crise da estiagem.

“A medida atende aos limites operativos definidos na fase de projeto junto aos fabricantes, que estipulam parâmetros mínimos para operação segura das unidades geradoras. Atualmente, como o Rio Madeira apresenta recorde de baixa vazão, o desligamento visa preservar a integridade das unidades geradoras da hidrelétrica, por isso a operação foi temporariamente interrompida”, declararam em comunicado.

Especialista

Buscando elucidar possíveis questionamentos sobre o assunto, o Portal AM1 procurou especialistas no setor energético para conversar sobre o assunto. O doutor e engenheiro de energia Rafael Henrique, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que a crise energética é uma possibilidade, especialmente, se consideramos a elevação da temperatura e o agravamento das ondas de calor.

“Eu acredito que sim, ainda mais devido ao agravamento do calor. Tanto que se discute a volta do horário de verão, algo que já tinha comentado no Conexão Natural há bastante tempo, justamente para a tentativa de economizar energia. Esse ano presenciamos uma crise climática sem igual no RS, devido às enchentes. E, novamente, estamos em um ano mais quente que o anterior. Desta forma, deve ser bastante comum, a partir de agora, medidas tanto de mitigação, quanto de adaptação para o que vem pela frente”, explicou Henrique.

Rafael Henrique, formado em Engenharia de Energia, Mestrado em Planejamento de Sistemas Energéticos e Doutorado em Tecnologia – Ambiente (Foto: Arquivo Pessoal/Rafael Henrique)

Na sua articulação, Rafael Henrique comenta ainda a discussão que cerca o retorno do horário de verão no país. Esse retorno é visto como uma medida paliativa pelo Ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, para redução do consumo de energia, especialmente, em horários de pico. Apesar de Silveira enxergar o horário de verão como uma alternativa, não se convence da necessidade imediata desse retorno.

Henrique, em contrapartida, entende que o horário de verão seria benéfico nesse processo de economia.

“Eu acredito que para todo mundo seria benéfico o retorno do horário de verão. E obviamente pode gerar uma economia, uma vez que temos uma hora a mais para aproveitar a luz do sol, sem falar na redução do horário de pico de certos setores. Entretanto, tem a questão do uso de ventiladores, dentre outros objetos para refrigeração que tem uso maior durante a insolação, os quais estão sendo cada vez mais utilizados conforme tem o agravamento do calor aqui no Brasil”, explicou Henrique.

Soluções

Para entender os cenários futuros dessa questão e seus impactos no setor energético, climático e social do Brasil, o engenheiro aponta que, diante das mudanças climáticas atuais, a solução mais viável seria apostar em fontes de energia renováveis de forma descentralizada.

“Eu creio que não temos mais tempo nem oportunidade de procurarmos novas fontes, ainda mais provenientes do petróleo. Considerando a crise que estamos, acredito que o único caminho possível seria encontrar alternativas para total dependência da energia solar, eólica, dos mares, geotérmica, dentre outras fontes que emitem zero poluentes”, defendeu Henrique.

Ainda nesse caminho, durante evento do Grupo de Trabalho de Pesquisa e Inovação do G20, realizado em Manaus, no início dessa semana, a líder do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, questionada, pelo Portal AM1, sobre uma futura possibilidade de crise energética, alegou que o tema é considerado um “vetor de ameaça”.

“Isso é um vetor de ameaça. Nós temos como fonte principal as hidrelétricas. Então, quando há uma estiagem muito severa, isso obviamente impacta nas nossas reservas para poder garantir energia firme. Por isso mesmo – por mais que a gente tenha ampliado e ampliou muito. Em 10 anos, no mínimo, multiplicamos em cinco vezes os nossos parques solares e, em segundo, nossos parques eólicos. Nós temos que buscar permanentemente produção energética que garanta segurança energética”, disse ministra em coletiva de imprensa.

Para o consumidor

A estiagem também afeta diretamente o bolso do consumidor. Com a seca nos rios, há uma redução na produção de energia hidroelétrica, que embora ainda se mantenha em níveis aceitáveis, sem causar uma crise imediata, gera um impacto no custo da energia. Isso se reflete no aumento das tarifas, especialmente em períodos de maior escassez hídrica.

Um exemplo disso é a declaração recente do diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, que afirmou, no dia 18 de setembro, que há uma tendência de que a cobrança adicional nas tarifas de energia, por meio das bandeiras laranja ou vermelha, persista até o final do ano.

 

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