Manaus, 27 de abril de 2024
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Manaus, 27 de abril de 2024

Cidades

Economia e sustentabilidade: os desafios da retirada dos flutuantes do Tarumã-Açu

Com quase mil construções flutuantes na área, a medida levanta questões sobre o impacto na renda das famílias locais e a necessidade de preservar o ecossistema.

Economia e sustentabilidade: os desafios da retirada dos flutuantes do Tarumã-Açu

A Justiça havia dado um prazo de 10 dias para que as estruturas fossem retiradas do local e desmontadas - (Foto: Semcom)

Manaus (AM) – A decisão de retirar os flutuantes da margem esquerda do Tarumã-Açu levanta debates de como as autoridades vão equilibrar questões ambientais e econômicas, visto que o local é fonte de renda de várias famílias. Atualmente, estima-se que existam quase mil construções flutuantes na área.

Na questão ambiental, o que pautou a decisão judicial da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Manaus, o ambientalista Erivaldo Cavalcanti afirma que a bacia vem sendo atacada de diversas formas e a presença dos flutuantes é uma delas; além disso, ele defende a criação de um plano de recuperação.

“É necessário o cumprimento da lei e das decisões judiciais. E, em paralelo, a construção de um plano de manejo, um plano de recuperação para bacia, utilizando principalmente um dos princípios do direito ambiental, que é o da participação. Isso tem que ser respeitado. As comunidades e os entes envolvidos precisam ser escutados”, pontua.

Estudo da UEA

Um estudo desenvolvido pelo Programa de Monitoramento de Água da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) analisou 27 pontos da região. Segundo o levantamento, as águas foram avaliadas como aceitáveis pelo que determina o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Entretanto, foi possível identificar uma concentração de dejetos e resíduos que são despejados no local, além de apontar um avanço da degradação na área.

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A decisão judicial determina a retirada e destruição de flutuantes localizados na margem esquerda do rio Negro – (Foto: Chico Batata)

“O monitoramento é feito por um longo tempo e notamos mudanças da qualidade da água nesse intervalo. E esses dados são os mais relevantes. Então, do início do monitoramento até agora, os parâmetros pioraram. Estão dentro dos parâmetros do Conama. Entretanto, estamos notando que, com o passar do tempo, a qualidade de água do Tarumã-Açu está piorando”, pontua Sérgio Duvoisin Junior, coordenador do programa de monitoramento de água da UEA.

Sérgio Duvoisin Júnior reforça que o relatório serve como base para que se faça alguma coisa agora, para que a bacia do Tarumã-Açu não se torne uma bacia do São Raimundo ou do Educandos, onde a degradação é infinitamente maior do que a bacia do Tarumã-Açu.

“O relatório mostra que temos que tomar ações agora, para depois, no futuro, não ter que ter um custo muito alto para recuperar essa bacia”, enfatiza.

Ambientalista contesta

Já a ambientalista Carla Torquato diverge um pouco das opiniões dos outros especialistas. Ela destaca uma mudança na paisagem e nas circunstâncias ao longo de duas décadas, evidenciando a complexidade da interação entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico.

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A Semmas identificou 903 flutuantes na localidade – (Foto: Semcom)

Para a ambientalista, medidas radicais como a retirada total dos flutuantes podem não ser viáveis ou adequadas diante das realidades atuais. Em vez disso, defende a necessidade de encontrar soluções alternativas que permitam a coexistência sustentável de atividades econômicas e a conservação do ambiente natural, garantindo, ao mesmo tempo, a sustentabilidade das comunidades locais que dependem dessas atividades. Isso ressalta a importância do envolvimento e da responsabilidade do poder público na busca por abordagens equilibradas e inclusivas para lidar com essas questões.

“Vinte anos atrás, quando essa Ação Civil Pública, pedindo a retirada dos flutuantes foi iniciada, a realidade era outra. Hoje, é completamente diferente. Não é razoável retirar os flutuantes dessa maneira com a ideia de que a natureza irá se recuperar dessas atividades econômicas. Eu acredito que o poder público precisa e deve trazer alternativas para que todas aquelas pessoas que dependem daqueles negócios, dependem dos flutuantes, possam permanecer lá”, explica.

‘Decisão exagerada’

O presidente da Associação dos Flutuantes do Rio Tarumã-Acu (AFLUTA), Nildo Affonso, afirma que a decisão é exagerada e baseada no erro de análise sobre a real origem da alegada poluição.

“É de conhecimento de todas as autoridades da nossa cidade que a poluição do Tarumã não vem dos flutuantes. A poluição do Tarumã está vindo de 13 mil igarapés da cidade de Manaus, que trazem lixo e esgoto, tanto da zona Norte quanto da zona Oeste da cidade. Aquelas ramificações, aqueles córregos que passam pelos bairros, recebendo lixo e esgoto e vem até o Tarumã. E mesmo assim, o estudo da UEA mostra que a sustentabilidade do Tarumã ainda é muito boa”, defende Nildo.

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Os flutuantes desencadeiam discussões sobre o equilíbrio entre economia e meio ambiente – (Foto: Semcom)

Impacto na economia

A questão econômica é a principal levantada pelos donos dos flutuantes e trabalhadores da área. De acordo com a Afluta, a retirada dos flutuantes do Tarumã pode impactar negativamente a vida de cerca de 4 mil famílias que dependem dos trabalhos gerados pelo setor.

“Clamamos aos nossos parlamentares, tanto da Assembleia Legislativa quanto da Câmara Municipal, que intercedam por nós ao Judiciário que não permita que isso aconteça, que seja justo, que a Justiça realmente prevaleça e nós temos fé que a Justiça vai prevalecer no final”, pede Nildo Affonso.

E não são apenas os proprietários de flutuantes que estão preocupados com a decisão. Quem trabalha com transporte no lago do Tarumã-Açu também teme ficar sem emprego caso a remoção dos empreendimentos seja levada à frente. É o caso do barqueiro Mack Chagas, que trabalha em uma cooperativa que emprega 32 chefes de família.

“Vai ficar muito complicado, não só para mim, mas para meus colegas de trabalho. Isso me afeta não só como trabalhador, mas como morador. Eu tenho 37 anos de idade e cresci, morei, vivi a minha vida toda na Marina do Davi”, diz o barqueiro.

‘Moradores vão perder em dobro’

Segundo representantes da Associação de Moradores da Marina do Davi, atualmente, cerca de 197 flutuantes abrigam mais de 250 famílias. Além do impacto direto a comunidade, os moradores preveem um impacto também a quase 3 mil pessoas que utilizam a área diariamente.

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Moradores afirmam que vão ficar sem fonte de renda com a retirada dos flutuantes – (Foto: Semcom)

“Moradores vão perder em dobro. Vão perder tudo, na verdade, porque estão tirando as nossas casas, os nossos trabalhos, a nossa segurança. Somos ribeirinhos, que isso fique bem claro. Não estamos poluindo. A poluição é a falta de saneamento básico na cidade”, afirma Sara Guedes, moradora do Tarumã-Açu e representante da associação.

A associação dos moradores, inclusive, procurou a Defensoria Pública do Estado (DPE) solicitando apoio às pessoas que deverão ser atingidas com as retiradas.

O defensor público Carlos Almeida diz que o processo possui 13 mil páginas e foi preciso fazer uma análise precisa sobre o assunto.

“A Defensoria procurou fazer o acionamento necessário para poder compreender, de forma muito clara, qual era a realidade ali presente e uma análise criteriosa do processo mostrou uma coisa muito importante, o processo tem gravíssimas violações com relação devido ao processo legal e isso pode ser resumido no seguinte: o processo inicialmente foi movido contra 74 flutuantes do rio da margem esquerda do rio Negro e, desses 74 flutuantes, apenas 52 foram citados”, diz o defensor.

O que dizem os políticos?

O assunto movimentou alguns pronunciamentos na Câmara Municipal de Manaus (CMM), mas sem nenhum projeto claro que ajude a resolver a questão. O vereador Lissandro Breval (Avante) cobrou uma solução para assegurar moradias para famílias que serão retiradas da orla do Tarumã.

O vereador avalia uma “morosidade” por parte da gestão municipal no cadastramento de famílias e no direcionamento do problema, visto que as discussões sobre a retirada dos flutuantes são antigas.

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A questão levanta debates para criar soluções para as famílias da localidade – (Foto: Semcom)

“Nossa preocupação é com famílias que moram no Tarumã. Elas não foram ouvidas, não tiveram direito à defesa. Conheço uma família que vive há mais de 50 anos no Tarumã. Quais as ações que a Prefeitura de Manaus tem realizado para solucionar a problemática desses moradores? O que vão fazer com essas pessoas que moram lá e não tem outro lugar para morar?”, questionou.

O vereador Sassá da Construção Civil (PT) defende a necessidade de uma abordagem sensata para não prejudicar os trabalhadores e proprietários dos flutuantes. O parlamentar sugere a remoção dos flutuantes abandonados e um prazo estendido para a regularização dos demais.

Para Peixoto (Agir36), a necessidade e urgência de preservação do meio ambiente precisa de amparo a partir de legislações e normas. Ele também destacou a importância de ações para garantir a manutenção do ecossistema sem excluir as tradições e a economia gerada pelos flutuantes.

“Isso é ancestral e, com o passar dos anos, foi trazido do interior do Amazonas para a cultura manauara. Tanto no âmbito social de moradias, quanto no social-econômico, a indústria gastronômica e turística, com os tradicionais bares e restaurantes flutuantes deve ser considerada na decisão e, principalmente, após a retirada”, defendeu.

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Outdoors foram instalados nas entradas das vias que dão acesso à Marina do Davi e Praia Dourada – (Foto: Semcom)

Medidas para retirada dos flutuantes

Das medidas de cumprimento ao processo de retirada dos flutuantes, a Prefeitura de Manaus instalou outdoors nas entradas das vias que dão acesso à marina do Davi e praia Dourada, na zona Oeste da cidade, informando que “a partir de 10 dias, a contar do dia 8 de março”, será dado início à operação de retirada.

A decisão judicial determina a retirada e destruição de flutuantes localizados na margem esquerda do rio Negro, primeiro os abandonados e depois os de uso exclusivo para lazer, hospedagem e aqueles com destinação comercial (oficinas e garagens de barcos, embarcações e veículos náuticos).

Conforme a prefeitura, todos os proprietários foram notificados sobre a decisão judicial a partir do dia 29 de junho de 2023. Durante este processo de notificação, a Semmas identificou 903 flutuantes, sendo que cerca de 660 são destinados ao lazer, recreação e comércio, e cerca de 190 utilizados como habitação.

 

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