Manaus, 28 de abril de 2024
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Cidades

Eduardo Bolsonaro insinua que pesquisadores mataram pacientes no AM

Filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro fez acusações pelas suas redes sociais aos pesquisadores que publicaram o trabalho

Eduardo Bolsonaro insinua que pesquisadores mataram pacientes no AM

REUTERS/Amanda Perobelli

O filho do presidente da República, o deputado federal Eduardo Bolsonaro insinuou nesta sexta-feira, 17, em uma postagem nas redes sociais, que as equipes médicas e de pesquisas que conduziram o estudo sobre o uso da cloroquina no Amazonas contra o coronavírus (Sars-Cov-2), teriam matado 11 pacientes em Manaus por superdosagem da medicação, por questões políticas e ideológicas.  

“Estudo clínico realizado em Manaus pra desqualificar a cloroquina causou 11 MORTES após pacientes receberem doses muito fora do padrão. Este absurdo deve ser investigado imediatamente. Os responsáveis são do PT. Mas isso é pura coincidência, claro.”, escreveu Eduardo Bolsonaro na postagem. 

Para endossar sua publicação, o deputado federal compartilhou uma matéria intitulada – A militância médica esquerdista por trás da pesquisa com alta dosagem de cloroquina em Manaus – em que diz que um “estudo clínico” imprudente foi realizado na capital amazonense com altas doses de cloroquina em pacientes com o novo coronavírus, “na tentativa de desqualificar o uso da hidroxicloroquina (HCQ) e demonstrar que ela não é um medicamento seguro”. 

A matéria chama os pacientes de “cobaia” e afirma que o estudo teria sido interrompido após as mortes das 11 pessoas, internadas no Hospital e Pronto Socorro Delphina Aziz, unidade hospitalar referência no tratamento da doença no Amazonas.

O texto também diz : “a pesquisa foi financiada com verbas federais alocadas por senadores esquerdistas e também era de conhecimento do próprio ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta”. 

A publicação usa o que chamou de “breve pesquisa nas redes sociais” no perfil de alguns dos pesquisadores e médicos envolvidos no ensaio clínico para provar “a militância esquerdista e o ódio demonstrado em posts contra o governo federal”.

Entidades se manifestam

Após a repercussão do caso que gerou vários ataques aos pesquisadores, a Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) emitiu um nota de repúdio, em que afirma receber “com extrema indignação e perplexidade as publicações apócrifas de matérias sensacionalistas, desprovidas de realidade e conhecimentos técnicos sobre a pesquisa CloroCovid19”.

Para a FMT, as publicações são preconceituosas e claramente desprovidas de conhecimentos da metodologia científica.

“É pejorativo o uso do termo ‘cobaias’. Todos os participantes de ensaios clínicos assinam termos de responsabilidade e estão cientes dos riscos”, diz. 

O texto ressalta que o Ministério da Saúde (MS) orienta o uso do medicamento diante de casos graves, ou seja, pacientes hospitalizados com pneumonia viral, mediante orientação médica e com acompanhamento.

“O resultado do estudo CloroCovid19 é de extrema importância para a comunidade cientifica mundial. O resultado pode balizar os estudos em andamento e futuros estudos sobre a doença”, defende em outro trecho da nota. 

A FMT também argumenta que atualmente 76 protocolos de pesquisa relacionados à Covid-19 aprovados no Brasil e no resto do mundo pelo menos 65 estudos clínicos.

O comunicado ressalta, ainda, que a cloroquina é usada clinicamente desde 1944, portanto considerada “segura”.

“Além da falta de conhecimento técnico-científica, as publicações são imorais, não tendo nem mesmo seu autor identificado. Há 46 anos a FMT-HVD lida diariamente com doenças infectocontagiosas e tem seus estudos reconhecidos mundialmente. Somos referência internacional nas pesquisas e no campo acadêmico. Capacitamos e formamos pesquisadores de todo o mundo, sempre com gabarito técnico e moral de alta qualidade”, finaliza. 

O Conselho Regional do Amazonas (CREMAM) também emitiu uma nota de repúdio, argumentando que “no exercício do seu mister de zelar pelo desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente, esclarece que tomou conhecimento do caso e que “adotará as providências cabíveis para apuração das condutas médicas estritamente à luz dos preceitos agasalhados no Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018)”.

Pesquisa continua no Delphina 

Um dos perfis apontados como esquerdista pela matéria divulgada por Eduardo Bolsonaro traz o pesquisador e infectologista da FMT, Marcus Vinicius Lacerda.

Durante a atualização dos casos de coronavírus no Amazonas, realizada nesta sexta, Lacerda afirmou que a pesquisa vai continuar no Hospital Delphina Aziz.

Ele reiterou que todo estudo é aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa antes mesmo de iniciar e que cada pessoa que entende o projeto assina um termo de consentimento autorizando sua participação. 

“Há um mês atrás quando desenhamos esse protocolo, nós tínhamos vários dúvidas sobre a melhor dose para se fazer a cloroquina para Covid-19, uma doença nova para qual nenhuma informação existia. Como ela começou na China, eles usaram uma dose mais alta porque ela poderia matar a maior quantidade do vírus. Aqui no Brasil, a Fundação auxiliou o Ministério da Saúde a construir um guia de uso da cloroquina em pacientes graves recomendando uma dose mais baixa, a qual está sendo usada hoje no país”, explicou Lacerda.

O pesquisador detalhou que são duas doses no primeiro dia e uma única dose durante quatro dias seguintes e que estudo também procurou entender a eficácia dessa dose maior usada na China.

“Acontece que essa dose maior usada pelos chineses e ainda está sendo utilizado em vários países, ela não se mostrou uma dose muito segura. Por tanto, essa maior dose foi suspensa, mas o estudo não. Nós continuamos estudando pessoas internadas no Delphina Aziz e acompanhando elas com a menor dose, sendo importante lembrar que a mortalidade no estudo não foi diferente de outros, ou seja, muito possivelmente a morte se deveu a própria doença covid-19 e não a cloroquina”, disse o pesquisador. 

“É importante que a sociedade entenda o que foi feito dentro do Delphina para que não se volte contra mais esse personagem que vai ser decisivo na luta contra a Covid-19 que é o pesquisador. A pesquisa está pra ajudar o serviço de saúde e fazer com que o profissional faça melhor o seu trabalho, nós não estamos só estudando a cloroquina, mas também outros anti-inflamatórios mais potentes que nós acreditamos que farão alguma diferença naquela pessoa que já está internada na UTI. Esses trabalhos são pioneiros, existem vários outros grupos no mundo, só que quanto mais cedo tivermos o resultado, melhor para a população porque mais mortes serão evitadas”, finalizou.