
Vaquinha virtual (Foto: Divulgação/TSE Montagem/AM1)
Manaus (AM) – Questionados sobre as chamadas “vaquinhas virtuais” para arrecadação de recursos por parte de empresas, com o intuito de financiar coletivamente campanhas políticas nas eleições municipais de 2024, eleitores de Manaus divergem sobre a modalidade.
“Não ajudaria de jeito nenhum, cara. Esses candidatos não ajudariam, não. Eles já ganham muito, para a gente ainda ajudar eles, eu quero é que eles me ajudem!”, disse o aposentado José Carlos.
Já o lojista Elielson Chaves falou ao Portal AM 1 que “depende muito do candidato”. “Eu ia querer saber o perfil, de repente ajudaria, sim; se o candidato fosse meu amigo”.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou a arrecadação de recursos, desde a última quarta-feira (15), por parte de empresas ou entidades cadastradas para prestar serviço de financiamento coletivo de campanhas nas eleições municipais de 2024.
Essa prática, também conhecida como crowdfunding ou “vaquinha virtual”, é utilizada como opção de financiamento de campanha e acontece pela quarta vez no processo eleitoral brasileiro.
A chamada “vaquinha virtual” foi instituída pela reforma eleitoral de 2017, foi utilizada nas eleições de 2018, 2022 e no pleito municipal de 2020.
Até o momento, o TSE já aprovou o cadastro de sete empresas habilitadas a prestar esse serviço nas eleições municipais deste ano. Ainda segundo o TSE, somente pessoas físicas podem fazer doações.
O cientista político Helso Ribeiro esclareceu ao Portal AM1 as dúvidas a respeito da modalidade de financiamento privado, que, em termos de utilização, ainda é considerada “novidade” no Brasil.
“Eu diria que essa vaquinha coletiva, em termos de criação, não é mais novidade, mas em termos de utilização, ela é pouquíssima utilizada e nesse aspecto, o que se esperaria é que, a cada eleição, ela fosse mais praticada. Mas eu acredito que ainda não está dentro da cultura brasileira de financiar os políticos”, disse Helso.
Ele atribui essa falta de costume à desconfiança por parte da população na postura dos políticos.
“Primeiro que há um desgaste imenso da população e, a vaquinha, é bom que se lembre, só recebe doações de pessoas físicas, empresas não podem doar, então há um desgaste muito grande dos políticos com a população. É difícil alguém botar a mão no bolso para financiar candidatos e partidos, pelo menos de forma clara como a vaquinha determina”, destaca.
Conforme a avaliação do cientista político, a “vaquinha virtual” é mais uma ideia para o financiamento de campanhas. Ele explica que, nos Estados Unidos, a prática é comum e que há uma tendência de as pessoas quererem menos Estado nas campanhas, ou que pelo menos o dinheiro das campanhas não venha do Estado. No entanto, Helso aponta desvantagens na modalidade privada de arrecadação, principalmente, na questão de privilégios.
“Tem um problema: se nós fôssemos adotar esse sistema apenas, já que tem o financiamento público, tem o Fundo Eleitoral, haveria uma tendência ainda maior, que já existe, de uma plutocracia, ou seja, ganharia as eleições quem apenas conseguisse bons financiamentos. Um trabalhador ou uma pessoa de poucos recursos e de poucas ligações com pessoas ricas teria um recurso parco, extremamente pequeno”, declarou o especialista.
Helso Ribeiro alega, ainda, que a habilitação de empresas para arrecadar recursos por financiamento coletivo de campanhas é uma forma de “democratizar” os valores a serem distribuídos posteriormente.
Empresas
O cientista aponta que os critérios do TSE para habilitar as empresas são “objetivos”. A ideia, segundo Helso, é aumentar o número de participações. Ele fala também sobre as vantagens que as entidades usufruem na arrecadação de recursos financeiros.
“É um lastro que elas têm. Elas estão arrecadando, desde já, só que esse dinheiro será disponibilizado apenas após as convenções, e no caso, só será utilizado por quem passar nas convenções. Até aí, elas têm um prazo para guardar o dinheiro, aí que há uma vantagem. E tem uma máxima do mercado de que nenhuma empresa entra para perder, nem poderia, porque se não seria uma fraude; mas é com esses prazos que elas vão se habilitar, enquanto isso, elas estão com dinheiro no caixa”, esclareceu o cientista político.
Vantagem
Perguntado sobre quem seria o maior beneficiado (partidos, políticos, empresas) com o financiamento coletivo de campanhas, o cientista diz que não é possível definir, isso porque a ideia ainda não é convencionalmente aceita no Brasil.
“Como essa prática é pouquíssima utilizada, ainda, ela foi feita para tentar dar àquelas pessoas que não tinha a perspectiva do grandioso financiamento público eleitoral de ter a chance de impulsionar a candidaturas, mas eu diria que, como não pegou ainda esse tipo de financiamento, fica meio vago saber quem se beneficia. Na última eleição, foi mínimo, você ouviu falar muito pouco desse tipo de financiamento, então eu não consigo ver assim um grande beneficiado pela vaquinha virtual”, comentou Helso.
Distribuição
No Brasil, as principais fontes para financiar campanhas, os fundos eleitoral e partidário têm diferença.
Criado em 2017, o Fundo Eleitoral é uma das principais fontes de recursos para campanhas e é distribuído somente no ano da eleição. Conforme a legislação, 30% do total recebido deve ser reservado ao financiamento das campanhas femininas.
Já o Fundo Partidário, formado por dotações da União, recolhimento de multas eleitorais e doações de pessoas físicas, é distribuído anualmente.
Para Helso Ribeiro, entretanto, a realidade brasileira mostra que os partidos têm “dono”. Dessa forma, a distribuição dos recursos nem sempre é justa.
“São os dirigentes que disponibilizam esse fundo para os candidatos, só que nem sempre essa distribuição para os candidatos é equânime”, diz ele.
O pesquisador expõe também as fraudes relacionadas à cota de gênero.
“O partido X recebe R$ 100 milhões e vai ver onde vai investir. Tem aquela cota mínima para mulheres, mas a gente sabe que há um trabalho hercúleo do Ministério Público Eleitoral para fiscalizar isso e nem sempre consegue porque há múltiplos caminhos de fraude. Então, existe muito esse comportamento, que é lastimável”, salientou.
Caixa 2
Ribeiro defende, ainda, que a “vaquinha virtual” pode ser “interessante” por ajudar a barrar o uso de caixa 2 (uma contabilidade à parte da oficial) em campanhas eleitorais.
“Seria interessante, porque esse dinheiro arrecadado está lá com a fonte que deu o dinheiro e a destinação, então, é um dinheiro que está bem carimbado. Ele não passa pelo caixa”, alega.
Na fase da pré-campanha eleitoral, o dinheiro não pode ser utilizado, conforme explica Helso, os valores só podem ser usados após as convenções partidárias.
Dessa maneira, se um candidato não for escolhido nas convenções, o valor volta para quem fez a doação.
“Esse sistema gera uma dificuldade, não diria impossibilidade, do uso do caixa 2, que é uma das maiores mazelas envolvendo as eleições brasileiras”, declarou o especialista.
Contraponto
Especialista entrevistada anteriormente pelo Portal AM1 sugere que o financiamento coletivo de campanhas seja “mais interessante” para o país do que os números absurdos dos financiamentos públicos, “em que os partidos fazem o que querem com a verba, sempre desmerecendo candidaturas femininas em prol das masculinas”.
Indagado sobre como avalia essa sugestão, Helso Ribeiro se mostra incrédulo e pondera entre a necessidade de uso dos recursos públicos e privados para “financiar a democracia”.
“Eu costumo dizer que não há panaceia, aquela atitude que vai resolver todos os males que entornam as campanhas políticas no Brasil. Esse sistema [vaquinha virtual] tem algo de interessante, é um sistema muito adotado nos Estados Unidos. Agora, o financiamento público existe em vários lugares, mais uma vez, saliento que o que atrapalha é que os partidos são feudos, e enquanto eles forem feudos, eles são donos”, evidencia.
Segundo o pesquisador, a retirada do financiamento público, como existe hoje, faria com que os donos dos partidos direcionassem os financiamentos coletivos também para seus “apaniguados”, para os “preferidos”.
No entanto, ele concorda com a também pesquisadora sobre o recorte da fotografia masculina, que hoje comanda a política no país.
“A foto dos parlamentos no Brasil é de homens e brancos, você vê poucos negros, indígenas e poucas mulheres também; mas eu, honestamente, não acredito que as candidaturas femininas fossem alavancadas se houvesse apenas esse tipo de financiamento. Eu acredito que a participação e a eleição de mulheres seriam bem mais eficazes se nós tivéssemos, por exemplo, voto em lista, lista alternada, um homem e uma mulher. Só aí, você já colocaria nos parlamentos quase que 50% de cada sexo. Agora, através do financiamento privado de vaquinha, não acredito que vai ser a melhor forma de você aumentar a participação das mulheres nos parlamentos, porque não adianta só você botar mulheres para concorrer, você tem que dar condições. E eu não acredito nesse tipo de milagre”, acentua o cientista político.
Preço da democracia
A respeito de uma proposta de incentivo para campanhas eleitorais que seja eficiente, o pesquisador diz que vai na contramão da opinião da grande maioria da população brasileira “que está enojada dos políticos”.
Ele acredita que o mais democrático é o financiamento público. “Eu vejo que em qualquer lugar do planeta Terra a democracia tem um preço, a democracia custa, para mexer na máquina da democracia, o custo é elevado, principalmente em um país com as dimensões do Brasil. Eu só acho que poderia existir um mecanismo para que esse dinheiro fosse destinado diretamente aos candidatos de forma equânime, o que não existe”, lamenta ele.
Helso Ribeiro sugere que a fiscalização sobre os recursos financeiros para as candidaturas não seja “adequada” – o que faz com que as pessoas, segundo ele, utilizem o uso de “caixa 2”.
“Se você tirar uma foto dos parlamentos, eu falo do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das 5. 600 câmaras municipais, a grande maioria é ocupada, hoje, por quem tem poder aquisitivo ou por quem foi bancado por um grande poder aquisitivo”, acrescenta.
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