Manaus, 27 de abril de 2024
×
Manaus, 27 de abril de 2024

Cidades

Em receita, médico proíbe paciente de usar remédios caseiros

Entre as proibições estão não massagear a lesão, puxar ou pegar, usar copaíba, andiroba, gel, sebo de holanda, óleo elétrico ou mesmo procurar a "macumba"

Em receita, médico proíbe paciente de usar remédios caseiros

Receita timbrada do H. P. S Dr. Platão Araújo utilizada por ortopedistas (Foto: Divulgação)

Foto de uma receita emitida por um médico do Instituto de Ortopedia do Amazonas, que atua no Hospital Pronto Socorro Doutor Platão Araújo, na Zona Leste de Manaus, em que proíbe o paciente não usar nenhum método da medicina natural, tradicional, caseira ou meios anticonvencionais para curar a lesão que não seja a prescrita pelo especialista traz à tona uma velha discussão na comunidade científica sobre a eficácia de remédios naturais em diversas doenças e tratamentos e a fé de quem usa a medicina alternativa. O Amazonas1 conversou com especialistas sobre a polêmica.

A receita era bem clara: proibia o paciente de não massagear a lesão, puxar ou pegar, porém o que chamou mais atenção causando comentários controversos na internet foi a observação, redigida em caixa alta de texto enfatizando de que o paciente não poderia de forma alguma passar; gel, sebo de holanda, andiroba, óleo elétrico, copaíba e banho de cobra, remédios caseiros muito conhecidos e utilizados na região amazônica. Ao final, o médico ainda recomendava que não usasse óleo ungido ou macumba no local lesionado.

Receita timbrada do H. P. S Dr. Platão Araújo utilizada por ortopedistas.

Tradição familiar

Para a autônoma Elaine Américo, essa prescrição iria contra a tradição de sua família, que faz uso da homeopatia, pois além de sua falecida mãe fazer chás naturais, indicando também essas medicações conhecidas da região, ela pegava “desmentiduras” e praticava orações contra quebranto entre outras rezas, comumente procuradas por diversas pessoas.

“Quando eu estava com uns 4 dias pós-parto cesariana, eu caí da escada de madeira da casa da minha mãe, um ponto da minha cirurgia abriu e eu desloquei a minha mão com a queda. A minha cura foi totalmente por indicações da minha mãe, que pediu que eu passasse ‘banho de cobra’ em cima da minha cirurgia, onde a recuperação foi tão boa que hoje em dia eu não tenho nem a marca no local. Já na minha mão, por meio de seus conhecimentos, ela (a mãe) conseguiu desmentir massageando” contou Elaine.

‘Respeito a decisão do meu paciente’

Para o Dr. Paulo Su, ortopedista traumatólogo que atende em sua especialização com medicina convencional, diz respeitar as inúmeras medicinas alternativas existentes, mas ressalta que os pacientes devam tomar bastante cuidados com o uso de auto indicações e até mesmo exageradas.

“Eu como médico sempre respeitei as medicinas alternativas que podem ser de inúmeras formas naturais, o paciente é livre de escolha. Mas quando nos procuram, a gente mantém nossa ética da profissão e prescrevemos e orientamos a medicina convencional e tradicional, embasada cientificamente”, enfatizou o Dr. Paulo não excluindo o uso de medicamentos naturais regionais já utilizados por seus pacientes.

“Eu aprendi observando os meus pacientes que aqueles que usufruem  da medicina alternativa, eu vejo que alguns foram beneficiados com uso desses produtos como: copaíba, andiroba, folhas e manipulações. Eu já recebi presente de paciente como óleo de peixe de boi e óleo de cobra dizendo que era muito bom. Hoje já temos esses itens em lojas homeopatas, naturais ou seja tem um público que utiliza. Eu não prescrevo, mas eu respeito a decisão do meu paciente” completou.

Cuidados

Dr. Paulo Su chama a atenção para os cuidados com as automedicações, algumas vezes até utilizadas de formas exageradas. “A gente orienta o quê; evitar o mau uso, que é importante, o segredo está no bom uso, pois o mau uso traz suas consequências. Pois já tive paciente que voltou ao consultório comentando que usou sebo de cobra e, posteriormente, veio casos de infecções caracterizadas como Piodermite e Piomiosite. E em alguns casos ocorrem pioras inflamatórias.”

“Então o que nós aprendemos com isso? paciente tomar muito cuidado, nós temos o nosso padrão o nosso protocolo, de medicina convencional, por que a gente trabalha muito com referências bibliográficas e científicas com evidências clínicas e científica, sendo a base de nossas orientações, então tomem cuidado e façam o uso de uma forma correta para não trazer complicações ou suas consequências”, alertou o médico.

Conhecimento por dom

O senhor Manoel Marinho de Souza, nascido no município de Nhamundá, distante 375 quilômetros da capital, pega “desmentidura” em pessoas lesionadas que o procuram pedindo ajuda. Ele afirma que realiza esse trabalho há 48 anos, atendendo diferentes casos, usando apenas óleos naturais e sem cobrar valor algum, pois diz ter adquirido esse conhecimento por meio de um dom.

“Até hoje as pessoas que me procuram ficam satisfeitas com o resultado e percebem a melhora em suas lesões. Eu apenas pratico um dom que recebi e sempre fico satisfeito em ajudar o próximo”, declarou seu Manoel.

Conselho de Medicina alerta sobre tratamento ‘empírico’

Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Amazonas (Cremam), o médico José Bernardes Sobrinho explica que normalmente o profissional tem que indicar um tratamento que tenha comprovação científica e o indicado para o paciente é sempre ouvir um médico antes de fazer algum tratamento empírico.

“O certo é primeiro ouvir o médico antes de fazer um tratamento empírico. Por exemplo: se tem uma fratura no braço ou na perna, não adianta você utilizar sebos ou plantas, ela tem que ser imobilizada para poder calcificar, caso não for nada grave no local lesionado diagnosticado com uma devida consulta, não tem problemas de que o paciente se automedique utilizando os placebos conhecidos, pois até psicologicamente a pessoa sente que melhorou”, observou Sobrinho.

Sobre as medicações de heranças regionais citadas na receita no início do texto, o presidente do Cremam comentou que “o tratamento tópico como, óleo de copaíba ou óleo de cobra, não tem problema se no local do uso não tiver nada grave, é livre para o paciente”. “As inúmeras plantas conhecidas ou aquelas popularmente não conhecidas por gerarem medicações, chama a atenção do especialista para um futuro resultado em pesquisas já realizadas”, acrescentou o médico.

Segundo ele, alguns medicamentos regionais naturais têm princípios ativos, mas nem todos tem uma pesquisa precisa. “Eu sei de relatos que nos contam que nas tribos indígenas têm mulheres que tomam chá de um planta para evitar que elas engravidem, ou seja, um anti-concepcional, mas o que falta é uma pesquisa para descobrir qual o real composto desse chá que, supostamente, tem uma ação científica evitando a gravidez. Na nossa floresta tem muitas plantas com efeitos benéficos que precisam ser estudados”, ressaltou.

Susam

O Amazonas1 procurou a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam) e a direção do HPS Platão para comentar sobre a receita polêmica e, em nota, a Susam respondeu:

“A direção do Hospital Pronto-Socorro Platão Araújo informa que este tipo de receituário era uma prática de iniciativa exclusiva dos médicos do Instituto de Traumato Ortopedia do Amazonas, que presta serviço na unidade. Essa gestão, tão logo tomou conhecimento, solicitou o fim da recomendação e o recolhimento dos referidos receituários.”