Manaus, 2 de julho de 2024
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Cenário

Especialista alerta eleitores sobre ‘estelionato religioso’

O cientista político alerta para o fato de uma pessoa mal intencionada se prevalecer da necessidade humana e sequestrar as poucas coisas que essas pessoas têm.

Especialista alerta eleitores sobre ‘estelionato religioso’

Manaus (AM) – O Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que em Manaus há 7.865 igrejas e templos, enquanto o número de escolas somam 1.743, e hospitais e UBSs totalizam 1.056. Em todo o Amazonas, os templos religiosos somam 19.134, enquanto existem somente 7.052 estabelecimentos de ensino e 2.738 unidades de saúde.

Essa foi a primeira vez que o IBGE mapeou essas coordenadas geográficas desse tipo de edificações. Isso significa que, para cada 100 mil habitantes do estado, há cerca de 485 igrejas e templos à escolha do cidadão. Contudo, na Região Norte, quem lidera é o Acre, cuja média nacional são 554 igrejas para cada 100 mil habitantes, seguido de Roraima e Amazonas, ambos com 485 para cada 100 mil.

Na capital amazonense, as zonas Norte e Leste são as que mais possuem igrejas. São 7.865 templos religiosos.

O cientista político e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio Nascimento, destaca que “desde o início da história já tinha registros não escritos, em que a humanidade sempre buscou uma explicação sobre o mundo, sobre a tua existência, sobre as coisas do mundo, a partir de um elemento espiritual, de um elemento mágico, de um elemento divino”.

E que isso se dá para os questionamentos da humanidade. Para explicar, por exemplo, o estrondo de um trovão, um relâmpago. Ou ainda explicar que uma pessoa está saudável ali na frente de todo mundo e de repente ela tem um ataque no coração e morre. As pessoas, desde muito tempo, precisavam explicar os desígnios do mundo a partir de uma explicação mágica, uma explicação divina.

Porém, aliado a isso, há ainda a desigualdade social, na qual ocorrem as maiores contradições existenciais.

“Por exemplo, a gente está em cima da maior bacia de água doce do mundo e debaixo de um céu que precipita o maior volume de águas doces do mundo e as pessoas não têm água na torneira. Como que elas vão buscar explicação para isso? Como que as pessoas vão buscar explicação para uma cidade que produz tanta riqueza e as pessoas não têm comida na mesa? Com tanta indagação, essas pessoas acabam buscando explicações divinas. E aí aparecem as igrejas”, pontua o cientista político.

Para Luiz Antônio, “o sustento que a maioria das pessoas com menos acesso aos serviços básicos acaba tendo é por meio de organizações religiosas. Nestes locais, as pessoas encontram fundamentação, para que elas consigam encontrar sentido de continuar existindo”.

“Você vai encontrar, por exemplo, as sociedades, quanto mais desiguais e quanto mais violentas, por exemplo, quanto mais miséria há, maior é a presença da igreja nesses lugares. Onde tem uma menor desigualdade social, onde tem emprego, onde não tem fome, e tem educação de qualidade, a igreja não se reproduz. Porque as pessoas conseguem encontrar na vida social, na vida ordinária, explicações para as suas existências. Não que elas não tenham fé, não que elas não tenham relações espirituais e religiosas, mas elas não precisam se refugiar desse mundo tão inóspito e tão violento num templo religioso, por exemplo”.

O cientista político alerta para o fato de muitas pessoas praticarem o que ele conceitua como “estelionato religioso”, que é quando uma pessoa mal intencionada se prevalece da necessidade humana de buscar explicação sobre seus desígnios e acaba por buscar amparo na igreja; nessa procura, se depara com um “pastor picareta, mau-caráter para cometer o estelionato religioso, e sequestrar as poucas coisas que essas pessoas têm”.

“Então você tem um sujeito que trabalha 14, 15, 20 horas por dia, e aí, esse sujeito vai buscar entendimento, e um picareta diz para ele dar o dinheiro dele para construir a fé, porque Deus espera que ele dê o dinheiro para que ele encontre a salvação.”

O professor Nascimento adverte que “a maioria desses ‘pastores’ ou uma parte importante deles, em especial dessas igrejas neopentecostais fundamentalistas, mentem e ‘sequestram’, por exemplo, o direito ao voto, que é uma das conquistas mais importantes das pessoas, pois, por meio do voto, o cidadão pode mudar a realidade social dele e de seus familiares.

“Em países como a Suécia, Dinamarca, Finlândia, Japão, você não vai ter essa quantidade de igrejas como você tem nas periferias do restante do mundo, como você tem em Manaus”, destaca o professor da Ufam.

O também cientista político Helso Ribeiro concorda que o crescimento das religiões neopentecostais reflete no dia a dia das pessoas e, consequentemente, na política.

“Muitas vezes, as igrejas entram em um espaço deixado pelo Estado, que falha no acolhimento, não promove lazer ou bem-estar”, pontua. Helso destaca que as igrejas atuam junto às comunidades, o que gera uma relação de confiança.

E é essa relação de confiança que faz com a política ganhe, a exemplo, as bancadas evangélicas.

“É a utilização da fé, já que os trabalhos começam a ser aliados a compromissos políticos. Esse nicho religioso acaba transformando os parlamentos numa espécie de apêndice”, pontua o cientista político.

Bancadas evangélicas

Seja no parlamento federal, estadual ou no municipal, estes têm “representantes do povo cristão”, que, inclusive, utilizam as igrejas para “ganhar os votos que lhe darão o poder”.

Na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, os deputados Felipe Souza (Patriota) e João Luiz (Republicanos) levantam a bandeira da religiosidade.

Mas é na Câmara dos Vereadores de Manaus que a bancada evangélica é dominante.

Podemos elencar o vereador João Carlos (Republicanos); Eduardo Alfaia (Avante); Marcel Alexandre (PL); Joelson Silva (Avante); Raiff Matos (PL) e Roberto Sabino (Republicanos). Todos esses parlamentares são ligados a grandes denominações evangélicas e é na igreja que eles conseguem conquistar os votos que precisam para se eleger.

Ribeiro lembra que a própria Igreja Católica sempre teve privilégios políticos. Mas, com o crescimento dos evangélicos, as casas parlamentares se tornaram um segmento da igreja.

 

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