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Brasil

Governo de MG e Vale assinam acordo de R$ 37 bilhões por desastre em Brumadinho

Acordo prevê reparação sem limites para meio ambiente e programa de transferência da renda, mas não teve participação de sobreviventes

Governo de MG e Vale assinam acordo de R$ 37 bilhões por desastre em Brumadinho

Equipes de resgate na lama de Brumadinho. Foto: reprodução

Depois de cerca de três meses de audiências, que envolveram o governador Romeu Zema (Novo) e o procurador-geral da República, Augusto Aras, a Vale assinou, nesta quinta-feira (4), acordo com o estado de Minas Gerais por reparação pelos danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019.

O valor final é de R$ 37,68 bilhões, quase R$ 20 bilhões abaixo do que havia sido pedido inicialmente pelo estado. O acordo abrange direitos socioeconômicos e socioambientais. Ações individuais e criminais não fazem parte dos valores e seguem tramitando.

Zema ressaltou a agilidade na conclusão do acordo que, segundo seu governo, é o maior de medidas de reparação já firmado na América Latina, em termos financeiros e com partipação do Estado.

“Nós estamos usando essa indenização, essa reparação, para o povo mineiro, não para o caixa do Estado.

Continuaremos sendo um estado com terríveis dificuldades financeiras, mas o povo mineiro é que vai receber o legado”, afirmou.

“Nós pudemos conciliar grandes questões sociais, econômicas, ambientais e, eu diria, sem desprezar a vida daqueles que se foram, para mitigar a dor dos que ficaram, propiciando a reparação dos danos e a recomposição desses bens coletivos”, avaliou Aras.

Em nota, a Vale disse que o acordo sela o compromisso da empresa com a reparação integral dos danos provocados pelo rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão, que matou 272 pessoas em janeiro de 2019 – onze pessoas ainda não foram localizadas. A última atualização na lista de vítimas ocorreu no fim de 2019.

“A Vale está determinada a reparar integralmente e compensar os danos causados pela tragédia de Brumadinho e a contribuir, cada vez mais, para melhoria e desenvolvimento das comunidades em que atuamos”, afirmou o diretor-presidente da mineradora, Eduardo Bartolomeo.

Inicialmente, o Estado pedia R$ 54 bilhões em reparações pelo desastre – R$ 26 bilhões por danos socioeconômicos e R$ 28 bilhões por danos morais e difusos.

Os valores foram calculados por estudos realizados pela Fundação João Pinheiro e pelo Ministério Público de Minas Gerais, respectivamente.

A definição da cifra final emperrou as negociações por várias vezes. A Vale chegou a oferecer pouco mais de R$ 16 bilhões e, em janeiro, subiu para algo em torno de R$ 29 bilhões, enquanto o Estado pedia cerca de R$ 40 bilhões.

O acordo anunciado nesta quinta prevê a transferência de renda à população atingida pelo desastre, no valor de R$ 9,17 bilhões, substituindo o auxílio emergencial pago desde 2019, e investimentos em infraestrutura e serviços públicos não só na região de Brumadinho. Zema afirmou que a partir da próxima semana já terão editais para diversas obras.

Cerca de 30% dos recursos devem beneficiar o município onde ficava a barragem. A prefeitura de Brumadinho, no entanto, não participou das mesas de negociações, apesar de ter pedido judicialmente para ser inserida para acompanhar as tratativas.

O município tem uma lista de demandas que considera importantes de serem atendidas com o valor da reparação, mas não sabe se estarão contempladas no acordo assinado.

O defensor público geral de Minas Gerais, Gério Patrocínio Soares, ressaltou que nestes dois anos foram realizados mais de 9 mil atendimentos individuais e audiências públicas, que permitiram ouvir as necessidades dos atingidos na bacia do rio Paraopeba.

“É um processo judicial. Dentro do processo, o município de Brumadinho não é parte, mas [o processo] trata dos danos para todas as pessoas da área atingida”, explicou o defensor.

Entre os investimentos previstos no acordo, estão R$ 4,7 bilhões em projetos sócio-ambientais na região afetada, como reformas de escolas e postos de saúde, e R$ 6,55 bilhões em reparação de danos ambientais, como obras de saneamento básico e recuperação das áreas destruídas pela lama.

O texto estabelece ainda aportes de R$ 2,05 bilhões em obras de segurança hídrica na região metropolitana de Belo Horizonte e de R$ 4,95 bilhões em mobilidade, distribuídos em projetos como o rodoanel da capital mineira e melhorias do metrô da cidade.

A Vale terá que investir também R$ 4,37 bilhões em hospitais, nos órgãos de segurança e de resposta a emergências de Minas Gerais e em programas de combate a doenças como a dengue.

O governo mineiro se comprometeu a não usar os recursos como fluxo de caixa ou para o pagamento de salários. “O recurso será usado em prol do povo mineiro, não do governo”, afirmou o governador Zema.

Ele havia estabelecido o aniversário de dois anos do desastre, completados no dia 25 de janeiro de 2019, como prazo final para as negociações. Mesmo assim, houve um prazo extra para apresentação de nova proposta da mineradora.

Em frente ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde foi firmado o acordo, manifestantes do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) protestaram contra a mineradora, com faixas que acusavam o acordo de injusto e violador dos direitos dos atingidos.

As assessorias técnicas independentes, contratadas para orientar atingidos no processo de reparação, também não estiveram nas audiências do acordo. O MPF chegou a se ausentar de algumas delas devido à ausência de atingidos, no ano passado.

“A população de Brumadinho, os representados, foram escutados exaustivamente. Mas temos de lembrar que, numa situação como essa, sempre existem pessoas à procura de holofote, que muitas vezes não representam aqueles que foram efetivamente atingidos”, afirmou Zema, respondendo sobre a ausência de atingidos.

Em nota, a Avabrum, associação que representa as famílias de vítimas do desastre, disse não ter sido consultada antes do fechamento do acordo. “Fomos mais uma vez excluídos do processo, cujo dinheiro advém do sangue das nossas joias”, afirmou a entidade.

“Esperamos que o dinheiro desse acordo seja aplicado na reparação, que traga melhorias e bem-estar aos municípios verdadeiramente impactados e que honre a memória dos nossos”, conclui o texto.

“Manifesto-me totalmente indignado com esse acordo”, disse em nota, Vagner Diniz, que teve os dois enteados mortos no desastre.

“O valor da reparação deveria ser aplicado integralmente na reparação sócio-econômica-ambiental das comunidades atingidas. É um absurdo usar o recurso para construir rodoanel, escolas e hospitais. Ainda que meritórias tais obras, elas devem ser feitas com recurso público e não com recursos que pertencem a outros”, segue ele.

No mercado financeiro, por outro lado, o acordo foi bem recebido, já que retira o principal fator de incerteza sobre o desempenho futuro das ações da mineradora. Para o analista Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos, o valor final “corrobora uma negociação positiva para a Vale”.

“Classificamos o acordo positivo para a companhia, que volta a reunir forças de forma uníssona a sua retomada operacional”, disse ele, lembrando que a empresa tem hoje uma “comportada” dívida líquida, que lhe permite garantir os valores acordados com o governo mineiro sem dificuldades.

Em relatório, a agência de classificação de risco S&P Global Ratings lembra que a empresa já havia feito provisões de R$ 17,6 bilhões para o pagamento de custos do desastre e diz acreditar que a forte geração de caixa e o balanço patrimonial da mineradora garantam a cobertura dos custos do acordo.

“Em nossa visão, o acordo ameniza as incertezas sobre a estrutura de capital da Vale e o total de multas e passivos decorrentes do acidente”, diz a S&P, ressaltando que a companhia ainda está exposta a ações judiciais, cujos custos não são claros, mas que não devem representar riscos às projeções de endividamento.

 

(*) Com informações da Folhapress