Manaus, 3 de julho de 2025
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Cidades

‘A vontade de voltar a ser eu’: Mães compartilham a luta por autonomia e educação

Mães que transformam os estudos em ferramenta de superação e conquista profissional.

‘A vontade de voltar a ser eu’: Mães compartilham a luta por autonomia e educação

(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Manaus (AM) – “A vontade de voltar a ser eu novamente me motivou”. A frase é de Amarilda Cruz, 24 anos, graduanda em Administração, que representa um grupo crescente de mulheres que enfrentam o desafio diário de conciliar a maternidade com a busca por um futuro profissional.

Neste Dia das Mães, o Portal AM1 traz histórias de mulheres que encontraram nos estudos um caminho para garantir oportunidades profissionais, enfrentando as exigências do mercado de trabalho moderno enquanto administram as demandas da maternidade.

Aos 22 anos, Amarilda decidiu trancar a faculdade de Turismo para se dedicar à gravidez. Segundo ela, o afastamento também ajudou no processo de autoconhecimento e na busca por uma área com a qual se identificasse. Em 2023, decidiu retomar a vida acadêmica e escolheu preparar-se para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), reorganizando sua rotina para incluir os estudos.

A faísca que reacende a identidade

A escolha de voltar a estudar partiu do desejo de construir um futuro sólido. “A vontade de voltar a ser eu novamente me motivou”, afirmou Amarilda ao Portal AM1.

Com dedicação, ela aproveitava os momentos em que sua filha dormia para estudar. Mesmo diante das dificuldades do primeiro ano de maternidade, considerado um dos períodos mais desafiadores, Amarilda conquistou a aprovação no curso de Administração da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), realização que descreve como uma faísca de esperança.

“Era como se eu precisasse mostrar que, além da mãe, ainda existia a menina que sonhava e tinha objetivos. Estudava sempre que sobrava tempo entre os cochilos da minha filha — e consegui passar para o curso e para a universidade que eu queria. Foi como se uma faísca tivesse acendido novamente dentro de mim”, relatou.

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(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal Amarilda Cruz)

A rotina de Amarilda é marcada por refeições apressadas e noites mal dormidas. O café da manhã costuma ser a única refeição feita com calma. O dia começa ao amanhecer e só termina por volta das 22h30, quando retorna da universidade. Entre trabalho, maternidade e estudos, ela segue determinada.

“Penso que vai valer a pena no fim, porque hoje não é só por mim. Se eu vencer através do estudo, oferecendo à minha filha lazer, segurança, moradia, saúde e educação de qualidade, então nós duas venceremos. Essa é a minha meta, e é o que me faz não desistir”, concluiu.

Mães que aprendem e ensinam

A realidade de Amarilda se repete na vida de outras mulheres que conciliam maternidade e estudos. Eliane Garcia, por exemplo, retomou os estudos aos 41 anos e ingressou no curso de Logística. Concluiu a graduação aos 43, em 2024.

Ela enfrentou desafios diários ao equilibrar a maternidade, os afazeres domésticos e a concentração nos estudos. Decidiu buscar melhorias financeiras por meio do conhecimento na área logística.

Além da motivação financeira, Eliane lidava com um abalo emocional e sentiu necessidade de conviver com outras pessoas para ampliar seu conhecimento e conquistar mais independência no cotidiano.

“Decidi voltar a estudar quando percebi que estava emocionalmente abalada. Senti a necessidade de me aproximar de outras pessoas para ajudar, melhorar e, assim, adquirir conhecimento e informação. Busquei um incentivo para minha vida e melhorias em todos os aspectos”, relatou Eliane.

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(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal Eliane Garcia)

Com a família formada e afastada do ambiente acadêmico, ela precisou conciliar a rotina da casa com o acompanhamento escolar do filho, João Pedro, de dez anos.

“Confesso que não é nada fácil. Já temos uma família, filhos estudando. É muito difícil conciliar os estudos com a responsabilidade de ser mãe, cuidar da casa e acompanhar os filhos na escola — dando atenção e ajudando nas atividades escolares. É bem difícil, mas, graças a Deus, deu tudo certo e consegui concluir o curso 100%”, contou Eliane Garcia.

Durante a faculdade, enfrentou o etarismo como uma das barreiras no ambiente acadêmico. Sentiu olhares de julgamento, especialmente durante as apresentações em grupo.

“No primeiro período, tive certa dificuldade. Eu era uma das mais velhas da turma, cheia de jovens. Percebi olhares, principalmente nas primeiras apresentações de trabalho. Era visível, nítido, aquele julgamento”, relatou.

‘Modo turbo’

Muitas histórias e realidades se cruzam na experiência comum de mães que precisam ser multitarefas para continuar estudando e lidando com a maternidade. Mayara Sena, de 29 anos, vive uma trajetória parecida e, ao mesmo tempo, diferente da de Amarilda e Eliane Garcia.

Aos 23 anos, Mayara concluiu o ensino fundamental por meio do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). No ano seguinte, terminou o ensino médio, também pelo EJA.

Ela percorreu diversas áreas do conhecimento até se identificar com a saúde. Hoje, atua como técnica de enfermagem. Mayara é mãe de dois filhos, de 15 e 13 anos.

“Hoje estou na área da saúde, faço curso técnico de enfermagem, mas já fiz curso de agente de portaria, atendente de farmácia e tentei técnico em secretariado, onde não me encaixei. A área da saúde foi onde encontrei meu lugar. Meu filho mais velho tem 15 anos e o mais novo, 13”, relatou.

Para seguir estudando e cuidar da maternidade, contou com a mãe como principal rede de apoio. Recorreu ao EJA ao perceber que a maioria das vagas de trabalho em Iranduba, onde mora, exigiam ensino médio completo.

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(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal Mayara Sena)

Nesse caminho, enfrentou dificuldades que poderiam justificar a desistência: o percurso até a escola, a rotina cansativa, o desgaste emocional e físico. Mas decidiu se manter firme para alcançar seus objetivos profissionais.

Emocionada, afirma que os filhos são sua principal motivação. Agradece o apoio da mãe e da irmã, que a incentivaram a conquistar seu espaço por meio da educação. Questionada sobre como se vê em cinco anos, respondeu com esperança.

“Me vejo como uma boa profissional da saúde. Foi a área que me escolheu, não o contrário. Pessoalmente, espero ter uma boa estrutura, com melhorias para meus filhos. Tudo o que faço hoje é por eles. O sacrifício ainda é por eles, para oferecer algo melhor”, afirmou Mayara.

“Às vezes penso que não vou dar conta, que devo desistir. Mas lembro: se quero algo melhor, preciso dar o meu melhor.” É o que diz Edilanea Souza, 43 anos, também mãe e estudante que enfrenta a rotina puxada de super-mulheres.

Hoje, cursa Direito como segunda graduação. Já formada em Jornalismo aos 31 anos, retomou os estudos em 2025. Quis iniciar o novo curso antes, mas a pandemia adiou seus planos. Desde 2017, quando concluiu a pós-graduação, estava afastada da sala de aula.

A rotina entre estudos, trabalho e cuidados com os filhos é intensa. O mais velho tem 23 anos; o mais novo, 13, ainda exige atenção constante. Pensamentos de desistência são frequentes, mas ela se lembra de que só ela pode mudar sua realidade — e sonha com uma casa própria e um carro.

“Mentalmente, enfrentamos nossos sabotadores: ‘Você não vai dar conta’, ‘Não tem mais idade’, ‘Não é capaz’. Aí ativamos o modo turbo e dizemos: ‘Posso, sim. Sou capaz, sim. Se não fosse, não estaria aqui.’ Precisamos alimentar a mente com positividade. Também me apoio na fé, que é o que me levanta todos os dias”, afirmou Edilanea.

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(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal Edilanea Souza)

Ela aconselha que mães com o sonho de crescer profissionalmente comecem quanto antes. Cresceu cercada por desafios: alcoolismo, drogas, violência doméstica. Ainda assim, decidiu desde a adolescência que sua vida seria diferente.

Primeira da família com graduação e pós-graduação, Edilanea acredita que não somos, necessariamente, frutos do meio em que vivemos. Para ela, tudo se resume às nossas próprias escolhas.

As histórias dessas mulheres revelam que, apesar dos inúmeros desafios, a maternidade pode ser também um ponto de partida para a reinvenção. Em cada conquista acadêmica, há muito mais do que um diploma — há resistência, superação e esperança renovada.

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