Manaus, 19 de abril de 2024
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Cidades

Mulheres relatam o drama do assédio sexual em transportes de Manaus

Os relatos de importunação sexual dentro de ônibus e carros de aplicativo na capital amazonense alertam para um crime nem sempre denunciado

Mulheres relatam o drama do assédio sexual em transportes de Manaus

ILUSTRAÇÃO Foto: Márcio Silva/Portal AM 1

MANAUS – 16 de dezembro de 2020 seria mais um dia com boas lembranças de Carnaval para a estudante Lorena Adrielly Cordovil dos Santos, 15, mas a data ficou marcada como um triste episódio de importunação sexual ocorrido dentro de um transporte por aplicativo, em Manaus.

”Eu entrei no carro e sentei na frente (eu sempre tinha a mania de ir na frente, mas parei com isso depois do que houve comigo). Após uns 5 minutos ele começou a me falar algumas coisas como: ‘você é muito bonita’, ‘eu casaria com você’, ‘se eu tivesse uma mulher dessas em casa, eu não saía mais de casa”, relembrou.

(Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal)

A situação foi tão desesperadora para a jovem, que na época, tinha apenas 14 anos, que ela decidiu tirar fotos da ação seguinte do motorista e, posteriormente, compartilhou a triste experiência nas redes sociais. Além de passar a mão na perna da Adrielly, o homem ainda ofereceu drogas para ela.

“Desde o início, eu falei que não estava confortável, que eu iria descer, mas ele falou que estava ‘de boa’. Perguntou se eu usava drogas, porque, se eu usasse, ele tinha lá. E quase chegando perto do Bloco Boulevard, ele começou a alisar a minha perna, eu tirava e ele colocava. Então, enquanto ele estava dirigindo e olhando para rua eu peguei o meu celular, fingi que estava teclando e tirei a foto”, relatou.

(Foto: Reprodução/ Instagram)

Depois do ocorrido, Adrielly registrou um Boletim de Ocorrência e também denunciou o motorista para a plataforma de aplicativo 99 e ele acabou sendo banido. Mas, o caso dela foi apenas um, dos mais de 260 casos de importunação sexual registrados pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), em 2020. A importunação sexual é caracterizada pela realização de ato libidinoso na presença de alguém de forma não consensual.

Segundo a titular da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DECCM), Débora Mafra, atualmente o número de denúncias de importunação sexual está estável, mas isso não significa que casos estejam diminuindo, mesmo porque, muitas situações não são denunciadas.

Fora das estatísticas, por exemplo, estão duas situações de assédio sexual sofridas pela estudante Rillyane Célia Moraes, 24. Ela contou que em um dos episódios, estava voltando para casa à noite, após sair da faculdade, e dentro do transporte coletivo, se sentiu ameaçada por um homem.

“Um homem que estava sentado no lugar do cadeirante não parava de me olhar, e eu já comecei a ficar preocupada. Quando o rapaz que estava sentado do meu lado esquerdo levantou do ônibus, ele foi lá sentar do meu lado. Ele estava com um guarda-chuva e ficava fazendo movimentos obscenos. Eu fiquei paralisada, nem mexia minha cabeça, mas com a minha visão periférica eu percebi que ele estava fazendo gestos com a sobrinha como se tivesse se masturbando”, contou.

Rillyane Moraes passou por importunação sexual no transporte coletivo (Foto: Arquivo pessoal)

Rillyane conseguiu se livrar da situação, mas a experiência também ficou marcada em sua memória. “Eu fiquei com medo, porque, na minha cabeça, ele estava armado. No terminal, ele jogou um beijo para mim e gritou, eu fiquei muito trêmula. Como já sofri um abuso, então isso foi um gatilho para mim. Eu não denunciei”, disse.

A outra situação constrangedora que a estudante passou foi com um motorista de aplicativo. “Já aconteceu, no transporte de aplicativo, de eu estar chegando de madrugada em casa, ter saído com os meus amigos e depois de eu descer do carro o motorista ter me chamado e pedir para eu fazer sexo oral nele. Eu só abri a porta rápido de casa e entrei correndo”, relembrou.

Perfil dos importunadores sexuais

Segundo Débora Mafra, a maioria dos importunadores sexuais são homens jovens, com idade entre 20 e 35 anos de idade, que em um primeiro momento agem de forma cativante para atrair as vítimas.

“Eles se adequam ao que uma mulher quer, eles são muito solícitos, educados, palavras elogiosas, daqui a pouco vem a ‘mão boba’, daqui a pouco ele já está ultrapassando as palavras e indo realmente para atos como se masturbar, passar as mãos nas partes intimas da mulher e outras coisas mais, chegando até o estupro”, explicou.

ILUSTRAÇÃO Foto: Márcio Silva/Portal AM 1

A delegada ressaltou, ainda, que diante de situações como as que foram passadas por Adrielly e Rillyane é importante não se calar, mas também deve-se agir com cautela.

“Toda a prova é boa que se for produzida é boa, filme, foto, aúdio. Se tiver é muito melhor. A vítima deve pedir que segurem o agressor para que chamem a polícia militar para que venha até o local ou vá até a delegacia mais próxima”, disse.

Quando a vítima estiver sozinha com o assediador, o cuidado deve ser redobrado. “Tendo segurança, desça desse carro, peça o socorro ali mesmo. Nunca deixe de registrar o BO, saber quem é o motorista, a placa do carro, caso ele não seja pego em flagrante. Porque aquela vítima não foi a primeira, e nem vai ser a última”, orientou.

Traumas 

“O sentimento foi de medo, me senti indefesa porque, querendo ou não, ele era um homem, se ele quisesse me estuprar, teria feito. Senti nojo, porque o cara tinha idade pra [sic]  ser meu pai. Resumindo: foi horrível!”, contou Adrielly.

Apesar de tudo, a jovem afirma que conseguiu superar toda a situação, mas nem sempre é assim. Segundo a psicóloga Raquel Lemos, a assédio sexual pode afetar a mulher por muito tempo, gerando traumas e desencadeando problemas que vão desde alteração de humor até o suicídio.

“A sobrevivente desse tipo de violência passa por vários traumas, fazendo com que ela fique relembrando daquilo várias vezes, então ela pode desencadear insônia, alteração de apetite, alteração de humor. Nos casos mais graves, desencadeia o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, transtorno de ansiedade, até uma tentativa de suicídio. Cada caso é um caso”, disse.

Foto: Márcio Silva/Portal AM 1

Raquel destaca que esses problemas podem ser agravados pela falta de apoio da sociedade, gerando um constrangimento prolongado na vítima: “Infelizmente a nossa cultura é aquela cultura que ainda culpa a vítima. Quando a vítima está com vergonha, ela se esconde, não pede ajuda e sofre calada”.

A psicóloga explicou a importância de ter por perto pessoas que a vítima pode confiar para contar a situação e alerta que o melhor é procurar um profissional, e antes de tudo pedir ajuda. “O que diferencia é a rede de apoio, cada pessoa tem uma rede de apoio. Se ela por exemplo se sente segura de pedir ajuda, se ela sabe que pode contar com a família dela, se ela sabe que vão acreditar. O que a gente sempre orienta é que você tenha uma rede apoio consolidada, que você peça ajuda”, finalizou.

 

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