Manaus, 29 de junho de 2024
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Cidades

No AM, pacientes ainda enfrentam dificuldades para aborto legal

O aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões.

No AM, pacientes ainda enfrentam dificuldades para aborto legal

Aborto legal Brasil (Foto: Arquivo/André Borges/Agência Brasil)

Manaus (AM) – No Amazonas, como em outros estados do Brasil, pacientes que necessitam de acesso ao aborto legal, procedimento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para interrupção de gestação, ainda enfrentam dificuldades, segundo a médica ginecologista Elis Akamy.

No estado, conforme dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram registrados 4 abortos entre os anos de 2022 e 2024. Dessa forma, 1 em 2022, 2 em 2023 e 1 em 2024.

Vale lembrar que o aborto é considerado crime contra a vida humana no Brasil, previsto pelo Código Penal Brasileiro, que leva detenção de um a três anos. Significa dizer que, nos últimos anos, 4 mulheres foram criminalizadas por interromper a gravidez no estado.

Apesar dos embaraços que envolvem o tema, Elis Akamy avalia que o estado tem boas referências quando o assunto é aborto legal. Ela também explica em que situações a interrupção de uma gestação é permitida e quais os casos mais comuns.

“Aqui no nosso estado, a paciente que precisa de acompanhamento, de avaliação de interrupção da gestação, de um aborto legal ainda pode enfrentar algumas dificuldades. Mas nós temos bons centros de referência, como a maternidade Moura Tapajós, onde a paciente é atendida e, diante do quadro de necessidade de aborto legal, ela é internada para fazer uso da medicação para interrupção da gestação. O aborto legal pode ser uma indicação fetal, como, por exemplo, a causa mais comum é a anencefalia, quando o cérebro não desenvolve a calota craniana e com isso o tecido cerebral entra em contato com o líquido amniótico e começa a diminuir, começa a corroer o cérebro, então a criança fica sem cérebro, o que é incompatível com a vida. Há também casos de doenças maternas graves, em que a gestação pode levar a gestante ao óbito, a gente também tem autorização judicial para interrupção da gestação”, diz.

No entanto, a ginecologista destaca que, em situações de violência sexual, o aborto também é permitido. Além disso, especificamente na condição, o sistema público de saúde oferece um protocolo de atendimento à vítima.

“Nesses casos de violência sexual, é feito todo um protocolo desde a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, entre elas, o HIV, o que é extremamente importante. A gente usa os medicamentos antirretrovirais para prevenção da infecção pelo vírus. Já há um protocolo em que é feita uma medicação para evitar gravidez e, caso essa paciente já venha gestante e essa gestação tiver menos de 20 semanas, então, nós podemos fazer a indução do abortamento”, esclarece a  médica.

A plataforma “Mapa Aborto Legal” também detalha em que situações o aborto é legalizado no Brasil. O site relaciona os locais em que mulheres devem ter acesso ao aborto legal. No Amazonas, o Mapa indica alguns hospitais do interior e o Instituto da Mulher Dona Lindu, em Manaus.

Outro ponto a se destacar é que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a descriminalização total do aborto e desaconselha leis e regulamentações que restrinjam seu acesso.

Objeção

Ainda segundo o Mapa Aborto Legal, os hospitais que oferecem serviços de ginecologia e obstetrícia devem disponibilizar equipamento adequado e equipe treinada para realizar abortos nas situações previstas em lei. Entretanto, existem profissionais que podem declarar objeção e se recusar a realizar o ato, caso isso vá contra seus valores; mas eles são obrigados a realizar o procedimento se não houver outro profissional no serviço que possa realizar o atendimento ou ainda nos casos em que a vida da mulher esteja em risco.

Além disso, é importante lembrar que nenhuma instituição médica pode alegar objeção de consciência, essa é uma decisão individual de cada médico. Pelo contrário, a instituição médica deve garantir que haja profissionais para viabilizar esse atendimento.

Clandestinidade

Por se tratar de um procedimento criminalizado no Brasil, as informações sobre aborto são de difícil acesso, segundo levantamento do “Panorama do Aborto no Brasil”. Tal motivo, inclusive, induz muitas mulheres a recorrerem à clandestinidade para realizar o procedimento, sem o acompanhamento do SUS. A ginecologista Elis Akamy comenta que o feito é resultado, entre outras coisas, da falta de educação sexual.

“Nos vemos um número expressivo nos abortos clandestinos e isso está ligado à falta de uma qualidade da educação sexual, os nossos adolescentes têm que entender sobre fertilidade, sobre planejamento familiar. Outro aspecto importante da educação sexual é permitir que o adolescente entenda situações de risco de abuso sexual e, diante de todas essas informações, a gente formar cidadãos com plena consciência do seu direito reprodutivo, de conseguir planejar qual melhor momento para uma gravidez”, afirma.

Segundo a médica, a sociedade resiste em debater o assunto amplamente, principalmente na questão de educação sexual nas escolas.

“Infelizmente nós somos ainda muito antiquados nessa questão de educação sexual e isso reflete no número de abortos, porque muitas vezes, são realizados abortos ainda numa idade muito jovem, numa adolescente, justamente por uma falta de prevenção e isso é um risco, porque quando a paciente se submete a um aborto clandestino, aumenta o número das intercorrências desde infecção, sangramento excessivo e muitas vezes chega até a óbito. Então, isso é realmente a falta de um planejamento reprodutivo. É extremamente importante esse tema, que deveria ser muito mais debatido, melhor abordado nas nossas escolas”, lamenta a profissional.

Números – Brasil

De 2015 a 2022, a média de procedimentos registrados no DataSUS com o diagnóstico CID O04 (Abortos por razões médicas e legais) foi de cerca de 1.800. Esse número de abortos legais realizados por ano é irrisório se comparado às cerca de 25 mil meninas de até 14 anos que, anualmente (em média), têm filhos no Brasil e que, por serem vítimas de estupro de vulnerável, segundo o Código Penal, deveriam ter tido acesso ao aborto legal.

A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) é o principal estudo sobre a magnitude do aborto no Brasil. Dessa maneira, os resultados indicam que o aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões.

 

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