Manaus, 1 de maio de 2024
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Cidades

No Dia Nacional do Orgulho LGBTQIA+, amazonenses contam histórias de luta pela causa

A superação do preconceito social e a conquista de espaço são uma das grandes lutas travadas pelo Movimento LGBT em todo o Brasil

No Dia Nacional do Orgulho LGBTQIA+, amazonenses contam histórias de luta pela causa

Foto: Arquivo pessoal / Melany Marinho / Thayza Rodrigues / Glen Dinely/ Francy Jr

MANAUS – Hoje, 25 de março, é comemorado o Dia Nacional do Orgulho LGBTQIA+. A data é voltada para a conscientização na luta contra a homofobia em todo o Brasil. O movimento LGBTQIA+ apoia os gays, lésbicas, bissexuais e transexuais a ter orgulho da sua orientação sexual. O movimento luta não somente pela conscientização, mas por mais espaço em todas as esferas sociais. No Amazonas, não tem sido diferente das demais estados brasileiros. Pessoas ligadas à causa relatam suas conquistas, superações e lutas travadas diariamente para conseguir respeito e liberdade.

Uma delas é a cantora, Melany Marinho, mulher trans, que disse que todos os seus dias sempre foram de luta, a começar pela formação dentro de sua própria casa. Melany relatou que o tratamento era muito rígido, pois seu pai, já falecido, era marítimo e a cobrava muito. Ela diz que buscou na mãe o apoio para se tornar quem é hoje. Aos quatro anos, Melany conta que surpreendeu sua mãe com a revelação, e que mesmo sendo criança já sabia qual caminho seguir.

“Sou filha de uma simples dona de casa e de um falecido marítimo. Meus pais sempre foram rígidos sobre a educação e os princípios dentro de casa. Eu e meu irmão nascemos em 1990. Quatro anos depois, eu surpreendi minha mãe dizendo que eu não era um menino, disse a cantora.

Inicialmente, Melany contou com o apoio da genitora, mas durante a adolescência dela tudo mudou.

“Sempre tive minha mãe como referência nessa questão de beleza, sutileza e elegância, mas isso tudo acabou mudando. Passei anos da minha vida sofrendo com os desprezos e desrespeitos da minha família. Essas ações me fizeram entrar em crises de depressão. Foi uma época muito ruim para mim, pois muitas mudanças aconteceram de lá pra cá”, disse.

De quem Melany tinha receio e medo, foi de onde veio o conforto. O pai dela passou a dar todo o apoio em um momento de dificuldades no relacionamento com a mãe, que chegou a bater nela por estar maquiada na escola.

“Meu pai era o meu maior receio e medo, pois era muito rígido, mas muito compreensivo também. Lembro de uma cena que a minha me pegou na escola maquiada e me agrediu na frente de todos dizendo que naquele momento eu iria aprender a ser homem na ‘marra’. Isso tudo porque eu também já estava passando pelos meus processos de transição. No quarto, meu pai me pegou no colo e me deu um abraço tão forte e reconfortante que naquele momento pensei que era hora de dar meu primeiro passo para aceitação óbvia. Se meu pai me aceitava, nada me impediria de viver a minha vida”, relembrou Melany.

Melany Marinho iniciou na música aos 17 anos - Foto: Arquivo Pessoal

Carreira

A carreira artística de Melany iniciou aos 17 anos, quando ela resolveu se dedicar à música sertaneja. Ela relatou que viveu vários momentos de preconceito no meio musical.

“Sabia que estava no caminho certo e, aos 17 anos, me dediquei à música, porém acabei sofrendo com muito deboche, negatividade , preconceitos e transfobia no meio musical”, contou.

A cantora também relatou que, durante a pandemia da covid-19, viu seus projetos indo para a “gaveta”. Segundo ela, a situação só não foi pior porque possui um empreendimento com a mãe.

“A pandemia veio para aterrorizar os profissionais da música, principalmente para quem vive dela. A música era não só meu sustento, como a minha fonte de renda e um grande passo para os projetos futuros. Graças a Deus, eu e minha mãe estamos dando conta de uma mercearia simples que temos em casa. Se não fosse isso nós estaríamos passando pela pior fase”, disse Melany.

DJ

Outra pessoa engajada na causa é a vice-presidente da Associação da Parada LGBTQI+ (APOLGBT), Thayza Rodrigues, que, a convite de Bruna La Close (presidente da APOLGBT), aceitou trabalhar na causa e buscar melhorias para o público, principalmente no combate à LGBTfobia.

“Nosso trabalho é baseado nos acontecimentos diários da classe. Recebemos ligações, chamadas e pedidos de socorro de muitos que são violentados e não acham ajuda nas delegacias. Então, nós usamos da influência da associação para amparar e orientar esses indivíduos, além das ações de prevenção e conscientização. Direcionamento para empregos e para cursos também têm sido um dos nossos trabalhos”, declara Thayza.

Ela contou que desde cedo foi criada em um ambiente cheio de “tabus” e que consideravam incorreto uma pessoa se relacionar com outra do mesmo sexo. Por outro lado, Thayza diz que sempre foi aconselhada e respeitada por seus pais e avós.

“Eu, Thayza Rodrigues, desde cedo assim como muitos dos LGBTs fui criada em um ambiente em que, visivelmente, era incorreto gostar de alguém do mesmo sexo. Mas sempre tive a orientação dos meus pais e dos meus avós a respeito disso e, apesar de todos serem religiosos, eles me ensinaram e mostraram que o respeito sempre permaneceria. E permaneceu!”, contou a administradora.

Embora seja administradora de formação, Thayza Rodrigues disse que foi com a realização de eventos LGBTs, e na carreira como disc jockey (DJ), que se aprimorou ainda mais da causa.

“Eu sempre pude me destacar na faculdade com projetos e trabalhos sociais pela causa. Eu segui com meus trabalhos e com minha carreira de DJ, aprimorando muito mais meu trabalho através dos eventos LGBts na cidade”, afirma.

Thayze Rodrigues é vice-presidente da APOLGBT em Manaus e DJ em eventos LGBTs

Thayze Rodrigues é vice-presidente da APOLGBT em Manaus e DJ em eventos LGBTs

Thayse deixou claro que não é um relacionamento com alguém do mesmo sexo que vai definir o caráter da pessoa, mas as atitudes incentivam as pessoas a darem seu melhor pelo que são, não por suas escolhas.

“Assim como me ensinaram que sexualidade não define caráter, me dando mais impulso para que eu fosse alguém melhor e que me marcou muito positivamente, no sentido de mostrar que podemos ser respeitados e ter sucesso independente das escolhas amorosas. Talvez esse seja o grande ponto, dar credibilidade à classe LGBTQIA+ pode ser surpreendentemente bom. Minha bandeira sem dúvida é o orgulho. O orgulho de ser quem sou, ser mulher, ser forte, ser lésbica e acima de tudo ser humana”, comenta a DJ.

Leia mais: Católicos LGBT questionam Papa Francisco sobre não abençoar casamento gay

Designer gráfico e Fotógrafo

O designer gráfico e fotógrafo parintinense, Glen Dinely da Silva também contou sua história ao Portal Amazonas1, e disse que sua transição não foi tão fácil assim. Ele enfrentou desafios na hora de falar com a família e até mesmo na troca do nome nos documentos, por conta da burocracia.

Glen nasceu Glenda, mas ele contou que nunca se sentiu bem e começou a falar com os familiares que iria fazer a transição para o sexo masculino. Ele destacou aos parentes que não seria uma mudança apenas nos documentos, mas que já estava tomando medicamentos para modificar corpo. Ele contou que não fazia mais sentido ser considerada uma pessoa do sexo feminino.

“Eu me senti mais seguro de enfrentar isso porque minha família sempre esteve comigo. Eles não concordam com a minha escolha, mas me respeitam. O respeito deles é minha base e eu respeito a casa em que eu moro com eles. A gente construiu isso, não precisa eles me chamarem de ‘filho’, só espero o respeito deles sempre”, contou Glen.

Sobre os documentos, ele falou que o processo é marcado pela burocracia e morosidade. Entretanto, salientou a importância da troca de todos eles.

“Eu consegui trocar meus documentos, mas encontrei dificuldade pois os Fóruns em Parintins estavam atendendo poucas demandas. Às vezes, não recebia o retorno. Enfim, eu consegui tirar a maior parte deles. Agora preciso trocar meu Registro Geral (RG)”, disse ele.

Glen disse que é estudante de Jornalismo, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) em Parintins, e que não se sentia bem em apresentar um trabalho na faculdade com nome e documentos femininos.

Glen Silva com sua nova certidão de nascimento - Foto: Arquivo Pessoal

Glen Silva com sua nova certidão de nascimento – Foto: Arquivo Pessoal

Glen ver na sua história um motivo a mais para as pessoas que queiram realizar a transição. Segundo ele, a pessoa pode até se sentir insegura, mas é importante enfrentar os medos.

“Quando fiz minha transição foi noticiada aqui em Parintins e isso trouxe forças para outras pessoas se assumirem. Todos os dias recebo mensagens de pessoas que decidiram sair da ‘opressão’ e se assumiram como querem ser. Eu fico feliz em fazer parte da história dessas pessoas”, ressaltou ele, dizendo que tem ajudado outras pessoas como proceder na questão da troca de documentos.

Glen contou que o processo da sua transição é orientado por uma médica especialista em atendimento a pessoas trans. Ele vai completar 30 dias de tratamento e já consegue perceber as mudanças no seu corpo, entre elas: a voz e o crescimento de pelos.

“Eu estou muito feliz porque eu já caminhei um grande trajeto em direção aonde eu quero estar”, finaliza Glen Dinely dizendo que tem vontade de criar projetos para trabalhar na causa, principalmente para àqueles que querem realizar a transição.

Ativista

Francy Júnior também é muito atuante na causa LGBTQIA+ e em outros movimentos sociais, em Manaus. Mulher cis -lésbica, Francy disse que sua trajetória começou ainda na adolescência.

“Minha história se inicia na pré-adolescência, porém esqueço e só na juventude é quando começo a descobrir que os meninos eram apenas amigos. Os meus olhos eram tímidos, porém, seguros e sinceros para as meninas”, disse ela.

A descoberta de que a luta não seria fácil aconteceu ainda na infância, quando ela disse que sentia os olhares diferentes dentro da escola. Porém, só foi anos depois, nesse mesmo ambiente, que ela recebeu apoio de seus professores e começou a compreender melhor o que acontecia com ela.

“Descobri aos sete anos de idade, quando tive que me apresentar na escola e ver os olhos das outras crianças e de algumas pessoas adultas sobre mim. Era notada como diferente. Preta, corria muito, gostava de soltar pipa, jogar bolinha de gude e outras brincadeiras ditas masculinas. Depois, aos 14 anos, conheci professoras, professores que foram me orientando, ajudando a entender tudo que estava acontecendo com meu corpo, meu pensar e essência”, comentou Francy Júnior.

Francy falou que desde a infância sabia que sua luta seria árdua - Foto: divulgação Facebook

Francy falou que desde a infância sabia que sua luta seria árdua – Foto: divulgação Facebook

Francy também contou que o preconceito vai existir sempre, seja na família ou no trabalho, em todas as esferas, mas que é necessário se impor diante das adversidades, pois a sociedade como um todo “é moldada para não aceitar a diferença”.

“Na família sempre tem: é a defesa da comunidade familiar. É assim que acham que irão concertar o que chamam de erros. Como se fosse um erro amar. No trabalho houve alguns, porém sempre consegui me impor, até por quê, sempre vinha o racismo por primeiro, seguido da orientação sexual. A sociedade é moldada para não aceitar a diferença. O modelo de família, de mulher apresentado pela sociedadee pela mídia, não incluí pessoas pretas, LGBTQI+, com deficiência ou de regiões. Estão exclusas as filosofias de vida que não sejam a posta pelo modelo de desenvolvimento de sociedade dominante, sexista, racista, homofóbica e patriarcal”, comenta ela.

Francy é historiadora, atriz e ativista do Movimento de Mulheres e dos Direitos Humanos e falou um pouco do seu trabalho na instituição no combate ao racismo e à LGBTfobia.

“O Movimento de Mulheres Negras da Floresta – Dandara, organização que atuo desde a sua refundação nos anos 2000, desenvolve trabalhos na linha da defesa dos direitos humanos das pessoas/das mulheres. Trabalho de combate ao racismo, lgbtfobia e todas as mazelas sociais. Atuamos na linha da formação, acompanhamento psicossocial, orientação jurídica e em breve na preparação para a caminhada acadêmica”, disse.

Ela também pontuou que isso só vai mudar com a educação libertária e cultural.

“Uma educação que respeite a pluralidade, diversidade, classe, cultura e a cor/etnia do seu povo. Só a educação transforma, melhora a intelectualidade cultural do seu povo. Quando falo de educação, não estou me referindo a educação bancária, mas, uma educação libertária. Uma educação política, uma educação para o bem comum”, finaliza.