Manaus, 26 de abril de 2024
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Manaus, 26 de abril de 2024

Opinião

Carlos Santiago

O homem mau e o homem bom

Por Carlos Santiago*

      Eram dois amigos. Um, até hoje, bastante prestigiado publicamente e com ampla liberdade nos corredores da República; o outro, um simples trabalhador. Duas vidas, caminhos e histórias diferentes. Aliás, como não poderia deixar de ser.
      Nossa primeira personagem nasceu com o genes da maldade e a espalhou quase cotidianamente. Seu nome, Davi. Filho de pai militar e de uma dona de casa, extremamente religiosa, simbolicamente, desde bebê, ele já demonstrava em suas ações que tipo de adulto seria. Como diz o dito popular: quando o espinho tem que furar, já nasce com a ponta. E assim foi. Mordia o bico dos seios de sua mãe depois da mamada e batia na cabeça dos gatos da família com chocalhos. 
    Quando cresceu tornou-se o terror do bairro. Quebrava as lixeiras, tocava as campainhas das casas e depois corria. Usava baladeiras para quebrar vidraças e tomava picolé da boca de criança. Odiava estudar. Para ele, não havia ambiente mais chato e monótono. Antipático por natureza, indisciplinado e incapaz de se comover sequer com os sofrimentos dos pais, ele era totalmente deslocado socialmente.
      No lado oposto da moeda e da vida, encontrava-se Frederico. Gostava de praticar o bem. Filho de professores da rede pública, desde sempre demonstrou que seu caminho seria trilhado pela ética. Cortês com as pessoas próximas, respeitador e defensor dos direitos dos animais e da preservação do meio ambiente, suas ações voltavam-se para o social. Adorava estudar. O conhecimento o fazia bem. Questionador das realidades e das verdades postas, sempre dizia que o desvelar do mundo estava em três perguntas muito simples: o quê? Quando? Como? 
    Na busca de saber cada vez mais, resolveu estudar Filosofia. Após tantas leituras, aquelas três interrogações iniciais transformaram-se em indagações mais complexas: Quem somos? Por que somos assim? Para onde vamos? No plano concreto da vida tornou-se professor. 
     Já adultos, dois fatos mudaram as vidas dos amigos. No caso de Davi, um de cunho religioso. A sua mãe lhe pediu para que levasse a Bíblia Sagrada ao religioso-chefe. Embora, com preguiça foi. Colocou-a debaixo do braço e saiu pelas ruas até chegar à Igreja. Quando ele entrou naquele ambiente de fé, os fiéis ficaram abismados com aquele homem desfilando com o livro sagrado. O líder religioso pediu aplausos do público. Davi ficou espantado com aquele delírio. Subiu ao palco e levantou as mãos com a Bíblia para a gritaria geral.
        Enquanto isso, Frederico passeava com as obras de filósofos. Gostava muito de Nietzsche e resolveu ministrar um curso comunitário sobre os ensinamentos desse pensador. Como era bastante eloquente e de raro saber, inicialmente, teve a participação de um grande público, mas, aos poucos, viu ocorrer um enorme esvaziamento. E o pior: as pessoas que antes o elogiavam e o admiravam, agora, xingava-o de uma forma incompreensível: anticristo, demônio e capeta.
        Davi tornou-se líder religioso e fundou sua própria igreja. É homenageado pelos Poderes da República. É aclamado pelo povo. É conselheiro do maior mandatário. Algumas operações policiais já o envolveram recentemente, mas ele sempre nega tudo. Frederico ficou mais recluso e passa a maior parte do tempo lendo. Ainda trabalha como professor, e para melhorar a renda, faz tradução de obras literárias, quando tem folga, ainda é voluntário num asilo, mas evita sair pelas ruas do bairro, onde é totalmente incompreendido. 
         Ao refletir sobre essas duas vidas tão próximas e tão distintas, lembro a frase de uma música do cantor Raul Seixas: ... há tantos caminhos, tantas portas, mas somente um tem coração...
  • Sociólogo, Analista Político e Advogado.

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