Manaus, 25 de abril de 2024
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Cenário

Parentes de secretários e vereadores de Anamã receberam auxílio-enchente

Mesmo proibido, o pagamento para familiares de servidores públicos vêm acontecendo em Anamã, conforme denúncia encaminhada ao Portal AM1

Parentes de secretários e vereadores de Anamã receberam auxílio-enchente

Foto: reprodução

ANAMÃ/AM- Aproximadamente 2,3 mil cartões do auxílio-enchente 2021 foram distribuídos no município de Anamã até o mês passado. O cartão, no valor de R$ 300 em parcela única, foi criado pelo Governo do Estado do Amazonas para atender famílias carentes atingidas pela cheia e proíbe o pagamento para familiares de servidores públicos. No entanto, parentes de vereadores e secretários da prefeitura administrada por Chico do Belo (PSC), mesmo sem direito, se aproveitaram do programa social.

A própria lista de contemplados divulgada pela Defesa Civil de Anamã mostra os nomes de Alicia Maria da Silva Souza e Aline Silva e Silva que seriam sobrinhas do gerente do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam) em Anamã, Eurico Paulo Barbosa e da irmã dele Zelilde Pinheiro, eleita vereadora do município pelo partido Republicanos nas eleições de 2020.

Anamã

Inclusive, outros supostos parentes de Eurico Barbosa também constam na lista. No caso, Dione Almeida Guedes que seria a esposa dele e Elilce Barbosa, apontada como irmã de Eurico, além da vereadora Zelilde, casada com ‘Zamore’, que atuaria como motorista do prefeito Chico do Belo em Manaus. Logo abaixo, aparece o nome de Elber Macedo Chaves, que seria gestor de uma escola no município.

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Outro nome que figura entre os beneficiários é o de José Eduardo da Silva Pinheiro, que, conforme a denúncia, seria filho da vereadora Zelilde Barbosa. Além dele, a irmã dela e de Eurico, Kece Barbosa da Silva é mais uma da família que ganhou recurso do programa. Ela também seria servidora na Secretaria Municipal de Educação (Semed), em Anamã.

Anamã
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Já o vereador Sarquis Bastos, do PSC, é outro parlamentar de Anamã que teve supostos parentes contemplados pelo auxílio. Entre eles, a própria mãe do político, Telma Barroso da Costa e as irmãs dele, Cirlene Cordeiro Bastos e Sirlange Cordeiro Bastos.

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Ainda segundo a denúncia, até a secretária da Câmara Municipal de Anamã, identificada como Clicia Loureido de Souza conseguiu receber o cartão com R$ 300 reais.
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Nem Madalena Maria Conegundes da Silva, que seria mãe da vereadora Jéssica Conegundes (Republicanos) ficou de fora da lista dos selecionados pelo programa social.

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Jessica, inclusive, é alvo de um processo de inelegibilidade por parentesco com o prefeito de Anamã, Chico do Belo, do PSC. Ela é acusada de possuir união estável com o filho do gestor, o secretário de finanças da cidade, Ruam Bastos. A parlamentar tenta se manter no cargo alegando que é apenas “namorada” do filho do gestor do município.

O próprio Ruam e o prefeito Chico do Belo também foram denunciados pelo promotor por nepotismo na prefeitura.

Leia mais: Após tentar fugir de depoimento, vereadora de Anamã é convocada pelo TRE

Postagens

A suposta ‘cruzeta’ também foi apontada em publicações nas redes sociais, conforme apurou o Portal Amazonas 1. “Conheço vários que estão na lista que não era ‘pra’ receber”, disse uma das internautas.

Outra pessoa ainda reclamou: “Me admiro que eu tenho um filho e meu nome tava na lista pra receber, vim pra Manaus resolver caso de saúde e não ganhei…e as pessoas com condições ganhando e até quem nem mora no Anamã ganhou”.

Anamã
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A reportagem também identificou uma postagem na página oficial no Facebook da Prefeitura de Anamã, a qual confirma que uma das beneficiárias do programa social é servidora pública. Segundo publicação, Kece Barbosa é secretária administrativa e recebeu felicitações pelo aniversário, celebrado naquela data.

Anamã

Decreto

Em maio deste ano, o Governo do Amazonas anunciou que iria pagar o Auxílio Estadual Enchente, por meio do cartão entregue às famílias beneficiadas. Mas para receber o auxílio, seria preciso que o município estivesse em estado de emergência.

Além disso, é necessário atender critérios pré-estabelecidos, que incluíam atender o perfil socioeconômico. Conforme o decreto n.° 43.818, de 06 de maio de 2021, publicado no Diário Oficial do Estado, o beneficiário deverá ser o responsável pela Unidade Familiar (RF), e ter idade igual ou superior a 18 (dezoito) anos.

O beneficiário e sua família devem residir, obrigatoriamente, dentro da área afetada pela inundação, nos limites do correspondente município. Outro trecho do documento prevê que o nome do líder familiar deverá constar no cadastro do auxílio, feito via aplicativo, realizado pela prefeitura do município. Apenas uma pessoa da casa é permitida para cadastro e receber o benefício.

O decreto destaca como obrigatório que será considerado inelegível quem possuir renda familiar mensal de até 02 (dois) salários mínimos; que conste na folha de pagamento do serviço público, em qualquer das esferas (ativos e inativos), com renda superior ao valor estabelecido.

Ou seja, conforme estipulado pelo Governo do Amazonas, os nomes listados acima não atendem todos os critérios para receber o recurso estadual, pois são parentes de funcionários da Prefeitura de Anamã e de vereadores municipais.

Além disso, o documento deixa claro que compete às prefeituras municipais atuar no cadastramento dos beneficiários e apoiar a entrega dos cartões nos moldes fixados no decreto, bem como subsidiar os órgãos estaduais com informações e ações que se façam necessárias.

“A prefeitura municipal que descumprir os critérios fixados para a concessão do benefício aos atingidos fará a devolução integral do valor entregue irregularmente, não obstante as sanções legais cabíveis.”, ressalta o decreto.

Decreto - Anamã
Anamã

Sem denúncia

A Defesa Civil do Estado informou que não recebeu nenhuma denúncia de fraude no cartão do benefício no município de Anamã. No entanto, afirmou que se receber e for constatada fraude, “serão adotadas medidas legais para o cancelamento imediato do benefício, caso não tenha sido usado, ou para devolução do valor recebido.”

Na ocasião, segundo o órgão, foram entregues 2.392 cartões no município de Anamã que chegam à quantia de R$ 717 mil repassados à prefeitura. A cidade foi atingida pela cheia dos rios na região. São cerca de 414 mil pessoas afetadas em todo o estado.

Procurada pela reportagem, a Promotoria de Justiça de Anamã informou que ainda não recebeu denúncias nesse sentido, mas que vai investigar o caso e adotar providências.

A Prefeitura de Anamã também foi procurada por meio do contato (92) 99408-7755 – disponibilizado na página oficial nas redes sociais, a fim de esclarecer sobre o cadastramento dos beneficiários e questionar a respeito da denúncia envolvendo a fraude no auxílio; não houve retorno.

Crimes: falsidade ideológica e estelionato

Consultada pela reportagem, a advogada Denise Coelho lembrou que o Amazonas foi um dos estados brasileiros mais afetados pela pandemia da covid-19 e sofre com os efeitos da cheia histórica na região. Ela explicou que as pessoas que usam o benefício social sem atender todos os critérios pré-estabelecidos estão cometendo “grave crime com pena de prisão”.

“Retornando a perspectiva jurídica acerca dessas condutas a pessoa física que solicitou o benefício sem preencher os requisitos taxativos (obrigatórios), estará fraudando o sistema de benefícios podendo ser enquadrado nos crimes de falsidade ideológica e estelionato, nos casos em que a pessoa falsifica as informações. Pena de um ano a cinco anos de prisão.”

Em relação aos agentes públicos, Coelho destacou que o Ministério Público pode investigar a denúncia de fraude.

“É importante frisar acerca do conhecimento ou não acerca da hipótese dos seus parentes terem praticado a conduta fraudulenta para obter o benefício se era de conhecimento ou não. E, após essa primeira diferenciação, os agentes poderão sofrer investigação requerida pelo Ministério Público para apuração dos fatos, e aí então encaminhar, se for caso para a Justiça”, finalizou.

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