Manaus, 26 de abril de 2024
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Manaus, 26 de abril de 2024

Cidades

FDN faz aliança e volta de chefões pode causar guerra no Amazonas

Os narcotraficantes mais perigosos do Amazonas estavam em presídios federais e foram recebidos na última quinta-feira (16) por agentes da Seap

FDN faz aliança e volta de chefões pode causar guerra no Amazonas

Principais lideranças da FDN (Fotos: Divulgação/Arte AM1)

Em um plano para retomar o controle do tráfico de drogas no Amazonas, atualmente dominada pelo Comando Vermelho (CV), a cúpula da Família do Norte (FDN) iniciou uma aliança com o Terceiro Comando Puro (TCP), facção criminosa surgida no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. A organização foi criada em 2002 para diminuir o poderio do CV.

Com essa união e a transferência dos 15 chefões do alto escalão da terceira maior facção criminosa do país, pode ser encarada como uma oportunidade para eliminar os rivais que assumiram o controle do tráfico em vários bairros da capital amazonense. Por outro lado, uma guerra desenhada, aparentemente inevitável, será um desafio para que o Estado avance no combate às facções.

Os narcotraficantes mais perigosos do Amazonas estavam em presídios federais e foram recebidos na última quinta-feira, 16, por agentes da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap). Acredita-se que a FDN venha realizar retaliação em virtude das mortes em séries no bairro Compensa – na zona Oeste de Manaus – berço da facção.

Vários assassinatos foram registrados no bairro Compensa (Foto: Josemar Antunes/Arquivo)

Por medidas de segurança, a Seap não divulgou os nomes dos detentos transferidos que respondem pelos crimes de tráfico de drogas, formação de quadrilha, latrocínio e homicídio. Eles passaram por cadastro na Central de Recebimento e Triagem (CRT).

Devido à pandemia do novo coronavírus, os custodiados do Amazonas ficarão em isolamento social por 15 dias no Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), no quilômetro 8 da BR-174. A segurança do local foi reforçada.

Apesar do sigilo da identidade dos criminosos, alguns nomes foram citados nas redes sociais, entre eles: Antônio Marcos Pereira, o “Capucho” ou “Marquinho Cabeludo”; Bruno Henrique Assis Bezerra, o “Parazinho”, Denilson Silva Ferreira, o “Sassá da Praça 14” e Thiago Fernando Soriano, vulgo “Thiago Alemão”, que é sobrinho do narcotraficante, “Zé Roberto da Compensa”, e que domina os bairros Redenção e da Paz, na zona Centro-Oeste da capital.

Embora os principais líderes da FDN estejam presos, a população teme que tal medida não garanta o enfraquecimento da facção.

O retorno deles já causa tensão nos presídios do Amazonas e pode levar a um confronto com rebeliões, idênticas às ocorridas em 2017 e 2019, uma verdadeira “guerra”, que resultou em 115 mortes de encarcerados. A maior parte dessas unidades prisionais está dominada por integrantes do CV.

FDN e CV

“Mano G”, “João Branco” (centro) e “Zé Roberto da Compensa” (Fotos: Divulgação)

Em 2007, José Roberto Barbosa Fernandes, o “Zé Roberto da Compensa”, também chamado de “Pertuba”, João Pinto Carioca, conhecido como “João Branco” e Gelson Lima Carnaúba, o “Mano G”, fundaram a FDN que uniu-se ao CV para conter o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Com a união dos grupos criminosos, de forma estruturada, rastros de mortes foram deixados nas ruas de Manaus na disputa pelo controle do tráfico de cocaína e maconha. Os entorpecentes produzidos na Colômbia e Peru eram transportados pelos rios, sobretudo, rio Solimões.

A aproximação da FDN e CV resultou no maior massacre da história no sistema prisional do Amazonas. No dia 1º de janeiro de 2017, uma rebelião violenta terminou com 56 detentos mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), no quilômetro 8, na BR-174.

O motim começou no início da tarde de domingo, durante o horário de visita,  terminando na manhã do dia 2. Na ocasião, 12 agentes da Umanizzare – empresa terceirizada em Gestão Prisional Privada e 74 detentos foram feitos reféns por quase 17 horas.

Durante o conflito, ao menos seis presos foram decapitados. Parte desses corpos foi arremessada por sobre os muros da unidade prisional. Em meio à violenta rebelião, outros quatro presos morreram decapitados na Unidade Prisional do Puraquequara, na zona Leste da capital.

À época, o secretário Sérgio Fontes, da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), atribuiu o motim a brigas entre facções criminosas – PCC, com base em São Paulo e FDN, que contou com apoio do CV.

Segundo as investigações, o PCC estaria “batizando” criminosos amazonenses como forma de aumentar a presença no Amazonas, o que desagradou a cúpula da FDN e ordenou as mortes. O episódio marcou 60 mortes em 24 horas.

Brigas e traições

Apesar da aliança, os membros da FDN não aceitavam ser subordinados a outras lideranças de organização criminosa. Por conta disso, os líderes da facção amazonense descobriram que “Mano G” planejava uma “traição”.

Segundo as investigações apuradas pelo Portal AM1, “Mano G” foi responsável pela a aliança entre FDN e CV, durante sua passagem pela Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Campo Grande, que fica na zona rural da capital do Mato Grosso do Sul (MS).

Com o rompimento, “Mano G”, que já tinha ligações fortes com o CV passou a  ser o homem da facção carioca instalada no Amazonas. Antes, FDN e CV dominavam o tráfico na Amazônia e escoavam a cocaína produzida na Colômbia e Peru pelo rio Solimões. A união era ameaçada pelo PCC, que foi enfraquecida após o massacre nos presídios do estado.

Atualmente, a disputa pelo controle da rota do tráfico de drogas está entre CV e FDN. Todavia nos últimos anos, a facção amazonense ficou fragilizada pela operação “La Muralla” da Polícia Federal, deflagrada em 2015 e também por traições dentro da própria organização.

Racha implica massacre

Rebelião no Compaj deixa 15 detentos mortos (Foto: Josemar Antunes/Arquivo)

Um racha entre Marcelo Frederico Laborda, conhecido como “Marcelinho” e Alan Barbosa Rolim, vulgo “Zaqueu”, respectivamente, cunhado e homem de confiança de “Zé Roberto da Compensa”, resultou no segundo maior massacre do Amazonas. Ao todo, 55 detentos foram mortos.

O ataque ocorreu no dia 26 de maio de 2019 durante horário de visita no Compaj e resultou em 15 mortos. Os parentes dos presos chegaram a presenciar algumas mortes e foram retirados às pressas do local. Por conta da tensão, um grupo de mulheres chegou a bloquear o tráfego de veículos na BR-174.

Mulheres bloquearam o acesso de veículos na BR-174 (Foto: Josemar Antunes/Arquivo)

A rebelião se estendeu para o dia 27, dia em que mais 40 detentos foram mortos por asfixia. As mortes foram registradas no Centro de Detenção Provisória Masculino 1 (CDPM-1), no Ipat e na UPP.

Após controlar a situação, o secretário Louismar Bonates, da SSP-AM, informou, durante uma coletiva de imprensa, que as câmeras internas registraram o motim e as informações foram encaminhadas à Justiça. Os assassinatos ocorreram por conta de uma briga de líderes da facção FDN.

João Branco

O narcotraficante João Pinto Carioca, conhecido como “João Branco”, um dos líderes da FDN, também resolveu sair da sociedade criminosa e passou a liderar um movimento chamando “FDN-Pura” ou “Potência Máxima”. Informações dão conta que ele pretendia comandar sozinho a facção e teria armado um golpe contra “Zé Roberto da Compensa”.

Há rumores de que “João Branco” não teria aceitado o convite do CV. João,  temendo ser assassinado, estaria negociando uma aliança com o PCC. Ele foi condenado a 30 anos e dois meses de prisão pelo assassinato do delegado de Polícia Civil Oscar Cardoso – morto com 20 tiros no dia 9 de março de 2014 – na frente da própria casa, no bairro São Francisco, zona Sul de Manaus.

“João Branco” e “Zé Roberto da Compensa”, aparente em lado opostos, cumprem pena em presídios de segurança máxima de Catanduvas, no Paraná, e em Campo Grande, no Mato Grosso.