Manaus, 23 de abril de 2025
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Cidades

Sistema não favorece representação indígena no parlamento, explica antropólogo

No Amazonas, existem 490,9 mil indígenas, segundo dados do Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Sistema não favorece representação indígena no parlamento, explica antropólogo

(Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)

Manaus (AM) – No Amazonas, existem 490,9 mil indígenas, segundo dados do Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, especialmente em Manaus, a representatividade indígena na política é baixíssima. O cientista político Helso Ribeiro ressalta que não é um “preconceito” do Amazonas com os indígenas, e sim “um preconceito nacional com classes menos favorecidas”.

Raimundo Nonato, cientista político e antropólogo da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), observa que o próprio sistema eleitoral cria obstáculos significativos para a representação política dos povos indígenas, opinião que vai ao encontro com interpretação observada por Helso Ribeiro.

“A primeira delas tem a ver com o sistema eleitoral brasileiro. Ele é um sistema em que a minoria dificilmente alcançará ter uma representatividade dentro do parlamento, principalmente de uma forma geral, numa eleição geral. Se considerarmos as eleições nacionais para deputado estadual, para federal, senador, governador e presidente, essa situação se confirma”, explica.

Para entender essa afirmação em números, o Portal AM1 realizou um levantamento na plataforma DivulgaCand, desenvolvida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Durante as Eleições de 2022, quando concorriam candidatos aos cargos de presidente da República, governador, senador, deputados federais e deputados estaduais, não houve candidatos indígenas eleitos no Amazonas.

Na ocasião, 16 candidatos autodeclarados indígenas tiveram as candidaturas classificadas como aptas e concorriam aos cargos.

(Foto: Reprodução/Divulga Cand – Tribunal Superior Eleitoral)

O cientista político Raimundo Nonato entende que as eleições nacionais apontam uma realidade, porém, quando se trata do âmbito municipal, existe uma reconfiguração. Para Nonato, Tabatinga, Santo Antônio do Içá e São Gabriel da Cachoeira se destacam nesse cenário de eleger figuras políticas de maior representatividade.

“Quando se trata de eleições municipais, há uma reconfiguração com relação a isso. Porque em alguns municípios, os eleitores indígenas são decisivos dentro do mercado eleitoral. Há exemplos na cidade de Tabatinga, onde tem diversos indígenas da etnia Tikuna, inclusive mulheres. Eles conseguem ser uma parcela significativa de quase 40% do parlamento”, analisa.

Por exemplo, no município de São Gabriel da Cachoeira, segundo dados do Censo 2022, 88.6% da população é composta por indígenas. Nas Eleições Municipais de 2020, o município de São Gabriel da Cachoeira elegeu 14 vereadores, um prefeito, Clovis Curubão (PT) e uma vice-prefeita, Eliane Falcão (PT), indígenas.

Apesar do cenário ser mais positivo da perspectiva nos municípios do interior do Estado, alguns deles, embora tenham um percentual elevado de população indígenas no território, o número não reflete na ocupação de cadeiras da Câmara municipal das cidades.

“Tem lugares que há uma população enorme de indígenas,  Autazes com os Mura e Borba com os Mundurucus, mas não conseguem, de alguma forma, ter representante em função das várias dispersões que tem dos indígenas em muitos partidos. Então acaba, de alguma forma, os votos indígenas favorecendo os não indígenas.”, pontua Nonato.

O Portal AM1 fez um levantamento na plataforma Divulga Cand, nas Eleições Municipais de 2016 e 2020, anos que possuem as classificações disponíveis nos filtros de cor e raça; Autazes e Borba não elegeram candidatos indígenas.

 

A mestre em segurança pública, cidadania e direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cíntia Mendonça, destaca que entre os desafios para a consolidação das candidaturas indígenas está o preconceito e a pouca visibilidade.

“Entendo que dentre os inúmeros desafios para as candidaturas indígenas podemos destacar a falta de recursos financeiros, a pouca visibilidade nos meios de comunicação, o preconceito e discriminação, além de uma estrutura política que tradicionalmente favorece candidatos de fora das comunidades indígenas”.

 

Representatividade

O cientista político Raimundo Nonato destacou que “o sistema não favorece com que os povos indígenas tenham representantes dentro do parlamento”. E os indígenas são sub-representados” mesmo ocupando a primeira posição do país em números da população indígena.

O também cientista político Helso Ribeiro enfatiza que a baixa representatividade reflete o preconceito nacional com as classes menos favorecidas.

“O que ocorre com os indígenas aqui no Amazonas não é diferente do que ocorre com o resto do Brasil. Se nós tirarmos um raio-x das 5.600 Câmaras de Vereadores, das 26 assembleias legislativas e do Congresso Nacional, a gente vai ver homem branco. Eu diria que não é um preconceito do Amazonas com os indígenas. É um preconceito nacional com classes menos favorecidas. E aí, você coloca indígenas, quilombolas, negros.”

 

Mudanças

Para mudar o quadro, a advogada Cíntia Mendonça sugere a legislação eleitoral brasileira atual garanta melhorias na questão da representatividade indígena, implementando o sistema de cotas, como já existe para mulheres.

“É essencial a melhoria da legislação atual no que tange à garantia da representatividade indígena. Dentre as melhorias, poderíamos sugerir a criação de cotas para candidatas indígenas e a implementação de medidas para combater a discriminação e garantir um financiamento justo para as campanhas.

Nesse sentido, o antropólogo Raimundo Nonato também indica a questão da presença do fator proporcionalidade como essencial para obter uma inclusão dos povos indígenas na política.

“Existem leis específicas que poderiam ser modificadas para melhorar nessa questão da inclusão dos povos indígenas na política. Para equacionar a questão, teria que criar uma lei específica para a questão municipal. Por exemplo, se tem uma população de 40 mil eleitores indígenas, no universo de 120, um terço das vagas poderiam ser destinadas aos indígenas escolherem as pessoas para o parlamento. Porque não é o eleitor indígena, é o cidadão representante de um povo dentro do parlamento”, defende.

 

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