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Vitória de independentes na Constituinte chilena celebra reformismo

A eleição da nova Assembleia Constituinte chilena foi realizada no sábado (15) e no domingo (16)

Vitória de independentes na Constituinte chilena celebra reformismo

(Foto: Alejandra De Lucca V. / Minsal/ Fotos Públicas)

SANTIAGO, CL – Além de representar uma derrota para os partidos tradicionais e para a gestão do presidente Sebastián Piñera, a eleição da nova Assembleia Constituinte chilena, realizada no sábado (15) e no domingo (16), marcou a ascensão de independentes e de nomes de esquerda e de centro-esquerda, o que deve dar o tom do órgão que reformulará a Carta do país.

O duro revés imposto às legendas de direita não se limitou à composição da assembleia e se estendeu também às disputas de governadores, prefeitos e vereadores -até mesmo em locais importantes que elas dominavam havia décadas. A aliança governista, que concorreu em uma lista única, conseguiu apenas 37 das 155 cadeiras (24%) do órgão constituinte. Já a esquerda, dividida em duas relações, conquistou ao todo 53 assentos (34%), enquanto os independentes elegeram 65 membros (42%).

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O desempenho dos conservadores terá efeito direto na formulação da Constituição, uma vez que, para aprovar a inclusão de uma pauta no documento, é necessário o apoio de dois terços do plenário. Assim, as 37 cadeiras obtidas no órgão não oferecem força suficiente para, sem alianças, barrar propostas que não desejam, como a diluição do sistema de pensões privadas, a aprovação do aborto, a gratuidade da educação superior e a maior autonomia aos povos originários.

“Ganham as pautas transversais, que já pertencem aos que querem reformas. E aí se unem independentes de centro e de esquerda, indígenas e até alguns setores da direita. Por isso, a divisão entre esquerda e direita não explica tão bem o processo. O vencedor desta eleição é o desejo de reforma”, diz à Folha Macarena Venegas, que concorreu de modo independente. Ela, no entanto, não foi eleita.

Acordos

Para o cientista social Octavio Avendaño, da Universidade do Chile, o mecanismo de aprovação via apoio de dois terços da assembleia oferece uma dinâmica de grandes acordos e negociações.

“Quem se propõe a tal processo é quem quer reformar, e não quem quer barrar ideias. Ainda que consensos sejam difíceis, foi uma vitória dos reformistas.”

Andrés Velazco, da London School of Economics, corrobora a posição de Avendaño, porque “quem ganhou espaço são os que têm grandes convicções em mudanças”.

A redação da nova Carta começa em junho e levará até um ano. Depois, haverá novo plebiscito, no qual a população decidirá se aprova ou não a reformulação. Neste meio tempo, o país passará por uma sucessão presidencial que escolherá o substituto de Sebastián Piñera, hoje com 9% de aprovação popular.

Em parte, a insatisfação com o atual líder chileno determinou o fraco desempenho dos partidos alinhados ao governo, já que a administração de Piñera foi marcada pela repressão aos protestos que, entre outras demandas, pediam a elaboração de uma nova Constituição.

O presidente também é criticado por políticas de ajuste fiscal, oposição aos planos de saques de aposentadoria e pela má gestão da pandemia de Covid-19 quando o vírus chegou ao país. Hoje, por outro lado, o Chile é um dos líderes de vacinação no mundo.

Assim, a coalizão Vamos Chile perdeu espaço em praças importantes, como Santiago, Maipú, Valparaíso e Viña del Mar. Já o pré-candidato à Presidência pelo Partido Comunista e atual prefeito de Recoleta, Daniel Jadue, foi reeleito com mais de 60% dos votos, oferecendo uma boa largada na corrida de novembro.

A rejeição a Piñera também apareceu nas declarações de outra pré-candidata de esquerda, Pamela Jiles, do Partido Humanista, que, ao acompanhar o marido na votação neste domingo, xingou o presidente.

Ainda que a proposta de elaborar uma nova Carta tenha surgido nas intensas manifestações de rua que tomaram diversas cidades do país a partir de outubro de 2019, o furor das ruas não se refletiu no comparecimento ao pleito deste final de semana. A baixa participação, de 42,5%, índice inferior ao do plebiscito que autorizou a escolha da composição da Constituinte (50,95%) é vista por especialistas como a diferença entre a raiva de quem pede mudanças e o engajamento num processo político formal.

A cientista social Claudia Heiss Bendersky, por exemplo, argumenta que hoje, no Chile, “não há uma associação direta entre a rua e a urna”. “Saiu às ruas quem não queria mais o atual estado das coisas. Não necessariamente significa que queriam ir votar”, diz ela. “Por outro lado, apesar de ser um comparecimento baixo, [a votação] exigiu muita informação. Os votos refletem informação, gente que leu e refletiu sobre os candidatos, porque não eram escolhas fáceis de fazer entre tantas ofertas.”

Entre as novidades desta eleição, a paridade de gênero, mecanismo instituído para garantir a participação de homens e mulheres na mesma proporção, acabou gerando um efeito curioso. Tradicionalmente menos votadas em outros pleitos, as mulheres receberam, em alguns distritos, mais apoios, e o órgão eleitoral teve de fazer 17 correções de resultados para garantir igualdade -em 13 delas, foi preciso tirar uma candidata eleita para colocar um homem, de acordo com dados do Servel, o serviço eleitoral chileno.

O mesmo ocorreu em relação à cota de 17 assentos dos povos originários, o que favoreceu quatro homens. À Folha, o líder mapuche Adán Cheuquepil chamou a presença de indígenas na assembleia de histórica e celebrou o desgaste dos partidos de direita que “sempre negou os nossos direitos”.

“Não acreditamos que uma cota de indígenas possa mudar nada sozinha, mas entramos com a determinação de usar todos os espaços possíveis, pensando numa mudança a longo prazo do nosso país. Não vamos ter dois terços sozinhos para aprovar nada. Mas estaremos presentes e seremos ouvidos.”

No fim da noite de domingo, Piñera fez um pronunciamento. No Palácio de La Moneda, o presidente disse que o país havia enviado “uma mensagem clara e forte para o governo e para todas as forças políticas tradicionais”. Naquele momento, já frente aos números que indicavam de modo claro a rejeição às suas alianças, o líder chileno admitiu que a administração “não está sintonizada adequadamente com as demandas e desejos da população”. “Sua voz será escutada, porque para isso serve a democracia.”

 

*Com informações da Folhapress