
(Imagem: Wirestock/ Freepik.com)
*Por Ruy Marcelo
A partir do título desta resenha, não imagine algum estereótipo de prefeito pavio-curto e prepotente, de olhos cerrados, esbaforido, após provocação de adversários, contendo-se para não revidar nem perseguir. Nada a ver. Antes fosse apenas isso.
Refere-se a algo bem mais complexo e desafiador na ordem institucional brasileira, consistente na garantia de igualdade entre todos os candidatos, a despeito de o regime jurídico conferir a um (ou alguns) deles a prerrogativa de concorrer no exercício do cargo político sob disputa.
Essa situação – aparentemente paradoxal – requer dos órgãos de controle vigilância máxima para evitar abuso de poder político por parte do candidato que intenta reeleger-se, enquanto a este último se impõe a autocontenção, isto é, o voluntário comedimento e prudência, no período, para não manejar o cargo como instrumento adicional de persuasão do eleitorado.
Tal peleja é iminente, pois, nas eleições deste ano, vários candidatos prefeitos e vereadores permanecerão em exercício durante o processo; fato que, naturalmente, constitui motivo de alerta e atenção especiais, tanto por parte da Justiça Eleitoral quanto do Tribunal de Contas e respectivos Ministérios Públicos Especializados (MPE e MPC).
O assunto está consolidado na Resolução 23.735/2024 – TSE (Tribunal Superior Eleitoral). As hipóteses de abuso de poder político em que pode incidir o candidato à reeleição não se restringem à prática das condutas proibidas aos agentes públicos, capituladas na lei de eleições (Lei 9.504/1997, artigos 73 a 76).
Abrangem, ainda, quaisquer condutas do mandatário no sentido de usar a máquina pública para se promover pessoalmente e influir nas eleições, seja por subterfúgios de fraude à lei, seja por exposição e divulgação institucionais com desvio de finalidade.
Nessa esteira, dúvida não pode haver sobre constituir abuso de poder político a prática de atos expressamente proibidos, tais como ceder bens e espaços públicos em benefício da candidatura; usar materiais e serviços custeados pelos governos ou casas legislativas; ceder ou usar servidor em campanha (e forçá-lo a tanto); usar e distribuir gratuitamente bens e serviços públicos; admitir e demitir servidor; autorizar publicidade institucional de atos dos órgãos municipais (o que não se confunde com a publicação oficial e transparência dos atos administrativos); fazer pronunciamento em cadeia de comunicação; conceder aumento de remuneração de servidor a pretexto de revisão; observadas as exceções previstas.
Não obstante, condutas outras, não especificadas, que buscam dissimular as proibições ou estabelecer, por outros artifícios, a promoção pessoal do agente político, também podem configurar abuso de poder. Assim, a ilicitude pode se caracterizar, por exemplo, em eventos comemorativos, inaugurações, entrevistas oficiais, solenidades, entre outras; uso de cotas parlamentares e até no atendimento exibicionista a calamidades públicas.
Um exemplo da jurisprudência recente. O TSE qualificou como episódio de abuso de poder político e econômico a participação de ex-presidente em desfile alusivo à data comemorativa do bicentenário da independência nacional em 2022.
A conotação eleitoral foi determinada pela evidência de combinação – por circunstâncias de localização, tempo e palavras proferidas –, entre comício do então candidato à reeleição e a festividade oficial, de modo a caracterizar o desvio de finalidade desta última no plano concreto.
(*) Mestre em Direito Ambiental, professor de Direito e procurador de contas
As opiniões e comentários emitidos pelos comentaristas e entrevistados não refletem necessariamente a opinião do Portal AM1.
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