Manaus, 6 de maio de 2024
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Cidades

À beira do inverno amazônico, problemas estruturais fazem Manaus alagar

Com 352 anos completos, Manaus tem problemas estruturais que aparecem em dias de chuva, trazendo terror e prejuízos para os manauaras

À beira do inverno amazônico, problemas estruturais fazem Manaus alagar

Foto: Reprodução

MANAUS, AM – No primeiro mês dos seus 353 anos, a cidade de Manaus passa por uma realidade caótica. Com diversos problemas estruturais, e entrando no inverno amazônico, a capital pode ser comparada, em diversas ocasiões, com a cidade italiana de Veneza. No entanto, em vez de ter canais certos para o tráfego das gôndolas, as águas invadem as próprias avenidas, causando inundações e transtornos para o manauara.

Não são poucas as vezes que, em dias de chuvas fortes, a capital alaga, mesmo na época da seca dos rios e igarapés, causando até mesmo o transbordamento de igarapés e pequenos córregos. A falta de drenagem, de uma rede de esgoto decente e até mesmo o crescimento desordenado, segundo especialistas, são os principais culpados. Não à toa, Manaus é conhecida como “a cidade que não aguenta uma hora de chuva”.

Durante as chuvas fortes que caem sobre a capital, as ruas inundam e a água até entra nas casas. Vídeo: Divulgação

Leia mais: Veja: chuva provoca alagamentos e indica outro inverno de caos em Manaus

Para o arquiteto Jean Faria, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Amazonas (CAU-AM), o que acontece é que a cidade passou por uma situação administrativa onde se deixou a “indústria da invasão” tomar conta. Faria, que é especialista em planejamento urbano, alerta ainda que a estrutura de esgotos e bueiros da capital é antiga, e sem manutenções.

“É preciso que o planejamento seja contínuo e com ajustes ao longo dos anos, mas a falta de cuidado administrativo que se acumula nos deixou essa realidade. A cada ano, fazem-se necessárias limpezas e manutenção, visto o que tem acontecido, com bueiros abrindo em todos os lugares. Se as manutenções e vistorias não acontecerem, certamente isso vai continuar acontecendo”, salienta.

Crescimento desordenado

Manaus teve dois booms de crescimento nos últimos 150 anos. O primeiro foi com o auge do ciclo da borracha, entre os anos de 1890 e 1920. O primeiro período, inclusive, foi de urbanização, com a construção de galerias subterrâneas para que a água não subisse às ruas, principalmente na região da avenida Eduardo Ribeiro, nas proximidades da Matriz. Na época, o Igarapé do Espírito Santo, então um braço do rio Negro, foi aterrado para a construção da então Avenida do Palácio, e as galerias serviam para canalizar a água em uma Manaus que começava a entrar na civilização.

Galerias permanecem abaixo da avenida Eduardo Ribeiro, mas não impedem a subida das águas no período da cheia do rio Negro. Foto: Divulgação/SEC

Nos anos seguintes, o ritmo de crescimento foi menor. No entanto, com a Zona Franca de Manaus, o ritmo de crescimento se intensificou de forma desenfreada a partir dos anos 1970. Nessa esteira, a partir de invasões e de uma expansão forçada para o norte e leste, surgiram bairros como Alvorada, Coroado, São José (década de 1980), Redenção, entre outros.

Enchente de 2021 foi a maior do rio Negro nos últimos 100 anos. Foto: Ruan Souza/Semcom

De acordo com Jean Faria, além da “indústria das invasões”, vários outros fatores colaboram para que a cidade se torne um espaço de alagações. O crescimento desordenado é um deles: “primeiro se invade, depois se põe asfalto sem meio-fio, sarjeta ou drenagem, e só por último se coloca rede de água e esgoto. Esse descompasso de utilização do espaço urbano causa essa fragilidade estrutural”, salienta.

Força da água faz o asfalto ceder em diversos lugares. Foto: Divulgação

Consciência coletiva

Para o arquiteto, a falta de uma consciência coletiva por parte da própria população talvez seja um dos principais problemas. Ele ainda acredita que parte do problema é do setor público e administrativo, que não faz a sua parte corretamente no cuidado da cidade.

“As pessoas não se preocupam com as outras, e eu falo isso porque jogam lixo em qualquer lugar, e esse lixo é arrastado para os igarapés e bueiros, trazendo os alagamentos como consequência. O setor público também tem a sua parcela de culpa, porque não atua há tempos em uma manutenção ou limpeza preventiva no sistema de drenagem. Junta-se aí o crescimento desordenado, as cheias históricas, e a somatória de tudo isso é esse caos que vivenciamos há anos”, explica.

Alagamento das ruas impede até a passagem de carros, e motoristas acabam ficando no prejuízo, como neste caso em Flores, na Zona Centro-Sul de Manaus. Vídeo: Divulgação


Para o arquiteto, a solução passa pela educação, tanto social como ecológica. Além disso, a mudança também passa pelo processo de urbanização de bairros periféricos, manutenção da rede de drenagem e até mesmo a construção das mesmas, uma vez que, segundo ele, boa parte da cidade não tem rede de drenagem.

“O ajuste disso, como eu falei, deve ser realizado e mantido. É longo e caro, mas precisa ser feito de forma contínua pelas administrações que se sucedem mandato após mandato. Mas a população precisa ser envolvida nisso também. A solução passa pela população, pelos profissionais da área e pelos governos em todas as esferas. Mas não adianta um projeto de limpeza e dragagem se a população joga lixo na rua. Não adianta asfaltar se o vizinho vai e rasga o asfalto. Não adianta abrir ruas e não colocar uma sarjeta decente, e por aí vai”, completa.

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