Manaus, 18 de abril de 2024
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Manaus, 18 de abril de 2024

Brasil

Ricardo Salles pode ser afastado do cargo por improbidade administrativa

Para o MPF, ele paralisou fiscalização ambiental e desestruturou políticas da área de maneira dolosa

Ricardo Salles pode ser afastado do cargo por improbidade administrativa

O presidente do Brasil Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles Foto: NurPhoto / Getty Images

O ministro do Meio Ambiente do governo de Bolsonaro, Ricardo Salles virou alvo do Ministério Público Federal (MPF) por improbidade administrativa. Ele é acusado de desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente. Além do afastamento, o órgão pede condenação pelo crime, como a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o poder público e de receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios.

Na ação, assinada por 12 procuradores da República, o MPF, Ricardo Salles promoveu a desestruturação de políticas ambientais e o esvaziamento de preceitos legais para favorecer interesses que não têm qualquer relação com a finalidade da pasta que ocupa.

O processo de desestruturação do sistema de proteção ambiental brasileiro foi realizado por atos, omissões e discursos do acusado, em conduta dolosa – intencional – com o objetivo de fragilizar a atuação estatal na proteção ao meio ambiente.

“É possível identificar, nas medidas adotadas, o alinhamento a um conjunto de atos que atendem, sem qualquer justificativa, a uma lógica totalmente contrária ao dever estatal de implementação dos direitos ambientais, o que se faz bastante explícito, por exemplo, na exoneração de servidores logo após uma fiscalização ambiental bem sucedida em um dos pontos críticos do desmatamento na Amazônia Legal”, diz a ação judicial.

O ministro exonerou, no final de abril de 2020, três coordenadores da fiscalização ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, Olivaldi Azevedo, Renê Oliveira e Hugo Loss. As exonerações ocorreram após ações de fiscalização nas terras indígenas Ituna Itatá, Apyterewa , Trincheira-Bacajá e cachoeira seca, na região de Altamira, onde as equipes do Ibama conseguiram reduzir drasticamente o desmatamento após o aumento, em 2019, que chegou a 754%.

Nas operações, que ocorreram no mês anterior às suas exonerações, os fiscais destruíram cerca de 100 máquinas e equipamentos utilizados por quadrilhas para cometer crimes ambientais, número superior ao de todo ano de 2019. Em vez do reconhecimento pela eficácia do trabalho, perderam os cargos, no que o MPF considera uma evidente retaliação.

A ação judicial do MPF enumera atos, medidas, omissões e declarações de Ricardo Salles que inviabilizaram a proteção ambiental e assim contribuíram decisivamente para a alta do desmatamento e das queimadas, sobretudo na região amazônica. Com as queimadas, em 2019, as florestas brasileiras perderam 318 mil quilômetros quadrados, um recorde histórico.

O desmatamento também vem batendo sucessivamente recordes históricos, desde que o acusado assumiu o ministério do meio ambiente em 2 de janeiro de 2019. Naquele ano, o Brasil sozinho foi responsável por 1/3 da degradação de florestas nativas no mundo.

Os resultados são consequência direta da série de medidas que Ricardo Salles tomou para enfraquecer a proteção ambiental. Com ele no comando da área, o país teve, no mesmo ano das maiores altas do desmatamento, o menor número de multas por crimes ambientais em 20 anos. Ele também foi responsável por reduzir em 25% o orçamento do meio ambiente e por paralisar o Fundo Amazônia, deixando de receber investimentos vultuosos que poderiam estar sendo utilizados para ações de preservação da floresta.

Gastando mais e com menos eficácia

Após praticamente paralisar a fiscalização ambiental e paralisar o Fundo Amazônia, entre agosto e setembro de 2019, o país e o mundo viram os incêndios florestais avançarem de maneira alarmante e, diante da pressão internacional, o governo brasileiro decretou a chamada GLO – Garantia de Lei e Ordem, repassando para as forças armadas a incumbência de combater crimes ambientais e controlar queimadas e desmatamento, através da Operação Brasil Verde, que funcionou durante dois meses no ano passado.

O MPF aponta na ação judicial que, em dois meses, a Operação custou mais de R$ 124 milhões, o que representou aproximadamente R$ 14 milhões a mais do que todo o orçamento anual previsto para ações de comando e controle pelo Ibama no ano de 2019.

“Ressalte-se que tal operação se deu apenas quando a situação das queimadas na região amazônica tomou proporções desmedidas e o fogo ganhou repercussão negativa internacional. Como elas ocorrem no período de seca amazônica, que começa em julho e vai até novembro de todo ano, a desproporcionalidade das queimadas ocorridas em 2019 era consequência previsível e evitável por meio da efetivação escorreita da política ambiental, disciplinada em vários regramentos legais, inclusive em atos próprios e já tecnicamente balizados pelo Ministério do Meio Ambiente, como o PPCDAm – Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia”, diz o MPF.

Ricardo Salles se recusou a aplicar o PPCDAm e por isso, para o MPF, tem responsabilidade direta nas imensas perdas florestais, causando ainda danos aos cofres públicos no processo.

O MPF explica na ação que, ao reduzir o orçamento da área ambiental, Ricardo Salles não fez economia e, ao contrário, provocou gastos muito maiores com a realização da operação das Forças Armadas na Amazôna que, apesar de ter reduzido as queimadas ano passado, não vem conseguindo reduzir o desmatamento.

Para o MPF, também é um ato de improbidade subordinar o Ibama, que é o órgão de estado com capacidade técnica de fazer fiscalização ambiental, às Forças Armadas, a quem tal tarefa não pertence. A GLO foi reeditada em maio desse ano, supostamente para fazer frente a subida constante do desmatamento – em todos os meses de 2020 o desmatamento foi maior do que nos mesmos meses de 2019.

Mas ao analisar os dados posteriores à atuação dos militares, o MPF descobriu que eles não conseguem reduzir o desmatamento como os fiscais do Ibama conseguiram no início do ano, antes da exoneração dos coordenadores da fiscalização. E por um custo muito maior. Enquanto o orçamento do Ibama para todo o ano de 2020 é de R$ 76,8 milhões, dois meses de funcionamento da GLO na Amazônia custa aos cofres públicas R$ 60 milhões.

“O que está em curso, para o caso, como consequência dos atos e omissões de Ricardo Salles, é a implementação de uma política pública custosa e pouco eficaz, causando severos prejuízos aos cofres públicos e em total desacordo com os princípios que regem a Administração Pública Brasileira”, diz a ação judicial.

“Os efeitos da fragilização da estrutura administrativa, são imediatos, como mostram os dados sobre o aumento do desmatamento e o avanço de atividades econômicas ilegais sobre áreas de floresta nativa, incluindo áreas especialmente protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação. A desregulamentação de medidas proibitivas, a desmobilização de servidores e o desmonte da fiscalização consistem em frentes permanentes de fragilização dos órgãos ambientais federais. Em muitos casos, os efeitos podem se tornar irreversíveis”, dizem os procuradores.

A ação tramita na 8ª Vara de Justiça federal, sob o número 1037665-52.2020.4.01.3400

 

 

(*) Com informações da assessoria