Manaus, 13 de maio de 2024
×
Manaus, 13 de maio de 2024

Cultura

Conheça os bailarinos que fazem sucesso dentro e fora do Amazonas

Os bailarinos amazonenses não escondem suas raízes e o quanto elas têm influenciado a forma com que executam sua arte nos palcos pelo mundo afora

Conheça os bailarinos que fazem sucesso dentro e fora do Amazonas

Os dançarinos Wallace Jones, Adriana Goes, Gabriela Lima, Sumaia Farias, Cleia Santos, Victor Venâncio e Gandhi Tabosa (Foto: Reprodução)

MANAUS – Uma opinião é quase unânime entre os dançarinos regionais: os movimentos do bailarino amazônida são diferentes. Embora se diferenciem de seus ancestrais, que dançavam em preparação para a guerra, em celebrações ou em rituais sagrados – os bailarinos amazonenses não escondem suas raízes e quão elas têm influenciado a forma com que executam sua arte.

Desde a inauguração do terceiro grupo constituído de forma profissional pela Secretaria de Cultura, o Corpo de Dança do Amazonas (CDA), em 1998, a dança no estado vem se consolidando e conquistando espaço em festivais nacionais e internacionais, fazendo com que os nomes da nossa região sejam reconhecidos em diversos lugares.

(Foto: Michael Dantas/ Divulgação)

Atualmente o CDA é uma referência em dança contemporânea, com um repertório composto por mais de 60 obras criadas com a colaboração de artistas do Brasil e do exterior, entre elas:  “Mandala” (de Luiz Arrieta), “Another time to breath” (de Ronald Brown), “A Sagração da Primavera” (de Adriana Goes e André Duarte), “Cabanagem” (de Mário Nascimento), “Romeu e Julieta” (de Olaf Schmidt).

Mas, para quem pensa que ingressar na carreira de dançarino é algo fácil, está muito enganado. Na trajetória para consolidar seus trabalhos, muitos profissionais enfrentam dificuldades como o preconceito da sociedade e da família, incertezas e a falta de recursos financeiros para investir no talento.

Contudo, se por  um lado há obstáculos, por outro eles também encontram grande incentivadores que o ajudam a desenvolver sua dança de uma forma tão diferenciada. E é por meio dessa singularidade que novos e veteranos nomes da cena artística do estado têm alcançado sucesso nos palcos pelo mundo afora. Conheça alguns deles:

Wallace Jones

“Eu não escolhi dançar, a dança foi quem me escolheu !”, é com essa frase que o dançarino manauara Wallace Jones, 37, começa a falar sobre a sua trajetória. Atualmente morando na Alemanha, e atuando como solista da National Ballet Luneburg, ele conta que fazia aulas de atuação no Teatro Américo Alvarez, em Manaus, quando a professora e atriz, Amanda Muniz, o incentivou a fazer aulas de dança.

Mais tarde, ele conseguiu ingressar no grupo Balé da Barra onde dançou vários anos até ingressar no CDA. “O CDA foi meu primeiro trabalho profissional e eu tive o privilégio de fazer parte da primeira formação de 1998 sob direção de Joffre Santos e o maítre de balé Ivo Kareagueorguiev, que mais tarde passou a ser dirigida por Ivonice Satie, onde dancei até o ano de 2004 e tive a honra de dançar peças de coreógrafos como Anselmo Zolla, Luiz Arrieta, Paulo Fonseca, Ronald Brown, Henrique Rodovalho, Ivonice Satie e Joffre Santos”, relembrou.

Em seguida, o bailarino começou a trilhar novos caminhos quando ingressou no Balé da Cidade de São Paulo. Dessa vez, ele teve a oportunidade de dançar peças de renomados coreógrafos como Jorge Garcia , Mário Nascimento, Itizik Galili, Ohad Naharin, Gagik Ismaelin e Louise Le Cavalier. Como ele mesmo descreve, uma marco em sua carreira.

(Foto: Arquivo/ Pessoal)

Foi em 2006 que ele se mudou para a Alemanha, para fazer parte da organização teatral Staatstheater Regensburg Ballet Company, sobre direção de Olaf Schmidt. “Eu fico lisonjeado, pois não tive que me submeter a nenhum teste ou audição para dançar na Europa, simplesmente fui convidado a fazer parte da companhia onde dancei todo o repertório como solista até o ano de 2009”, contou.

Mas o bailarino ainda não ficaria na Alemanha, ele ainda recebeu um convite para dançar na Áustria, na Landestheater Linz Company, do coreógrafo Jochen Ulrich. “Tive a honra de dançar na companhia como solista em partes feitas especificamente para mim em balés para repertório da cia por nomes como: Fabrice Jucquois (hoje meu melhor amigo) Guido Markovitz, Peter Bo Bendixen , Darrel Toullon e Katrin Hall”, disse.

De volta a Europa, o bailarino atualmente faz aula, ensaia todos os dias e está no palco pelo menos quatro vezes por semana. O ritmo corrido dos palcos no continente europeu, segundo ele, o ensinou a estar sempre pronto, impecável e a lidar com a alta competitividade na área.

Com todo esse repertório, Wallace Jones busca sempre passar seus conhecimentos na dança por meio de projetos sociais. Durante quatro anos ele participou de ações no Instituto de Assistência a Criança e ao Adolescente (Iacas), desenvolvendo o projeto “Cidadania na Ponta dos Pés”, e atualmente na Alemanha, desenvolve o projeto “TRANSparence Theatre”, com artistas transgêneros que perderam seu lugar nas artes por conta do preconceito.

O bailarino também busca sempre evidenciar suas raízes em seus trabalhos. Recentemente, ele desenvolveu uma coreografia para a segunda temporada da “Sexta que Dança”, no YouTube. Em DNA Índio, ele conta a história do indivíduo que deixou sua terra para  lugar e foi fazer história em outros lugares.

“Porque eu carrego em mim o DNA dos rituais sagrados realizados no acordar da noite! Carrego uma geração, uma história. Eu sou índio! O que quer dizer que essa cultura está entranhada nas minhas danças, no meu ser! Essa é a minha identidade!”, revelou.

Gandhi Tabosa

Embora tenha nascido no Sergipe, o dançarino e coreógrafo Gandhi Tabosa, 31, se considera amazonense, afinal já são mais de 15 anos no estado. “Foi onde eu conquistei meus sonhos, foi onde fiz meu nome, fiz minha carreira artística, levo a bandeira do Amazonas com muito orgulho para todo lugar”, afirma.

Gandhi é idealizador do Gandhicats Project, grupo que trouxe ao Amazonas prêmios nacionais da dança. Ele conta que começou a coreografar em 2009, na companhia de dança La Salle, e a partir de então consolidou sua carreira em todo o país. “A gente começou a viajar para competições a nível nacional e aí eu fui ganhando um grande destaque como coreógrafo no Brasil, e aí fui convidado para coreografar em várias companhias”, relembrou.

Gandhi é idealizador do Gandhicats Project, grupo que trouxe ao Amazonas prêmios nacionais da dança (Foto: Arquivo pessoal)

Mas o início da carreira não foi muito fácil, o dançarino enfrentou alguns obstáculos, como o preconceito da família mas, com o passar do tempo e a evolução na carreira, ele afirma ter conquistado a admiração dos familiares, que hoje são seus maiores fãs.

Foi em 2019 que ele conquistou o primeiro lugar no Festival Internacional de Hip Hop (FIH2), com a coreografia “A janta”, em Curitiba. No mesmo ano, com a coreografia “A última luz”, Gandhi ganhou mais dois prêmios no Festival de Dança de Jonville. “Foi nossa estreia nesse festival, então foi uma responsabilidade muito grande. Além da gente ganhar em primeiro lugar, ganhamos o melhor grupo do festival, que é o prêmio mais almejado”, contou. Entre os trabalhos mais recentes Gandhi, ele coreografou o novo clipe da artista amazonense Lorena Simpson.

O coreógrafo afirma que todo o seu trabalho é permeado pela cultura regional, que ele defende com orgulho. “A cultura do Amazonas no quesito povo, bailarino, ser humano, é muito diferente. A gente (eu falo ‘a gente’ porque já sou amazonense de coração) tem uma essência, um ‘vulco – vulco’, uma parada genial. Toda vez que o Gandhicats vai dançar, o pessoal fala que a gente dança diferente, a gente se mexe diferente”, disse.

Cleia Santos

A manauara Cleia Santos, 23, outra integrante do CDA, mesmo sendo bem jovem, já realizou diversos trabalhos de destaque. Entre eles, está a participação nos festivais “Mova-se”, em Manaus, no FIH2, em Curitiba e no Festival de Dança de Jonville. Nos dois últimos eventos, com o grupo Gandhicats Project, ela trouxe o prêmio para o Amazonas.

Cleia conta que iniciou no mundo da dança por vontade própria, com apenas 8 anos de idade. “Eu mesma pedi pra minha mãe me inscrever no balé quando eu tinha uns 6 anos, mas na companhia de dança que era perto de casa, só ensinava a partir de 8 anos, então esperei até completar 8 e poder me inscrever, e assim iniciei na dança na companhia de dança Ballet da Barra”, contou.

Cleia atua em todos os estilos de dança, do ballet clássico ao hip-hop. (Foto: Arquivo pessoal)

A bailarina relembra que enfrentou algumas dificuldades financeiras para realizar o sonho que hoje é realidade, mas encontrou pessoas no caminho para ajudá-la. Ela cita alguns nomes marcantes em sua trajetória, como sua mentora de dança Edna Marta Marti, e os professores Muriel Gonçalvez e Magda Carvalho. “Acho que a ajuda veio muito mais forte que as dificuldades”, pondera.

Apesar das dificuldades, Cleia destaca que trabalhar com o que ama é muito prazeroso e sua maior inspiração para superar tudo é a própria mãe, que sempre a apoiou e incentivou na profissão.  A bailarina diz também que a cultura regional tem um grande peso em todo o seu trabalho.

“Ela influência a forma de me mover, as questões pautadas nas criações, e tudo que abrange o corpo e seu arredores. Acho que cada vez mais devemos pautar a cultura amazonense nos trabalhos como foco, pois tem muitos coisas para serem exploradas na nossa cultura”, afirmou.

Victor Venâncio

Para o bailarino manauara, Victor Venâncio, 25, a entrada no mundo da dança foi um pouco mais tarde que os demais, porém nem mesmo isso impediu seu sucesso nos palcos. Atualmente ele também integra o CDA e faz parte da equipe do Gandhicats que trouxe os prêmios nacionais para o estado.

“Meu início na dança foi aos 18 anos quando ingressei na faculdade. Foi um pouco difícil porque tive que correr atrás de muita coisa tecnicamente, artisticamente. Nunca tive o privilégio de ter um estufo de dança, arte em si. Tem horas que a gente pensa em desistir, jogar tudo pro alto, mas o amor pela dança fala sempre mais alto”, contou.

Mas o fato de ter começado mais tarde que os demais o impulsionou a buscar o aperfeiçoamento. “O que me inspirou foi ter entrado tarde na dança, porque como eu não sabia muita coisa, busquei ser como as pessoas que eu admirava”, disse.

(Foto: Fabrício Lira/ Divulgação)

Victor Venâncio já passou pela Cia Arte sem Fronteiras, Companhia de Dança do La Salle, Ballet Experimental e atualmente é assistente, bailarino e professor de dança. Entre os trabalhos marcantes do artista está a participação no clipe “Is That For Me”, da cantora Anitta, e os espetáculos “Plutão já foi planeta” e “I love Parazinho – O Sonho de Veveta”, neste último, ele brilhou como  protagonista, com um personagem muito parecido com o próprio artista, cheio de energia na busca por seus sonhos.

Com todo esse sucesso nos palcos, o artista garante que carrega a essência de sua maior inspiração. “O artista amazônico tem muita potência no que faz, tem muita personalidade própria, isso é um diferencial incrível que cada um tem. Ele tem uma força, sabe? um pensamento, um modo de se expressar, seja na música, dança ou como ator, e é extremamente inspirador. A cultura manauara é simplesmente tudo na minha vida, e o que me inspirou foram os artistas locais”, afirmou com orgulho.

Sumaia Farias

Inesperado. Assim a manauara Sumaia Farias, 40,  integrante do CDA há 24 anos, descreve o seu início da dança. Atualmente ela tem um currículo repleto de espetáculos que marcaram a história da dança no Amazonas, como o balé “Rubro da Paixão”, feito especialmente para os dez anos do CDA e o espetáculo “Carnaval em Preto e Branco”.

“Meu início na dança foi bem inesperado. Eu fazia aulas de artes cênicas e quando eu fui estudar no ‘teatrinho’ (Teatro Américo Álvares), em 1996, foi meu primeiro contato com a dança, eu fiz aula com a Amanda Paiva e o Eliezer Rabelo, que fora meus primeiros professores, e depois tive aulas com outros, antes de entrar na Companhia de Dança”, disse.

Sem ter condições de pagar aulas particulares, Sumaia conta que aos 15 anos fazia aulas com quem podia e tinha muito desejo de aprender. E foi essa busca que a fez ter oportunidade de trabalhar em uma pesquisa coreográfica com o francês Patrick Servies e posteriormente a levou para fora do país.

(Foto: Arquivo Pessoal)

“Foram dois meses muito gratificantes. E logo depois que trabalhei com ele, em 2010, eu fui Áustria trabalhar também composição coreográfica e interpretação cênica na dança, com o balé do Teatro Provincial de Lins. Minha dança mudou muito depois dessa experiência”, disse.

A bailarina afirma que a cultura regional é muito forte em sua família que é da terra do boi, Parintins (a 359 quilômetros de Manaus), e assim como os demais colegas não deixa dúvidas sobre o quanto sua terra influencia todo o seu trabalho.

“O bailarino amazônida é muito diferente, no sentido corporal, nós nos mexemos diferente. A nossa visão de força, de resistência, de prazer, isso é muito diferente. A gente já dançou com bailarinos de outras regiões, eu já fiz aula com bailarinos fora do Brasil, então sei que esse mover é muito regional nosso, é muito natural. E isso vem muito do contato que a gente tem com a floresta, com as nossas raízes, como esse chão, com esse ar”, avaliou.

Gabriela Lima

O início da paixão pela dança começou aos 6 anos de idade para a bailarina Gabriela Lima, 25. A manauara conta que as primeiras aulas de dança foram feitas no Liceu de Artes Claúdio Santoro, onde descobriu o que realmente queria seguir na dança.

“A Dança Contemporânea é a minha dança. Por ela, meu corpo fala. É onde consigo me expressar”, revelou.

Também integrante do CDA desde 2014, Gabriela foi a imagem do 7º Festival Amazonas de Dança, em 2017, estampando todos os matéria de divulgação do evento e sendo um exemplo do potencial artístico do estado.

(Foto: Arquivo pessoal/ Divulgação)

Entre os trabalhos de destaque estão os festivais regionais e nacionais. Ela participou de espetáculos promovidos pelo Governo do Amazonas, como o primeiro Concerto de Natal intitulado “Quebra Nozes” (2002), no Centro Cultural dos Povos da Amazônia, e a convite da Santa Bounce Corpo de Performance, companhia de dança urbana de Manaus, participou do 16º FIH2, em Curitiba (PR).

A bailarina também já brilhou nos palcos de Joinville, São Paulo e Puerto Ordaz, na Venezuela. Com toda a trajetória de sucesso, Gabriela conta o segredo que a fez alcançar o reconhecimento.

“Enfrentei dificuldades como todos os artistas sofrem, das pessoas aceitarem que dá para viver de arte. O trabalho é duro, você precisa investir muito e ser fiel ao seu talento, lapidar até ser reconhecido”, finalizou.

Adriana Goes

A paixão pela dança também esteve desde cedo na vida da manaura Adriana Goes, 39. A bailarina que integra o CDA desde 1998, iniciou sua trajetória nos palcos na Academia de Ballet Clássico José Rezende e foi atleta de ginástica rítmica pela seleção amazonense durante seis anos.

“Não tinha noção de que poderia ter a dança como profissão até entrar no CDA, daí todo meu pensamento artístico, político, profissional foi construído ali com os artistas que passaram por lá. Conhecer a dança, a sua história e seus personagens foram o meu maior incentivo, tanto que minha formação no ensino superior foi em dança”, contou.

(Foto: Arquivo pessoal)

Como integrante da primeira formação do CDA, Adriana relata que vivenciou todas as dificuldades da companhia, desde os primeiros passos para consolidar a dança no trabalho no estado.

“O elenco da primeira formação acompanhou de perto as dificuldades em sermos reconhecidos como profissão, a falta de conhecimento em como gerenciar e fomentar o grupo, equipar um espaço realmente adequado, vínculo empregatício, entre outras coisas”, relatou.

Apesar das dificuldades, a bailarina conseguiu crescer tanto quanto o próprio CDA, e de 2006 à 2019  foi professora de técnica de dança clássica, dança contemporânea e assistente de coreografia da companhia. Entre seus trabalhos de destaque está a sua estreia como coreógrafa, no X Festival Amazonas de Ópera, com a coreografia “Sem Palavras”, em que foi coautora da obra, ao lado de André Duarte.

Adriana assinou também outras coreografias como “Mãe Velha”, “Um outro tempo” e “Carmen Suite” para o CDA, além de  “Incômodo” para a Cia de Ideias, na qual também atua como bailarina. Com toda a paixão e trajetória nos palcos ela é mais uma bailarina a confirmar a essência manauara em sua arte.

“Assim como qualquer artista, eu sou impactada, atravessada pelo tempo e espaço que habito. Me sinto na obrigação de ser uma artista que fala sobre minha realidade local mas com uma linguagem que possa ser sem barreiras geográficas”, concluiu.