Manaus, 25 de abril de 2024
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Economia

Crise política afetará arrecadação e ameaça meta fiscal

Crise política afetará arrecadação e ameaça meta fiscal

Se já estava difícil atingir a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões em 2017, agora isso fica ainda mais complicado. (Foto: Divulgação)

A turbulência política provocada pela delação premiada do dono da JBS, Joesley Batista, aumentou o desafio fiscal do governo. Se já estava difícil atingir a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões em 2017, agora isso fica ainda mais complicado. O maior problema deste ano é conseguir a arrecadação necessária para a realização da meta, avaliam técnicos do governo e economistas, já que a crise política pode frear a recuperação da economia e dificultar a obtenção de receitas por meio das concessões.

Ontem, o presidente Michel Temer assinou medida provisória (MP) que cria um programa de parcelamento para empresas com dívidas não tributárias. Segundo integrantes da equipe econômica, a medida deve resultar numa arrecadação extra de R$ 3,5 bilhões, recursos que vão entrar no segundo relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, que será publicado na segunda-feira. Isso deve ajudar o governo a liberar parte dos R$ 42,1 bilhões das despesas que foram contingenciadas no Orçamento de 2017. O novo Refis permitirá que os contribuintes parcelem débitos junto a autarquias, a fundações públicas federais e à Procuradoria-Geral Federal.

Os técnicos da área econômica reconhecem que receitas extraordinárias são cruciais para o cumprimento do compromisso fiscal. Com as concessões, o valor esperado era de quase R$ 11 bilhões. O problema é que as incertezas podem não apenas atrasar os leilões, mas deixar os investidores mais conservadores em relação ao Brasil.

“Fica mais difícil tirar do papel as concessões de rodovias, de hidrelétricas. Os investidores não vão agir sem saber direito como ficarão as regras. Está tudo muito nebuloso. Como serão os parâmetros de juros e câmbio para essas operações? Está tudo de cabeça para baixo no momento”, admitiu um integrante do governo.

A área econômica, no entanto, ainda acha prematuro fazer qualquer avaliação sobre o tamanho do estrago da crise política nas contas públicas. O escândalo da delação da JBS foi revelado pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim, na noite de quarta-feira. De lá para cá, o foco foi acalmar o mercado financeiro e mostrar compromisso com as reformas trabalhista e da Previdência.

Mais recursos para Ministérios

Tanto que o debate sobre o segundo relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, que precisa ser divulgado na próxima segunda-feira, ficou suspenso e só foi retomado na tarde de ontem. Esse é o documento que o governo apresenta para mostrar como será cumprida a meta fiscal do ano. Os números finais devem ser decididos na própria segunda-feira.

Antes mesmo da crise política, o governo já tinha uma frustração de receitas. No primeiro bimestre, a equipe econômica verificou que aumentos de despesas e queda de receitas resultavam em um rombo de nada menos que R$ 58,2 bilhões no Orçamento de 2017. Para cobrir esse buraco, foi feito um contingenciamento de gastos de R$ 42,1 bilhões. Também foi preciso reverter desonerações, como a da folha de pagamento das empresas.

O plano para o segundo bimestre é descontingenciar parte do Orçamento para os ministérios, que estão apertados e com pouco fôlego para fazer investimentos. Segundo um integrante da cúpula do governo, foram feitos vários cenários de liberação de verbas. Mas é possível que, diante da crise, o governo opte por estratégia mais conservadora.

“O governo prometeu para os ministérios que iria descontingenciar um pouco para que essas pastas possam investir e tocar alguns projetos. No entanto, agora é preciso ver qual a margem para fazer isso”, disse um interlocutor da área econômica.

Embora o relatório bimestral só aponte formalmente uma receita de R$ 11 bilhões com concessões no Orçamento deste ano, os integrantes do governo apostavam que o total a ser obtido poderia chegar a R$ 28 bilhões em 2017. Esses valores eram provenientes da realização de leilões de ativos programados para o segundo semestre. Os números foram estimados pelo governo com base no apetite de investidores na economia brasileira, antes das denúncias que fragilizaram o presidente Michel Temer, gerando incertezas sobre os rumos do país. Como esse tipo de investidor precisa de estabilidade, o cronograma das concessões pode ser adiado.

Entre setembro e dezembro, estão programados 17 novos leilões. Entre eles, de cinco geradoras de energia, que podem gerar R$ 11 bilhões; duas rodadas de petróleo e gás, com potencial para arrecadar R$ 10 bilhões; seis distribuidoras de energia, mais R$ 4 bilhões; trecho da ferrovia Norte/Sul, R$ 1,5 bilhão; além da Lotex, da Caixa Econômica Federal, mais R$ 1,5 bilhão.

Analistas: Risco de aumento de impostos

Assim como os técnicos do governo, analistas avaliam que a crise política deflagrada nos últimos dias pode comprometer o cumprimento da meta fiscal. O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCIF), destaca que essa contaminação pode ocorrer, principalmente, por meio de desaceleração da economia, que afetaria a arrecadação:

“Mas essa desaceleração vai depender muito do prazo para a resolução da crise política. Se for resolvida rapidamente, acho que o efeito sobre a atividade econômica tende a ser pequeno”.

Fábio Klein, analista da Tendências Consultoria, já previa que o governo não conseguiria cumprir a meta fiscal de 2017. Ele estima — segundo cálculos feitos antes das revelações dos últimos dias — déficit de R$ 148 bilhões para este ano. Na avaliação dele, no entanto, o maior risco para este ano não é no resultado primário — contabilizado antes do pagamento de juros da dívida —, mas sim no resultado nominal, que inclui o pagamento desses encargos.

“O que muda (para 2017) são outras variáveis, na medida em que pode ter uma conta de juros mais elevada devido à crise política e à reação do mercado financeiro, além do movimento de swap cambial (operação do Banco Central para amenizar a volatilidade do câmbio, que tem custo fiscal)”, diz Klein.

Os dois economistas acham improvável uma revisão de meta fiscal, já que a equipe econômica vem sinalizando que é importante perseguir esse objetivo. Como o espaço para corte de gastos é pequeno, a saída seria aumento de carga tributária. Analistas do mercado destacam ainda que é fundamental obter este ano um resultado fiscal melhor do que o do ano passado, quando o governo central registrou déficit de R$ 154 bilhões. A meta deste ano é de R$ 139 bilhões.

“Achamos que isso (aumento de impostos) sempre esteve no cenário. Ter resultado primário pior do que no ano anterior seria mais negativo que aumentar a carga e cumprir a meta”, avalia Klein.

Appy, do CCIF, também acredita que um aumento de impostos é possível:

“Não descartaria que a parte de ajuste possa ser feita via aumento de receita, usando as que eles têm mais controle, como IOF ou PIS/Cofins sobre combustíveis”.

Fonte: O Globo