Manaus, 28 de abril de 2024
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Brasil

Decreto para redes sociais pode mexer com direitos autorais

Há anos, discute-se uma reforma de direito autoral (a lei é de 1998) que aborde aspectos on-line.

Decreto para redes sociais pode mexer com direitos autorais

SÃO PAULO, SP – Sob o pretexto de dar liberdade de expressão a usuários de redes sociais, membros do governo querem alterar a regulamentação do MCI (Marco Civil da Internet) por meio de decreto e podem, também, atualizar a Lei de Direitos Autorais.

Em live transmitida por um canal conservador há poucos dias, Felipe Carmona Cantera, secretário de direitos autorais e propriedade intelectual, disse que as big techs moderam conteúdo por uma perspectiva que mira a direita e que conteúdos publicados em redes sociais devem ser protegidos pela legislação que trata de direito autoral –então não poderiam ser derrubados por decisão das empresas.

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“Todo mundo ficou sabendo quando o Trump foi banido do Twitter nos EUA. Isso levantou uma coisa estranha. Em janeiro deste ano, o Terça Livre [canal bolsonarista] teve um strike por ter infringido direito autoral”, disse Carmona ao Canal Conservador de Carapicuíba, em vídeo com menos de cem visualizações.

Segundo ele, a moderação de empresas tem “algo ideológico no meio do caminho” e vários políticos e pensadores de direita sofrem muito com a perda de alcance de suas postagens ou com a rotulação de que um conteúdo é duvidoso. “Isso deixou pulga atrás da orelha e começamos a ir para cima”, disse.

Carmona está à frente da secretaria que, segundo minuta do decreto analisado pelo governo para alterar a regulamentação do MCI –um dos últimos atos de Dilma Rousseff (PT) na Presidência–, fiscalizará as big techs. Procurado, não respondeu até a publicação deste texto.

O Terça Livre, canal liderado por Allan dos Santos, investigado por fake news, foi removido no início do ano pelo YouTube, mas a alegação da plataforma não foi infração de direito autoral. Nas advertências, um dos vídeos citava supostas fraudes nas eleições presidenciais nos EUA, o que vai contra a política de integridade da eleição presidencial da plataforma.

A ideia é tornar a secretaria a fiscalizadora dessas práticas. Ele não deixa claro que tipo de alteração o governo pretende fazer na Lei de Direitos Autorais, mas diz que já foi feita a consulta pública para o tema.
O Marco Civil não define a responsabilidade das plataformas de internet em casos de violação e diz que isso deve ser feito em lei, não em decreto.

Há anos discute-se uma reforma de direito autoral (a lei é de 1998) que aborde aspectos online. Há um projeto que vem sendo amadurecido há mais de dez anos. A reportagem apurou que o assunto vem sendo estudado no governo e que um projeto pode vingar pelo Executivo ou por medida provisória.

“Houve consulta pública em 2019, mas as contribuições nunca foram publicadas. Estão mexendo na discussão sobre a responsabilidade das plataformas sobre direitos autorais, sem debate público, e o Marco Civil diz que isso deve ser feito por lei”, diz Mariana Valente, professora do Insper e diretora do InternetLab.

Em linhas gerais, o governo quer minimizar o poder de moderação das redes sociais e determinar que publicações só sejam removidas com decisões judiciais. Hoje, o MCI diz que as plataformas têm obrigação de retirar conteúdo após decisão da Justiça, mas elas podem moderar de acordo com suas políticas.

A minuta tem exceções para violações ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pedidos do próprio usuário ou de terceiros, e casos que configuram alguns crimes.

Em relação ao direito autoral, diz que cabe a terceiro que sentir sua autoria lesada requerer a retirada de conteúdo. Também fala em “contas protegidas por direitos autorais”. Para especialistas, isso é uma saída para blindar a derrubada de contas e canais banidos por discurso de ódio.

“Não existe conta protegida por direito autoral. O que pode ser protegido é o conteúdo da conta”, diz Allan Rocha, diretor do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

“Para proteger a liberdade de criação criativa, de crítica, de polêmica, humor, sátira, todos reflexos da liberdade de expressão, o governo deveria focar em coibir que simples alegações (principalmente as automatizadas) de violação de direitos autorais derrubassem conteúdo legítimo e legal, ainda que use trechos de obras protegidas”, afirma.
Para André Giacchetta, do escritório Pinheiro Neto, “contas protegidas por direitos autorais” é um termo inédito nas discussões sobre regulação de internet no Brasil.

 

*Com informações da Folhapress