Manaus, 24 de maio de 2025
×
Manaus, 24 de maio de 2025

Cenário

Dia das mães: os desafios da maternidade atípica

As políticas públicas ainda são precárias. Há dificuldade ao acesso às escolas, tanto na rede pública quanto na privada. Inclusive, dificultam o acesso, alegando não ter vagas, reclamam as mães das crianças autistas.

Dia das mães: os desafios da maternidade atípica

Manaus (AM) – Priscila Melo, de 29 anos, é mãe de três crianças, Enzo Raphael, de 9 anos, Isaac, de 7 anos, e Liz Sophia de 3 aninhos. Enzo é surdo e tem transtorno de comunicação social. Isaac foi diagnosticado com autismo e toma medicação.

“Eu fiquei sem chão. Eu chorava muito, e fiquei depressiva, é porque a primeira coisa que a gente pensa é: por que na minha família? Por que comigo? Por que com meu filho?”, relembra Priscila assim que soube a condição do filho dela.

Mãe de primeira viagem aos 20 anos, Priscila conta que antes do Enzo, não havia ninguém na família com qualquer tipo de deficiência, e nunca imaginou que o filho dela fosse surdo, diagnóstico que recebeu quando a criança já estava com 2 anos e meio.

“Quando eu descobri, foi um baque muito grande, porque a princípio, todo mundo dizia que ele era autista. Em certa ocasião, quando ele [Enzo] já estava com dois anos e meio, uma amiga da minha irmã falou: ele não é autista, ele é surdo”, conta.

Foi muito difícil, porque eu não aceitava isso para a vida do meu filho. Eu acreditava que meu filho iria ouvir, que iria falar, e eu demorei muito tempo para aceitar. Depois procurei um médico que solicitou diversos exames e constatou. Recebemos o diagnóstico dele que confirmou a surdez bilateral profunda (ambos os ouvidos).

Com três filhos pequenos, Priscila é mãe integral. Ela dedica às 24 horas do dia para cuidar das crianças. Segundo ela, tudo é “muito mais difícil para a pessoa surda, pois a barreira da comunicação reflete ainda no preconceito.

Enzo é matriculado na Escola Estadual Augusto Carneiro dos Santos, que oferece educação especializada e inclusiva para pessoas não-ouvintes. A unidade de ensino é situada na avenida Constantino Nery, bairro São Geraldo, Zona Centro-Sul de Manaus. Priscila reside no Colônia Terra Nova, na zona Norte da cidade, e precisa levantar quando ainda é madrugada para pegar o primeiro ônibus, para que Enzo possa estudar.

O filho do meio, Isaac, é autista. Ele estuda em outra escola, Liz vai para a creche. Então, Priscila precisa pegar o transporte coletivo com os três filhos.

“Eu acordo às 4 horas da manhã, arrumo eles. Deixo o meu filho surdo na escola dele, levo minha filha para escolinha dela, e volto para deixar o outro. São três escolas diferentes. Porque eu não posso colocar meu filho surdo em uma escola de ensino regular”, reclama.

A mãe do menino surdo reclama que nenhuma outra escola é preparada para receber seu filho, ou qualquer outra criança com algum tipo de deficiência. A exceção da Escola Augusto Carneiro, para surdos, e da Escola Municipal de Educação Especial André Vidal de Araújo, da Prefeitura de Manaus, no bairro Nossa Senhora das Graças, zona Sul, preparada para crianças autistas, e outras deficiências, mas que também são distantes da casa dela.

“O ideal é que tivesse uma condução escolar para os meus filhos”. Priscila reclama que falta escola adequada, unidades de saúde e transporte que atentem para as necessidades das pessoas com deficiência.

Ainda falta respeito, diz a mãe que diariamente se depara com pessoas sem nenhuma empatia. “As pessoas nos machucam quando nos olham com desprezo. E todo dia é uma luta diferente. O meu filho senta em uma poltrona no ônibus e, às vezes, alguma pessoa vem exigir que ele se levante e dê o assento”, queixa.

Priscila critica os deputados e vereadores, para ela, os parlamentares precisam olhar com mais atenção as causas das pessoas com deficiência. Segundo ela, assim como Enzo, há muitas outras crianças surdas com quase nenhum apoio com as terapias, fonoterapia e psicoterapia, essenciais para o desenvolvimento deles.

“Eles precisam. E eu acredito que se o Estado olhasse mais para essa gente, para a escola, muita coisa poderia melhorar no desenvolvimento dos nossos filhos. Do meu filho que precisa desenvolver a leitura labial e a questão do comportamento por conta do transtorno. Falta apoio, falta a gente ser assistido pelos políticos, pois quando eles querem voto, eles sabem pedir com carinho, eles sabem vir em nossa comunidade, em nosso bairro e prometem Deus e o mundo. No caso do Isaac, ainda é preciso de medicamentos, que não são disponibilizados pelo SUS”.

Nada é mais poderoso que o amor

Patrícia Oliveira é professora de educação infantil da rede privada. Ela conta que já convivia com crianças autistas em sala de aula, e sempre se dedicou aos alunos com amor. Porém, quando o filho Benjamin, que está com 7 anos, foi diagnosticado com autismo por volta dos 2 aninhos, se sentiu impotente diante da situação.

“Minha primeira reação foi o medo. Medo do futuro, das dificuldades que nós enfrentaríamos, do preconceito. Na época, precisei fazer terapia para aprender a lidar com esse desafio que a vida estava me dando”, relata.

Patrícia, que tem um filho mais velho, e uma certa experiência com crianças devido à profissão, percebeu que Benjamim estava com atraso na fala, tinha dificuldade de contato visual e pouco respondia aos estímulos.

“Quando meu filho completou 2 anos de idade, comecei a perceber alguns sinais, e que seu desenvolvimento não estava dentro do esperado para sua idade. Então decidi levá-lo a uma neuropediatra, que solicitou exames investigativos, e minhas suspeitas se confirmaram. Mas, nada é mais poderoso na vida do meu filho que o amor que tenho por ele. Não é fácil, mas ainda que haja 99% de incertezas, me agarro ao 1% de chance”.

Patrícia relata que como mãe atípica, tem a sensação de ser invisível na sociedade. “O estado diz que oferece condições, no entanto, essa é uma luta que muitas mães enfrentam sozinhas. Até existem alguns programas e benefícios para as crianças, porém as dificuldades para se conseguir ter acesso a algum benefício, são como muralhas, quase impossíveis”.

Ela também reclama que o Estado não fornece apoio emocional e psicológico.

Para Patrícia, as políticas públicas ainda são bem precárias. Há dificuldade ao acesso às escolas, tanto na rede pública quanto na privada. Inclusive ela conta que muitas escolas da rede privada dificultam o acesso, alegando não ter vagas.

Ela também reclama que faltam profissionais preparados para essa realidade. E ainda existe a falta de informações para o corpo discente, com mais palestras e eventos informativos.

(Fotos: Acervo de família)

Assim como também há falta de acompanhamento de mediadores, interventores e, até mesmo, algumas escolas tentam barrar a entrada de profissionais que acompanham o desenvolvimento nas terapias, revela Patrícia.

Outra queixa da mãe da criança autista é quanto ao serviço prestado na saúde pública, que é escassa quanto ao acesso aos profissionais que dão laudos, extremamente importante. A dificuldade esbarra também na oferta de terapias na rede pública. E mesmo na rede particular, há carência de terapeuta ocupacional (TO).

Patrícia diz que assim como ela, há outras mães, que se tornaram amigas dela, que vivem a mesma dificuldade.

“Nossa luta é por direitos, inclusão. Não se trata somente de abrir portas, e sim, acolher os nossos filhos em todos os ambientes, dando a eles os mesmos direitos que qualquer criança típica tem”.

Patrícia destaca que o processo de inclusão inclui também os pais, e os demais familiares, fundamental na inclusão. “Educação sempre será responsabilidade dos pais”, pontua, ao destacar o número alarmante, visto esses últimos meses, de crianças sendo agredidas em salas de aula, crianças que perderam a vida pelas mãos de outras crianças. Nossos filhos são reflexo do que nós somos, do que nós lhe ensinamos, do que permitimos”.

 

LEIA MAIS: