Manaus, 29 de março de 2024
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Cenário

Escândalos podem ‘forçar’ reforma administrativa logo no primeiro ano da gestão de David Almeida

Em apenas seis meses, secretários de David protagonizaram escândalos que vão desde 'furar' filas da vacinação até comprar cimento superfaturado

Escândalos podem ‘forçar’ reforma administrativa logo no primeiro ano da gestão de David Almeida

Semcom e Seminf, comandadas por Emerson Quaresma e Marcos Rotta, têm apresentado os maiores problemas. Foto: Osmar Neto/Seminf

MANAUS, AM – Em apenas seis meses de mandato, a gestão de David Almeida (Avante) já coleciona diversos escândalos e atentados contra o poder público. De contratos superfaturados e irregulares até mesmo permissão para furar a fila da vacinação, os secretários municipais de Manaus já protagonizaram diversos escândalos que mancharam a reputação da Prefeitura de Manaus.

Os escândalos da gestão de David não têm sido poucos e vários deles começaram ainda nos primeiros dias do mandato. Outros envolveram até mesmo vereadores da Câmara Municipal de Manaus (CMM), que protagonizaram casos de favorecimento de autoridades municipais, como um claro reflexo da velha política que ainda permeia o poder público.

Cada vez mais, os escândalos desgastam a imagem do prefeito, que se apresentou como um ícone de moralidade e ética na política. Nos bastidores, fontes ligadas ao Amazonas1 informaram que David já pensa em fazer uma mini reforma em seu governo e pretende substituir os “problemáticos” antes mesmo de completar o primeiro ano de mandato.

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Nomeações de ex-vereadores

Assim que assumiu como prefeito de Manaus, David Almeida, decretou estado de emergência por 180 dias por conta do avanço da covid-19 na cidade. Vale destacar que o decreto autoriza, entre outras medidas, a contratação com dispensa de licitação de serviços e aquisição de bens e materiais.

No dia 15 de janeiro, David assinou a nomeação de grande parte dos servidores comissionados da Manauscult. Entre eles, o assessor técnico Marisson Roger, vereador de curto mandato na legislatura 2016-2020 na CMM. Roger assumiu o mandato ainda em 2020, na vaga de Ronaldo Tabosa. Ele chegou a tentar a reeleição em 2020, mas não conseguiu.

Voltando para as nomeações controversas, no dia 20 de janeiro, o prefeito escolheu os ex-vereadores Carlos Portta, Reizo Castelo Branco, Elias Emanuel e Fabrício Lima para cargos de diretoria na Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult), comandada por Alonso Oliveira, e na Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc), de Jane Mara Moraes.

Reizo e Elias, colegas de Alonso na Câmara Municipal, foram nomeados diretores dos departamentos de Difusão Cultural e Grandes Eventos, respectivamente. Já Carlos Portta foi nomeado como gerente do Café Teatro, e Fabrício Lima foi nomeado para ocupar a função de diretor de Área de Políticas Setoriais.

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No entanto, “o tiro saiu pela culatra”. A população reagiu de forma negativa à nomeação de Reizo, Elias e Portta, e David exonerou o trio dois dias depois, em 22 de janeiro. Já Fabrício Lima permanece na função na Semasc, assim como Marisson Roger.

Os ‘fura-filas’ da vacina

Um dos primeiros escândalos que mais chamaram a atenção, inclusive da mídia nacional, foi sobre os “fura-filas” da vacinação. Com a expansão da segunda onda da covid-19 em Manaus logo no início do ano, o Ministério da Saúde colocou a capital amazonense como a primeira cidade do Brasil a receber a vacinação contra a doença.

A imunização começou em 19 de janeiro e deveria iniciar pelos trabalhadores da linha de frente da saúde e por idosos de 85 a 90 anos. No entanto, alguns dos primeiros vacinados não se enquadram nos requisitos. Foram os secretários Shádia Fraxe (Saúde), Sabá Reis (Limpeza Pública) e Jane Mara Moraes (Mulher, Assistência Social e Cidadania). Além dos secretários, outros três assessores receberam o imunizante também no dia 19.

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Shádia Fraxe, Sabá Reis e Jane Mara Moraes furaram a fila da vacinação. Foto: Reprodução

Junto aos secretários e assessores, médicos recém-formados também receberam o imunizante: as irmãs Isabelle e Gabrielle Kirk Maddy Lins, nomeadas nos dias 18 e 19 de janeiro, e o médico David Louis Dallas, filho do ex-deputado estadual Wanderley Dallas, que também foi nomeado no dia 19 de janeiro. O trio, junto a outros sete médicos, recebeu a primeira dose do imunizante em 19 de janeiro, na UBS Nilton Lins.

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Isabelle, Gabrielle e David teriam sido contratados para o cargo de gerente de projetos, com a contratação intermediada pelo subsecretário municipal de Saúde, Djalma Coelho, com um salário de R$ 9 mil, sendo que o salário de um médico municipal é de R$ 6,5 mil.

Irmãs Lins foram vacinadas no dia 19 de janeiro. Fotos: Reprodução

Com todos os problemas, o MP chegou a pedir a prisão e o afastamento de David Almeida e Shádia Fraxe ainda em fevereiro. O processo chegou a seguir para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu que a competência para julgar o caso é do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), onde o processo está em andamento.

Contratos superfaturados na infraestrutura e na comunicação

Na gestão de David, o atual secretário da Comunicação, Emerson Quaresma, renovou contratos de publicidade milionários com as empresas 7 Comunicação e Serviços Empresariais, do empresário Antônio Barros Júnior, e Agência de Interatividade e Marketing, pertencente ao publicitário Durango Duarte.

Com a 7 Comunicação, o aditivo assinado no dia 2 fevereiro ficou no valor de R$ 2.556.000, para prestar “serviços de vídeo release” até fevereiro de 2022. Já com a empresa de Durango, o aditivo do contrato ficou em R$ 14,2 milhões, com duração até 1° de março de 2022. Esta prorrogação foi assinada no dia 26 de fevereiro.

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Durango Duarte, cabe lembrar, criticou a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam) em entrevista, e após grande polêmica, devolveu à Aleam o título de Cidadão do Amazonas, concedido pela casa legislativa.

Emerson Quaresma, secretário de Comunicação de David Almeida
Emerson Quaresma, secretário de Comunicação de David Almeida. Foto: Mário Oliveira/Semcom

Outra empresa “queridinha” do prefeito é a Mene & Portella Publicidade, comandada pelos empresários Túlio Mene e Nílio Portella. Em 2020, ela foi contratada pela prefeitura pelo valor de R$ 25 milhões, e deve ter o contrato renovado ainda nesta gestão. Não é a primeira vez que a Mene & Portella é agraciada em uma gestão de David Almeida.

Em setembro de 2017, quando o prefeito era governador interino do Amazonas, a agência venceu uma licitação de R$ 44 milhões para a prestação de serviços de publicidade.

Com a cheia do rio Negro, David Almeida assinou decreto que declarou situação de emergência na capital, em maio. No dia 6 daquele mês, a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf), comandada pelo vice-prefeito Marcos Rotta, fez contrato com a empresa CBAA – Asfaltos Ltda para a contratação de asfalto diluído CM-30 e emulsão asfáltica RR-2C. O valor total? R$ 3.174.912,00.

Foto: Reprodução

Além disso, em 26 de maio, a Seminf adquiriu R$ 3,6 milhões em cimento do tipo Portland, o mais comum usado na construção civil. O saco de cimento, vendido a R$ 37,00 nas lojas de materiais de construção, foi comprado pela Prefeitura de Manaus a R$ 48,50, ou seja, 46,9% mais caro do que o normal.

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Educação

A pasta da Educação também não passou ilesa nos primeiros meses da gestão de David. Isso porque o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), apurou caso de irregularidade de Pauderney Avelino na Secretaria Municipal de Educação (Semed). O alvo foi a suspensão de um contrato para implantação de aulas não presenciais na pandemia.

Em decisão no início deste mês, a Corte de Contas decidiu manter a licitação realizada ainda na gestão do ex-prefeito Arthur Neto e que teve como vencedora a Amazonas Produtora Cinematográfica Ltda, do empresário Cyro Batará Anunciação, pelo valor inicial de R$ 19,1 milhões.

Pauderney Avelino foi um dos secretários escolhidos por aliança política. Foto: Divulgação

Imagem manchada

Para o cientista político Helso Ribeiro, a conduta dos secretários tem manchado, de certa forma, a imagem de David Almeida. “Não me interessa ser oposição ou situação, mas é preciso que se diga a verdade. O David se apresentou à população com uma imagem de moralidade e ética, e é lógico que a conduta dos secretários mancha e muito a sua imagem como prefeito”, salientou.

Já o sociólogo Israel Pinheiro comenta que David se elegeu a partir de uma base conservadora e religiosa, além dos professores. Ele analisa que o eleitorado via no prefeito, chamado nos bastidores de “terrivelmente adventista”, uma imagem de moralidade. No entanto, quando ele chegou ao poder, acabou demonstrando mais do mesmo.

“Nas primeiras indicações, mostrou um certo ‘conchavo’, quando indicou algumas pessoas para a Manauscult. Desde aí, já houveram essas questões, além da vacina, onde ele agiu de forma errada. Isso só mostra que ele acaba sendo alguém que tem agido de forma completamente errada”, afirma.

Pinheiro salienta que não é normal trocar todo um conjunto de secretários. Segundo ele, quando o prefeito assume, deve se cercar de especialistas que tenham, de fato, projetos para a área. Entretanto, quando existem irregularidades, é preciso trocar.

“Quando se muda muito os secretários, isso demonstra incapacidade de lidar com as diferenças e construir um projeto. Mas é claro que as mudanças são ocasionadas pelas irregularidades. Nesse caso, precisa trocar, de verdade. Isso também demonstra a incapacidade de construir uma equipe especialista, de fato, nas áreas. E quem sofre com isso é a população de Manaus”, aponta.