Manaus, 18 de abril de 2024
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Brasil

Em SP, professores têm dificuldades para fazer com que alunos cumpram protocolos sanitários

As aulas na rede estadual de ensino tiveram início no dia 8 de fevereiro e foram autorizadas para 3 milhões dos 3,3 milhões de alunos da rede

Em SP, professores têm dificuldades para fazer com que alunos cumpram protocolos sanitários

Rivaldo Gomes/Folhapress

Com o retorno das aulas presenciais, além de terem de cumprir o seu ofício, os professores tiveram de acumular uma nova função: a de averiguar se os alunos cumprem ou não as normas sanitárias para evitar o contágio do novo coronavírus. E muitos relatam dificuldades para fazer com que os alunos usem de forma correta as máscaras, o álcool em gel e evitem aglomerações.

“Os alunos só colocam a máscara quando vão entrar na unidade. Se tem alguém cobrando, eles usam normalmente. Caso contrário, é máscara no queixo. Alguns são mais exaltados e até reclamam. Não sei mais o que fazer. Estou realmente com medo de ser contaminado”, afirmou um professor que leciona em uma escola da zona norte da capital paulista.

As aulas na rede estadual de ensino tiveram início no dia 8 de fevereiro e foram autorizadas para 3 milhões dos 3,3 milhões de alunos da rede. Das 5,3 mil escolas, 4,5 mil reabriram. Todas em sistema de rodízio e recebendo o limite de 35% ao menos até o final deste mês de fevereiro, segundo informou Rossieli Soares, o secretário estadual de Educação da gestão do governador João Dória (PSDB).

O maior problema enfrentado pelos professores é em relação às aglomerações, sobretudo na entrada e saída dos alunos. A situação não se restringe apenas às unidades instaladas na capital. É o caso da escola estadual Jardim Odete 3, em Itaquaquecetuba (Grande SP).

“Quando chamamos a atenção dentro de sala de aula, eles param. Mais por medo de serem retirados da sala. Dentro da escola o problema acontece nos intervalos. Os alunos comem rápido para depois poderem ficar interagindo”, afirmou um servidor da unidade.

Dados do Simed (Sistema de Informação e Monitoramento da Educação para a Covid-19) apresentados por Soares no dia 16 de fevereiro, indicam que as escolas estaduais registraram 456 casos de Covid-19 neste ano, sendo 82,6% (372) em servidores, e 83 em alunos. Só na primeira semana de aulas presenciais foram 77 registros, sendo a maior parte, 62, ou 80,5% do total, em servidores. Os outros 15 (19,5%) são estudantes.

Uma outra professora de uma escola da região central da capital questiona a dificuldade de colocar em prática alguns dos protocolos, inclusive o do distanciamento. “Não houve preparo específico algum. Onde há marcação, tudo bem. Porém, no intervalo, por exemplo, como eu vou saber ao certo se o aluno está a um metro de distância um do outro ou um metro e meio metro?”, disse.

Falta de EPI

Os desafios dos servidores não se restringem apenas ao trato com alguns alunos que se mostram arredios para o cumprimento das normas. Problemas estruturais nas unidades também inviabilizam que os protocolos sejam cumpridos. Na escola estadual Professora Amenaíde Braga de Queiroz, no Jardim Franca, na região do Tucuruvi (zona norte de São Paulo), os frascos de álcool em gel enviados em fevereiro estavam vencidos.

Servidores da escola estadual Professor Oswaldo Walder, no Jardim Boa Vista, perto da rodovia Raposo Tavares (zona oeste de SP), disseram que não haviam recebido o face shield, usado como complemento da máscara e que protege contra respingos de tosse e espirros na direção do rosto.

“O distanciamento está difícil, são adolescentes e preferem ficar grudados uns aos outros. Se fico sem um equipamento fundamental para o meu trabalho, como vou chegar num aluno e exigir que ele use a máscara?”, questionou um professor da unidade.

Informada de que o governo estadual disse ter comprado e distribuído 440 mil face shields, uma outra servidora fez piada. “Erraram o endereço ou pegaram outro caminho pela Raposo [Raposo Tavares, rodovia] e não quiseram voltar. Ninguém na escola recebeu o face shield. Como vou chegar perto dos alunos que estão aglomerados e pedirem para que dispersem? Não dá, né?”, disse uma servidora da mesma unidade.

Antes do início do ano letivo, a secretaria Estadual da Educação informou ter adquirido e distribuído às escolas, além dos 440 mil face shields, 12 milhões de máscaras de tecido, 10.740 termômetros a laser, 10 mil totens de álcool em gel, 221 mil litros de sabonete líquido, 78 milhões de copos descartáveis, 112 mil litros de álcool em gel, 100 milhões de rolos de papel toalha e 1,8 milhão de rolos de papel higiênico.

Alguns problemas são estruturais e extrapolam a questão do coronavírus, porém, interferem diretamente na saúde dos alunos. Um vazamento de água na cozinha da escola estadual professor José Sanches Josende, no Jardim Aeroporto 3, em Mogi das Cruzes (Grande SP), produz mal cheiro e incomoda os alunos que fazem suas refeições no refeitório.

“É uma água podre que acumula e sobe um cheiro horrível. Detalhe: é uma escola de ensino integral, onde os alunos ficam um dia inteiro. Já pensou ter de ficar de máscara o dia inteiro e quando vai tirar para fazer sua refeição sentir um cheiro podre? É isso que está acontecendo aqui”, afirmou um funcionário da unidade.

Solução do conflito pode estar na maior participação dos pais

Pediatra especializado em infectologia pediátrica, Marcio Nehab, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e integrante do grupo de trabalho de volta às aulas do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), afirma ser fundamental a participação dos pais no processo de volta às aulas e como mediadores de eventuais conflitos de descumprimento de protocolos nas escolas.

Ele disse que a contração de cerca de 5.000 mães, pela Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), para atuar nas escolas da rede municipal para acompanhar o cumprimento dos protocolos é um bom exemplo. “É fantástica a ideia e eu não acredito em nada diferente disso. Se não tiver a participação dos pais dos alunos no ambiente escolar, não vai funcionar [o cumprimento dos protocolos]”, afirma.

Questionado sobre como seria a saída, tendo em vista que o governo estadual não tem nenhum projeto semelhante, Nehab diz que mais importante do que esse debate é compreender que os problemas das escolas públicas são históricos.

“A questão não é tão simples assim [cumprimento dos protocolos]. Antes de tudo precisamos de um retrato das escolas, e acho que isso já é conhecido. Algumas realmente não têm condições de abrir e precisamos lidar com isso”, afirmou.

Ele compara o que foi feito na área de saúde no combate à pandemia ao preparo que as escolas tiveram para a volta às aulas. “Precisamos entender o que é mais básico para uma escola e o que precisa ser fornecido. Não foi assim com a saúde, quando as equipes foram reforçadas, os leitos ampliados. Por qual motivo esse preparo nas escolas é diferente?”, questiona.

Nehab também diz que essa relação entre professores e alunos não é tão simples no ambiente da escola pública. “Temos uma realidade na escola pública brasileira que diverge abissalmente da escola particular. Na escola particular, se o sujeito não quer usar máscara, por exemplo, ele recebe uma cartinha na agenda dele, leva para o pai e acaba ali. Na escola pública você vai chegar para um galalão [pessoa grande] de 15 anos que não está cumprindo os protocolos, e você vai dizer o que pra ele? Dependendo do humor dele, vai mandar a professora para o inferno”, disse.

Para Nehab, a postura de uma criança ou adolescente na escola é reflexo do que ele vive fora do ambiente escolar. E aglomerações são quase impossíveis de serem contidas e a única saída é uma postura mais firme dos responsáveis.
“Vamos pensar o seguinte: onde muitas dessas crianças e adolescentes estavam durante esse tempo todo que ficaram fora da escola? Vai dizer pra mim que elas estavam em casa? Estavam nas ruas, jogando bola, nas praças. E estavam mesmo usando máscara? É fundamental um esforço conjunto, sobretudo com a participação dos pais nessa retomada”, diz.

 

*Com informações da Folhapress