Manaus, 19 de abril de 2024
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Cenário

Especialistas do AM são contra modelo ‘distritão’; deputados divergem

Deputado Silas Câmara, membro da comissão especial, votou a favor do 'distritão', proposta na qual os candidatos mais cotados individualmente sejam eleitos

Especialistas do AM são contra modelo ‘distritão’; deputados divergem

Foto: Reprodução

Brasília/DF – Após a aprovação do relatório que prevê a adoção do modelo “distritão” e a volta das coligações nas eleições para deputados e vereadores, nessa segunda-feira (9), na comissão especial da Câmara dos Deputados, especialistas ouvidos pelo Portal Amazonas1 se manifestaram contra o modelo. Além deles, os deputados federais Alberto Neto (Republicanos) e José Ricardo (PT) defenderam pontos de vistas diferentes sobre a PEC.

A medida se trata de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com alterações para as eleições de 2022. Com a aprovação, o relatório será apreciado na Câmara dos Deputados e depois no Senado.

Com relatoria da deputada Renata Abreu (Pode-SP), a proposta “é o pior modelo a ser implantado no Brasil”, segundo apontou o advogado e especialista político, Carlos Santiago.

“Ele [o distritão] reforça o personalismo na política brasileira em detrimento dos interesses coletivos, das ideologias partidárias, em detrimento até da funcionalidade orgânica de um partido político, ele reforça o caciquismo e dificulta qualquer renovação política, até porque ele objetiva beneficiar quem está controlando as siglas partidárias, que terão agora bilhões para gastar neles mesmos, sem qualquer interesse em mudar, em renovação de quadros partidários”, disse.

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Para Santiago, os partidos políticos se resumirão somente a “nomes cartoriais”. “Os partidos vão virar tão somente nomes cartoriais, serão ainda mais partido, que vai existir tão somente no papel. O distritão é para perpetuar os que já dominam os partidos e a política brasileira”, afirmou.

Sobre as coligações proporcionais, o especialista afirmou que também é outro retrocesso.

“À medida que cada partido tem que lançar chapa própria para disputar o pleito, com todos seus quadros, ele acaba agindo, no sentindo da inclusão, da organicidade. Mas quando se tem coligação, os partidos se reúnem e lançam alguns dos seus quadros para disputar o pleito, pouco interesse em tornar esses partidos mais orgânicos porque acabam privilegiando ainda mais alguns dos seus membros, alguns dos seus dirigentes, e o eleitor não sabe muito bem o que cada sigla partida representa, o que cada sigla defende, ou tem como proposta para a política brasileira, fica tudo muito misturado.

“Então, a volta da coligação, ela dá um recado de que também a política brasileira, os políticos brasileiros não querem a renovação. Mas é menos pior do que a implantação do distritão, que é o pior modelo dentro do regime democrático, porque acaba não representando a diversidade, a riqueza populacional e eleitoral no Brasil”, concluiu.

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O sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio Nascimento, também vai na mesma direção e aponta que a possível reforma beneficia somente os grandes parlamentares. “Nesse aspecto, é preciso fazer uma reforma parlamentar. Mas, como é que você vai pedir para o lobo fazer uma reforma no galinheiro? A reforma do lobo no galinheiro vai só facilitar o acesso dele às galinhas e aos ovos. Essa proposta de reforma apresentada nesse momento, que inclui o distritão, é exatamente isso: são lobos reformando o galinheiro”, analisou.

Segundo o especialista, propostas como essas fragilizam as representações sociais e partidárias no Congresso Nacional. “Tal como estas propostas você fragiliza as representações partidárias, você fragiliza as representações sociais que têm enorme base social e que necessariamente não tem o quantitativo de votos que as ‘celebridades’ têm. Mas aquelas ‘celebridades’ têm votos porque elas são o que são, as pessoas votam na cara delas, as pessoas não votam no que elas propõem, no que elas defendem. E aí você tem um conjunto de sujeitos sociais, lideranças indígenas, populares, educadores, que têm propostas importantes para o conjunto da sociedade, mas que não conseguem o voto necessário se o distritão passar”, disse.

“Daí a importância do modelo atual, que é uma representação proporcional, ou seja, você vai ocupar um acento no Congresso, na Câmara, na Assembleia Legislativa de acordo com a proporção dos votos que o partido recebe, o que dá mais equilíbrio, que dá mais participação e mais representação política e partidária e democrática, porque do jeito que está hoje você vai ter mais ricos, mais empresários, mais grileiros e latifundiários, mais celebridades e menos povo dentro do Congresso. Quando você tem menos povo, claro que essas celebridades vão aprovar o que? Vão aprovar projetos que defendem os seus interesses, não do povo brasileiro”, continuou.

Nascimento também defendeu uma proposta de reforma política respaldada pela opinião da sociedade e com amplos debates antes de uma aprovação concreta.

“O melhor arranjo para a gente fazer uma reforma política no Brasil passa necessariamente por uma constituinte exclusiva de reforma política, onde a sociedade eleja parlamentares exclusivamente para fazer reforma parlamentar, que tenham aí mandato de seis meses, oito meses, que discuta com a sociedade civil, que discuta com as organizações, receba proposta da sociedade, elabore um relatório parcial, submeta a apreciação social e finalmente submeta ao cenário, e finalmente a um plebiscito para aprovar cada uma das coisas. Aí você vai ter uma representação parlamentar, uma regra política construída pela sociedade, garantindo uma representação democrática a todos os grupos sociais que assim o desejarem”, disse.

Bancada do Amazonas

Entre os parlamentares que compõem a comissão especial responsável por discutir mudanças nas regras eleitorais está o deputado federal Átila Lins (PSD). O voto dele ao relatório foi a favor da manutenção do ‘distritão’ na PEC. No total, 18 deputados votaram a favor do modelo, e 14 foram contra.

Lins, na semana passada, chegou a declarar ser favorável ao polêmico modelo ‘distritão’. Segundo ele, o sistema atual é inaceitável. “Não podemos aceitar a continuidade do sistema atual, onde não teremos coligação partidária e cada partido terá que alcançar o coeficiente eleitoral para sonhar com a chance de eleger alguém. O que tornar-se-á muito difícil”, disse.

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A reportagem do Portal Amazonas1 tentou contato com os demais parlamentares da bancada do Amazonas na Câmara dos Deputados, porém, só deram retorno os deputados Alberto Neto e José Ricardo.

Alinhado com outros políticos de direita, Alberto Neto afirma que o ‘distritão’ é o modelo da ‘verdade eleitoral’.

“Eu apoio o modelo Distritão para as próximas eleições. Este é o modelo da verdade eleitoral, num sistema em que os candidatos mais votados são os que realmente vão representar o povo”, disse. “O proporcional permite que candidatos menos votados sejam eleitos em detrimento dos que receberam mais votos, o que não é o mais democrático. Isso porque os votos vão para os partidos e são feitos cálculos desconhecidos pela maioria dos eleitores e que acabam elegendo os pouco votados”, declarou o parlamentar.

“O modelo Distritão, além de dar mais compreensão ao eleitorado, assegura que os detentores da maioria dos votos assumam, de fato, a cadeira de representatividade popular, acabando com os chamados “puxadores de votos”. É um sistema que vai levar aos cargos os candidatos realmente escolhidos pelo povo”, disse ao Amazonas1.

Já o petista Zé Ricardo, em consonância com os especialistas, afirma que o ‘distritão’ é um ‘enorme’ retrocesso para o país e aos eleitores, pois o modelo favorece quem tem mais dinheiro e visibilidade.

“O certo era não ter nenhuma para as eleições do ano que vem, porque já teve avanços com o fim das coligações proporcionais para fortalecer a questão partidária. A proposta do distritão é um grande retrocesso, praticamente o fim dos partidos, porque não precisaria mais de partido político, basta qualquer um se inscrever, ser mais votado e entrar. Então, totalmente diferente do que é a realidade de todos os países do mundo onde tem eleições democráticas”, disse.

“Então, o distritão favorece quem tem dinheiro, celebridades, esse tipo de gente, né, por alguma circunstância, pode até conseguir bastante voto, mas nada a ver com propostas, com projetos, com políticas públicas para mudar a realidade da população. Então, sou contrário ao distritão”, continuou.

Em relação à volta das coligações, o parlamentar se posicionou contra e disse que não vê grandes mudanças.

“Quanto à questão das coligações proporcionais, se voltar as coligações, não vejo grande mudança. Eu achei um avanço você fortalecer o partido, mas eu sou contrário de qualquer forma, eu defendo a manutenção do sistema que está hoje, porque ele é resultado de debates anteriores, de avaliação dos processos eleitorais e, portanto, de etapas que estão sendo construídas para aperfeiçoar o sistema eleitoral e político”, finalizou.

Entenda

O sistema atualmente em vigor é o proporcional, pelo qual as cadeiras de deputados são distribuídas proporcionalmente à quantidade de votos recebidos pelos candidatos e pelos partidos — ou seja, os votos nas siglas também são considerados no cálculo.

Pelo “distritão”, são eleitos os candidatos mais votados individualmente, desconsiderando os votos nas siglas.

Após negociações com líderes, a relatora, Renata Abreu (Pode-SP) alterou o texto para incluir a possibilidade de os partidos voltarem a se juntar durante as eleições proporcionais, o que o próprio Congresso decidiu extinguir em 2017 ao aprovar uma emenda constitucional.

A expectativa é que os dois modelos sejam votados separadamente quando o plenário da Câmara votar a PEC.

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