Silves (AM) – O processo de exploração de petróleo e gás realizado pela empresa Eneva, nos municípios de Silves e Itapiranga, localizados no Amazonas, poderá ser o centro de uma polêmica que pode desencadear um novo escândalo de situações semelhantes à Operação Lava Jato, em 2014.
O debate envolve questões jurídicas, técnicas e políticas, incluindo suspeitas de manipulação e interferência entre órgãos da República. A informação foi revelada pelo portal de notícias BNC Amazonas nesta segunda-feira (18).
Documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo veículo de comunicação revelaram trocas de correspondências entre o Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, representado pelo procurador Fernando Merloto Soave, e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Essas interações sugerem uma possível “indução técnico-jurídica” na tentativa de restringir as atividades da Eneva, sob a justificativa de “proteger supostos povos indígenas isolados na região”.
Conforme a apuração, o MPF instaurou, desde 2021, o procedimento extrajudicial n°. 1.13.000.000887/2021-65 a fim de investigar possíveis impactos a povos indígenas decorrentes das operações. Entre os argumentos levantados está a existência de indígenas isolados a 30 quilômetros das atividades da Eneva, o que, se confirmado, pode levar à interdição das áreas envolvidas.
Apesar disso, os documentos apontam que perícias técnicas conduzidas pelo próprio MPF teriam indicado inicialmente que a inclusão das áreas da Eneva na interdição seria desnecessária. Contudo, ofícios enviados pelo procurador à Funai pediram revisões que acabaram incluindo a área da empresa no mapeamento.
“Solicito que, no prazo extraordinário de cinco dias, informe a área proposta (técnica) para a restrição de uso dos isolados do Caribi, tendo em vista que foi solicitada perícia técnica no âmbito do MPF. A perícia tem previsão de conclusão no dia 17/10/2024 e propõe análises técnicas para subsidiar eventual ação civil pública ou medidas de proteção a estes povos que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade e risco”, afirma o procurador Fernando Merloto no documento.
“Ressalto ainda que, conforme reunião ocorrida em 30/09/2024, com representante da Funai e outros atores, foi esclarecido que o MPF e outros atores participantes já possuem a coordenada geográfica do local de avistamento dos povos isolados do Caribi, na região dos municípios de Itapiranga/AM e Silves/AM. Sendo que a perícia do MPF estava construindo um “buffer” ao redor de tal coordenada de modo a buscar não identificar a área específica quando da plotagem no mapa em potencial sobreposição com áreas de exploração da Eneva e Mil Madeiras.”
Em uma semana, a diretora de proteção territorial da Funai, Maria Janete Albuquerque, encaminhou ao MPF, em 14 de outubro de 2024, dados cartográficos temporários sobre a restrição de uso igarapé Caribi, em formato PDF e Shapefile. Mas advertiu que os documentos ainda estavam em fase preparatória e deveriam ser tratados como sigilosos.
O caso segue em análise e é visto como ambientalmente explosivo, levantando questionamentos sobre a transparência e as motivações de agentes públicos envolvidos no processo.
‘Transparência e ausência de comprovação’
Em outra investigação do site O Antagonista, em 2023, um áudio também aponta atuação controversa do mesmo procurador, no qual ele “se oferecia para pagar despesas de indígenas”.
“A juíza Jaiza está indo para lá. Eu estou indo pra gente conversar com todos. Todo e qualquer custo que vocês tiverem de combustível, de deslocamento, é só pegar o recibo que vai ser ressarcido. Já confirmei com a juíza Jaiza”, afirma a voz que seria do procurador.
Fernando Merloto fundamenta sua ação civil pública na tese de proteção a indígenas isolados, mas a Funai não tem confirmação da existência dessas populações na área.
No documento enviado ao MPF, a Funai aponta apenas uma “alta probabilidade” baseada em relatos e uma foto fornecida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O órgão afirma que são necessárias novas expedições para confirmar a presença desses supostos indígenas.
Mesmo sem aprovação, a diretora de proteção territorial da Funai, Maria Janete Albuquerque, recomendou a suspensão imediata das atividades da Eneva e do manejo florestal pela Mil Madeiras Preciosas.
Perícia
A imagem que comprovaria a presença de indígenas isolados nos municípios de Silves e Itapiranga foi periciada e aponta indícios de manipulação, segundo análise do perito Allan Almeida Reis. Embora a Funai tenha considerado “alta probabilidade” de existência de indígenas na região, o órgão admite não ter confirmação definitiva e recomendou novas expedições para investigação.
Mesmo sem comprovações, a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) têm restrições pela publicação de uma portaria de restrição de uso na área, o que interditaria atividades econômicas, incluindo a exploração de gás pela Eneva.
Tal medida poderia impactar o abastecimento de energia em Roraima, que depende da produção de gás local, e até exigir a remoção de moradores da área.
A Funai também destacou que a empresa Eneva não regularizou o componente indígena no processo de licenciamento ambiental, o que motivou recomendação de suspensão das atividades. Em nota, a Eneva reafirmou cumprir todos os critérios legais e declarou confiança nas decisões das autoridades. Até o momento, o MPF não se manifestou.
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