MANAUS (AM) – A articulação entre as elites brasileiras (empresariado e militares) deu início em 31 de março de 1964 a um regime de exceção que passou a ser chamado de Ditadura Militar, período que perdurou até meados dos anos de 1980.
Ainda que se discuta a nomenclatura (golpe, revolução, contrarrevolução), o período vem perdendo sua aura de “era de ouro” na história brasileira, por meio de estudos e análises dos movimentos de resistência, iniciados após a abertura política (fins dos anos de 1970) e agora mais facilmente debatidos.
Com quase 60 anos, as ações militares que tomaram o Estado e fecharam o Congresso Nacional a partir de 1 de abril (data omitida pelos livros oficiais até pouco tempo para que o regime não fosse associado ao Dia da Mentira), são temas de debates e discussões. E a resistência gerada contra os atos militares é vista como uma das maiores lutas populares de nossa história.
Louvando a resistência
Ademir Ramos, professor, antropólogo, coordenador do Projeto Jaraqui, do Núcleo de Cultura Política do Amazonas da Universidade Federal do Amazonas (NCPAM/UFAM), não é nada amistoso com as políticas implantadas pelo regime iniciado em 1964. “Com o golpe consumado, os militares implementaram uma política de endividamento da nação e, sob as botas militares, o arbítrio, a tortura e a afronta aos direitos humanos pelas forças políticas”, critica o professor.
Ramos, ativista atuante, louva os focos de resistência que brotaram no país em seu momento mais crítico. “Houve reação da esquerda em 1964, no movimento estudantil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a União Nacional dos Estudantes (UNE), alguns segmentos da Igreja Católica e sobretudo dos movimentos culturais”.
Mas para o antropólogo, é necessário estar alerta. “O mais recente ex-presidente veio dos EUA, depois de fugido, para celebrar o golpe de 1964. Essa celebração foi promovida pelo Clube Militar do Rio de Janeiro e o ex-presidente tem a ideia de dar continuidade ao acontecido em 8 de janeiro em Brasília”, afirma Ramos.
Historiografia busca nomes
Historiador e integrante do grupo Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia (Labuhta), Thiago Queiroz tem sua base de estudos nas disputas eleitorais de 1974 a 1983, mas a imersão no período embrionário do último regime ditatorial militar no Brasil foi inevitável.
Para o historiador, no berço do regime de exceção iniciado em 1964, os militares não tinham projeto nenhum. Em um primeiro momento, o objetivo era tirar o então presidente João Goulart (1961-1964) para que os interesses externos, declaradamente norte-americanos, ganhassem apoio e força política.
Segundo Queiroz, o bode expiatório para uso de força do Estado foi, usando as teorias conspiratórias, a invasão do Brasil pelos comunistas. “Em 1968, por exemplo, usaram esse argumento de um suposto descontrole social para implantar o Ato Institucional n. 5 (AI-5) que acabou com os habeas corpus e instaurou o controle total do Estado utilizando o discurso de segurança nacional”, ressalta.
Resistência cultural em Manaus
“Não podemos uniformizar, pois a ‘ditadura de São Paulo’ teve uma expressão maior. Os livros que lemos sobre o período sempre fizeram uma leitura do Brasil a partir deles (SP), dos movimentos de lá. A histografia do que ocorreu no Amazonas está sendo feita agora”, sinaliza Queiroz.
Houve resistência, mas esta ainda está sendo localizada e reconstituída pelos historiadores. Mas segundo Queiroz “se há pouco conteúdo sobre o tema nos livros de história, na imprensa de massa, há menos ainda” e o que se encontra é totalmente enviesado à direita e ao discurso do regime militar.
“Pela imprensa da época o governo militar é visto como um interventor de progresso regional. E os movimentos sociais chegam à massa por outros caminhos, em uma piada ou em uma charge publicada na grande imprensa que satirizava um grupo ou um movimento de pessoas como o da poesia, como o Clube da Madrugada e de músicos que eram ‘detonados’ pela mídia manauara da época. Essa história da resistência no Amazonas ainda está sendo escrita”, enfatiza o historiador, que também é músico.
Thiago resume que abraçando o discurso de trazer a civilização: “A elite amazonense, articulada com os militares e o discurso desenvolvimentista, vendeu muito bem a ditadura no Amazonas através dos jornais”.
O início do fim do regime
Conforme conta Queiroz, a falta de apoio ostensivo dos EUA decretou o início do fim do regime. “Hoje existem documentos claríssimos de que presidentes como Ernesto Geisel (1974-1979) autorizou a execução de opositores. Documentos da CIA (serviço secreto dos EUA) que só foram liberados em 2018 mostram claramente como o processo foi feito: com mortes autorizadas pelo governo. Os executados recebiam o ‘título’ de inimigos do Estado, terroristas e afins. Quando os EUA, articuladores do golpe, viram a condução do processo, onde se observava que os militares claramente haviam perdido a mão, começaram a tirar o corpo fora, trabalhando as relações com o Brasil por outras dimensões. Já com intervenções mais modestas, os governos Médici (1969-1974) e Geisel (1974-1979), extremamente nacionalistas, usam do ufanismo patriótico para cegar os processos, principalmente os de caça aos opositores”, explica.
Outro ponto importante desse processo foi o Ato Institucional n. 2 (AI-2), que em 1965, instaurava o bipartidarismo, montando de um lado a Aliança Renovadora Nacional (ARENA – partido que dava sustentação política ao regime militar) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB, que se vendia como moderado). Mas, segundo Queiroz, estes nunca se separaram: “o MDB só servia para legitimar a impressão de que havia uma democracia vigente. Nenhuma ditadura se vende como uma ditadura, o que se põe na vitrine é ‘uma democracia com intervenções’”.
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