Manaus, 14 de fevereiro de 2025
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Manaus, 14 de fevereiro de 2025

Cenário

Jornalistas amazonenses sofrem intimidações com ataques de políticos

Em alusão ao Dia da Liberdade de Imprensa, comemorado nesta sexta-feira (7), o Portal AM1 relembra alguns casos em que esse direito foi ferido. 

Jornalistas amazonenses sofrem intimidações com ataques de políticos

(Fotos: Aleam/CMM e Câmara dos Deputados)

Manaus (AM) – “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. A frase, de William Randolph Hearst (1863-1951), um empresário norte-americano que criou uma enorme rede de jornais na Califórnia, retrata bem as funções do jornalismo. No entanto, esse papel enfrenta diversos ataques no decorrer da história. No Amazonas, nos últimos meses, uma série de ações judiciais movidas por políticos tenta amordaçar jornalistas e veículos de comunicação, ferindo gravemente a liberdade de imprensa.

Segundo um levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), levando em conta as eleições de 2022, concentrando quase 25% dos processos, o Amazonas é o Estado que mais censura jornalistas no país.

Entre os Estados que tiveram pedidos de remoção de conteúdo deferidos em juízo em algum momento, destaca-se novamente o Amazonas, com participação percentual ainda maior entre os processos deferidos do que entre os processos gerais, concentrando 26,2% deles.

Em alusão ao Dia da Liberdade de Imprensa, comemorado nesta sexta-feira (7), o Portal AM1 relembra alguns casos em que esse direito foi ferido.

Ataques contra jornalistas

Em 2023, o deputado Saullo Vianna (UB) bloqueou, na época, uma correspondente do Portal AM1 em Brasília, após a jornalista publicar uma matéria sobre ele.

A matéria informava que Saullo Vianna disseminou fake news em suas redes sociais ao publicar uma foto antiga como se estivesse presente em uma reunião do Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Tributária.

Saullo Viana afirmou que bloqueou a jornalista – (Foto: Câmara dos Deputados)

Por meio de ligação telefônica, Saullo assumiu que bloqueou a jornalista e não demonstrou arrependimento, pelo contrário, justificou a insatisfação com o trabalho da profissional e tentou colocar em xeque a reputação da jornalista.

“Bloqueei, sim. Não gosto de pessoas que usam a mentira para querer vender matéria. Muito menos pessoas que usam jornalistas para querer extorquir políticos e pessoas de bem. Eu irei entrar na Justiça contra esse tipo de abuso. As provas estarão documentadas na ação que eu vou entrar, porque esse site quis fazer extorsão”, prometeu Saullo Vianna.

Equipamento confiscado 

Outro caso de intimidação ocorrido em 2023 envolve a deputada estadual Joana Darc (UB) e aconteceu dentro da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam).

A deputada, que tem a causa animal como uma das bandeiras do mandato, foi questionada pela jornalista Rhyvia Araújo por participar de um evento com rodeio e vaquejada, considerados maus-tratos a animais.

Joana tomou o microfone da profissional e levou para a sua bancada dentro do Plenário Ruy Araújo. Após a apreensão do instrumento de trabalho da jornalista, Joana pediu ao seu assessor que chamasse Rhyvia para “conversar”.

Segundo a jornalista, Joana chegou a comentar que se ela continuasse “batendo na base aliada do governador”, não teria mais respeito de outros políticos. Rhyvia Araújo afirmou que registrou Boletim de Ocorrência (BO) contra Joana Darc.

Deputada protagonizou um ataque a uma jornalista dentro da Aleam – (Foto: Divulgação/Aleam)

Também no ano passado, Joana Darc processou o jornalista Fred Santana, dono do portal Vocativo, por conta de uma matéria em que ela era citada. O conteúdo tratava de uma série de crimes ambientais cometidos pelo avô do influenciador Agenor Tupinambá na propriedade em que ele vive, no município de Autazes, no interior do Amazonas.

Ao final da reportagem, há uma contextualização sobre as polêmicas que envolveram o influenciador no caso da capivara Filó e o apoio de Joana Darc a Agenor. A deputada entrou em contato com o jornalista pedindo que sua imagem não fosse veiculada à reportagem. O profissional compreendeu que a parlamentar não estava envolvida com os fatos apresentados e corrigiu a ilustração da reportagem.

Porém, mesmo com a alteração da imagem e sua retirada de todas as redes sociais, a deputada decidiu processar o jornalista e o veículo, pedindo a exclusão da reportagem, uma indenização por danos morais e a proibição de novas publicações.

Retirar reportagem do ar e direito de reposta 

O pré-candidato à Prefeitura de Manaus, Amom Mandel, é um dos políticos que vem se destacando no quesito processar jornalistas e meios de comunicação que o criticam.

Inclusive, um dos casos envolve o Portal AM1. O deputado não teria gostado do conteúdo publicado sobre o caso em que ele foi abordado por policiais da Ronda Ostensiva Cândido Mariano (Rocam), em janeiro deste ano, na avenida Autaz Mirim, na Zona Leste de Manaus. A matéria usava no título a palavra “confusão”, o que gerou a indignação do deputado. Ele pediu a exclusão do conteúdo e direito de resposta, pois segundo ele, “havia divergências no que foi divulgado sobre a abordagem policial”.

Outro caso envolvendo o deputado foi contra o jornalista Bryan Dolzane. O parlamentar processou o profissional por conta de críticas feitas nas redes sociais.

“Tudo porque ele se incomodou com as minhas críticas a ele nas minhas redes sociais. Críticas essas que nunca atentaram contra a sua honra. Você não encontra publicações minhas usando palavras de baixo calão contra o deputado, falando da sua família, ofendendo a sua honra ou de sua família. A minha crítica sempre é dentro da liberdade de expressão resguardada pela Constituição Federal. Eu tenho o direito constitucional de lhe criticar, de achar o seu trabalho ruim, essa e a minha opinião e o senhor não pode me censurar”, disse o jornalista ao se pronunciar após tomar conhecimento sobre o processo.

Amon Mandel é um dos políticos que vem crescendo com ações contra a imprensa – (Foto: Divulgação/Câmara dos Deputados)

Bryan Dolzane afirmou que Mandel tentou constrangê-lo e restringir sua liberdade de expressão. “O senhor não pode constranger jornalistas e comunicadores, porque o senhor não gosta do que nós falamos, do que nós pensamos a respeito do senhor. Que democracia é essa que o senhor acredita? O senhor está querendo me censurar e não vai me constranger com esse tipo de coisa. Porque o senhor está chateado, porque as pessoas estão lhe tachando de esquerdista? Isso não é problema meu, isso é culpa da sua atuação política”, completou.

Segundo Dolzane, o deputado Amon Mandel desistiu da ação judicial apenas 15 dias após tê-la iniciado.

Recentemente, Amom moveu outro processo contra donos de portais da capital amazonense por conta da divulgação do caso em que ele despeja lixo coletado em Igarapé na calçada do aterro sanitário. O caso, ocorrido em abril deste ano, ganhou ampla divulgação. No entanto, o político não teria gostado como o caso teria sido noticiado por alguns meios de comunicação.

“Nós somos constantemente alvo de processos. Recebi uma notificação em que eu, a Cileide Moussallem, do CM7, e o Garcia Júnior, da Rádio Laranjeiras, estamos sendo processados pelo pré-candidato a prefeito de Manaus, Amom Mandel, porque nós divulgamos um vídeo que mostra ele jogando lixo na frente da secretaria municipal de limpeza [Semulsp] e nesse vídeo tem uma frase escrita “criminoso”. Mas criminoso não é ele e sim o ato que estava cometendo, porque é crime ambiental, claro”, disse o empresário Marcelo Generoso, que é proprietário do Portal do Generoso e presidente da Associação Nacional de Jornalismo Digital (ANJD).

Generoso afirma que a ação judicial representa uma clara tentativa de silenciar a imprensa independente no Amazonas.

Jornalistas amazonenses também já foram alvo de ataques feitos pelo prefeito de Manaus, David Almeida, inclusive com ações judiciais. O chefe do poder Executivo municipal já protagonizou várias situações em que não responde questionamentos de profissionais da imprensa e realiza ataques como o último ocorrido no dia 3 deste mês, quando David não gostou do questionamento de um jornalista e disse que abriria o espaço para que outro profissional com um QI superior pudesse fazer outra pergunta.

O vereador Dione Carvalho já atacou a imprensa durante sessões na CMM – (Foto: Divulgação/CMM)

Críticas ao trabalho da imprensa

Na Câmara Municipal de Manaus (CMM), o vereador Dione Carvalho já chegou a questionar o trabalho da imprensa manauara durante as sessões parlamentares. Em novembro do ano passado, ele afirmou que portais que recebem cotas da CMM “falam mal dos vereadores”. Para ele, os blogs e portais não deveriam “bater” nos parlamentares, pois recebem dinheiro da Casa para publicidade.

“Os portais que são pagos pela Câmara Municipal de Manaus bombardeiam severamente, ridicularizando vereadores da própria Casa. Isso me preocupa, a Câmara paga os portais e os portais batem na gente [vereadores]”, disse Dione Carvalho na tribuna.

O vereador chegou a classificar a situação como “preocupante” e disse que o presidente da Casa, vereador Caio André, e os demais vereadores deveriam tomar as devidas providências cabíveis e que “o fato não pode passar despercebido”.

Em março deste ano, ele voltou a atacar a imprensa amazonense por fiscalizar a atuação dos parlamentares da CMM e chegou a proferir acusações de que jornalistas produziam “fake news” contra os vereadores.

Desta vez, a fala se deu após o então vereador Antônio Peixoto (Agir), que teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AM), alegar que teve a imagem manchada por alguns veículos de comunicação.

Dione Carvalho, então, questionou o presidente da Casa, Caio André, sobre qual seria a posição da Casa sobre o assunto.

“Gostaria de saber qual seria o direcionamento da Câmara, respeitosamente, referente a alguns portais que saem a logomarca da Câmara Municipal e fabricam fake news de nós mesmos. Qual seria o seu posicionamento referente a alguns portais, que hora ou outra, sai matérias […]”, disse.

Caio André, por sua vez, enfatizou que a Câmara não tem autoridade para determinar o editorial de nenhum veículo de comunicação, respeitando, assim, a legislação que regula a liberdade de imprensa e a livre iniciativa.

Samira de Castro, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas – (Foto: Divulgação/Câmara dos Deputados)

Importância da imprensa 

A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, enfatiza que a liberdade de imprensa desempenha um papel de extrema importância no Estado Democrático de Direito, tendo em vista que ela aumenta o acesso à informação e este acesso propicia o debate e a troca de conhecimento entre as pessoas.

“O Jornalismo é, portanto, garantidor de direitos. Quando há censura, esse direito à informação é cerceado e isso prejudica a qualidade da democracia. Políticos e personalidades públicas estão sujeitos ao escrutínio da sociedade, que é exercido pelo trabalho das e dos jornalistas. Quando a censura é cometida por políticos, torna-se ainda mais grave porque estes, como representantes do povo, deveriam ser os primeiros a garantir a liberdade de imprensa e a agir com transparência”, afirma.

Além de severas restrições à veiculação de notícias, frequentemente impostas por meio de ações judiciais que exigem desde a remoção de conteúdos publicados até condenações civis e penais por supostos crimes contra a honra, segundo Samira, é comum que políticos influentes solicitem a demissão de jornalistas críticos, exacerbando a vulnerabilidade desses profissionais.

“Todas essas situações fragilizam os profissionais da mídia, causando inclusive sofrimento psíquico. São ações que pedem prisão de jornalistas e indenizações por danos morais incompatíveis com os níveis de renda da categoria. Os jornalistas recorrem aos sindicatos e a outras organizações de defesa da liberdade de imprensa para se defenderem”, pontua.

Influência na opinião pública

A jornalista pontua que um dos principais problemas da censura política é interditar o debate público, limitando a circulação de ideias, opiniões e informações, o que é essencial para uma sociedade democrática

“Se você não garante liberdade de imprensa, com pluralidade e diversidade de fontes, acaba impondo uma visão única sobre os temas nacionais. Alia-se a isso a questão da desinformação em massa, propagada pelas redes sociais digitais. Assim, a população segue polarizada e manipulada por governos autocratas”, frisa.

Samira relatou que, certa vez, um assessor de imprensa de um político pediu sua demissão ao jornal porque redigiu uma matéria que desagradou ao chefe dele. “Na época, minha editora sustentou minha versão e meu emprego”, pontuou.

Números diminuíram, mas ainda são altos

Em todo o Brasil, em 2023, segundo dados da Fenaj, os registros de violência contra os profissionais de imprensa tiveram queda significativa. Foram 181 casos, contra 376 registrados em 2022. A diminuição foi de 51,86%.

Na avaliação da presidente da Fenaj, a queda dos episódios de violência contra os profissionais de imprensa em 2023 tem relação com a diminuição das ações de descredibilização da imprensa pelo ex-presidente.

“Podemos comemorar a queda nos números da violência em 2023. Mas temos de continuar em alerta e mobilizados, porque as cifras continuam muito elevadas”, comentou Samira.

Katia Brembatti, presidente Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) – (Foto: Mauricio Nunes/Abraji)

Censurar é impedir que a sociedade tenha acesso à informação  

A presidente da Abraji, Katia Brembatti, explica que é importante que se entenda que a liberdade de imprensa não é somente um direito do jornalista e sim da sociedade. Então, a censura é uma forma de impedir que a sociedade tenha acesso a um determinado conteúdo.

A situação se agrava ainda mais durante o período eleitoral, segundo Katia, o que torna qualquer tipo de censura ainda mais prejudicial, pois o tempo de campanha é muito rápido.

“Imagina, por exemplo, uma censura que aconteça na semana da votação. A gente sabe que alguns tipos de conteúdo são capazes de influenciar o eleitor. Então se eu fico sabendo que um determinado candidato desviou recursos, por exemplo, essa informação pode interferir definitivamente no voto. E se essa informação, que é importante, deixa de ser publicada, uma determinada pessoa pode receber votos que não receberia se as pessoas estivessem suficientemente informadas. Por isso, nesse sentido, na questão eleitoral, é ainda mais prejudicial”, explica.

De acordo com Katia Brembatti, organização lida com centenas de casos de censura. Alguns são casos de censura prévia, que é a tentativa de decidir o que será publicado antes da publicação. No Brasil, a regra é que não existe censura, uma conquista pós-ditadura garantida pela Constituição de 1988, que é muito clara ao afirmar que não pode existir censura no país.

No entanto, Katia pontua que a Abraji também enfrenta várias outras tentativas de cerceamento. Por exemplo, os projetos “Publique-se” e “Control+X” já identificaram mais de três mil casos de políticos e autoridades locais, estaduais e nacionais pedindo a retirada de conteúdo.

“No Amazonas, em particular, há uma situação que chama muita atenção, envolvendo o Portal Amazônia Real, que está sob censura no momento. A informação correta e precisa que eles apuraram foi alvo de uma decisão judicial para a retirada do conteúdo, o que é prejudicial ao direito da sociedade de ser informada”, frisa.

De 2019 a 2022, Bolsonaro realizou 570 ataques a veículos de comunicação e a jornalistas – (Foto:/Agência Brasil)

Maior ameaça

Conforme o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado pela Fenaj , em quatro anos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi a maior ameaça ao exercício da liberdade de imprensa no país.

De 2019 a 2022, Bolsonaro realizou 570 ataques a veículos de comunicação e a jornalistas, numa média de 142,5 agressões por ano. Um ataque a cada dois dias e meio.

Esses ataques também eram protagonizados pelos seus seguidores, principalmente durante manifestações bolsonaristas.

O ex-presidente, desde quando assumiu a Presidência da República, atacou instituições que atuam na fiscalização, no monitoramento e no controle do poder público.

Vitória para a classe jornalística

No mês passado, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o chamado “assédio judicial” contra jornalistas e veículos de imprensa. Com a decisão, a Corte confirma a ilegalidade do ajuizamento de inúmeras ações judiciais para constranger ou dificultar o exercício da liberdade de imprensa.

Pelo entendimento, as ações nas quais pessoas citadas em matérias jornalísticas buscam indenizações devem ser julgadas pela Justiça da cidade onde o jornalista mora. Atualmente, quem processa pode escolher a cidade em que a ação vai tramitar, pulverizando os processos contra a imprensa.

Os ministros também acrescentaram na decisão que a responsabilização de jornalistas e veículos de imprensa deve ocorrer somente em caso de dolo ou culpa grave, ou seja, por negligência profissional, com a intenção de prejudicar a pessoa citada em uma reportagem.

Samira afirma que espera que a decisão do STF ajude a inibir ações dessa natureza vindas de políticos, autoridades públicas, empresários, entre outros atores que costumam processar jornalistas.

Outro lado 

Procurada pelo reportagem, a assessoria do vereador Dione Carvalho afirmou que o parlamentar “nunca se posicionou contra o trabalho da imprensa”, frisando que o político também “está envolvido na área da comunicação, sendo apresentador de televisão, além de exercer seu mandato”.

O deputado Amom Mandel disse, também por meio da assessoria, que respeita e admira o jornalismo e os jornalistas.

“O que não aceito são as fakes news produzidas, muitas das vezes, com dinheiro público para manchar biografias. Eu fui vítima de várias delas e, por isso, busquei reparação. É sempre bom lembrar que noticiar informação falsa é crime e, como crime, deve ser reportado à Justiça. Defendo incondicionalmente a livre expressão e o jornalismo”, diz a nota.

A deputada Joana Darc não se manifestou

 

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