Manaus, 26 de abril de 2024
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Cidades

Ex-presidiário dá a volta por cima, torna-se barbeiro e promove ações sociais

Preso cinco vezes por tráfico de drogas, porte ilegal de armas e formação de quadrilha, hoje, o ex-presidiário é exemplo

Ex-presidiário dá a volta por cima, torna-se barbeiro e promove ações sociais

Eliúde Bacelar, hoje barbeiro, conheceu o mundo obwcuro do crime (Foto: Portal AM1)

Com a tesoura nas mãos, o barbeiro Eliúde Bacelar, 32, revela habilidade e talento realizando cortes modernos que são tendência entre o público masculino. 

Quem vê o rapaz estiloso, atendendo diversos clientes diariamente na Barberia Combat, na zona oeste de Manaus, não imagina que ele faz parte da pequena estatística de ex-presidiários que consegue se ressocializar. Mas o rumo da vida de Eliúde só mudou após ele passar cinco vezes pelo sistema prisional. 

Ele conta que o primeiro contato com o mundo do crime aconteceu em 2007, quando começou a trabalhar como taxista.

“Com vários passageiros que fui pegando, conheci um traficante da capital. Comecei a fazer corrida para ele, transportando droga para outras áreas da cidade, e fui me envolvendo”, relembra.

A primeira vez que Eliúde foi preso, em 2010, ele estava transportando dois traficantes armados, mas ainda não trabalhava para eles. Quando o carro foi parado pela polícia, os passageiros fugiram e ele teve que responder pelas armas que ficaram no veículo. Após passar sete dias preso, ele foi liberado e ficou longe da criminalidade por 11 meses, a partir de então, ele se envolveu diretamente no mundo do crime.

“Antes eu era só vigia, depois passei a participar dos roubos e assaltos. Ganhava mil, dois mil reais por noite, foi quando me apresentaram para o pessoal do ‘comando’ (responsáveis pelo tráfico na Compensa)”, contou.

Passando a participar ativamente dos crimes, ele foi preso três vezes no período de 2011 a 2012, mas na quarta vez, em junho do mesmo ano, não teve a sorte de passar pouco tempo na prisão e, a partir de então, iniciou um “período assombroso”, como ele denomina os 5 anos e meio que ficou detido.

“Quando ele foi preso, eu estava na frente de casa e vi ele entrando na viatura. Ele falou pra eu chamar minha mãe, eles conversaram e eu comecei a chorar”, relembra o filho mais velho de Eliúde, Henrique Bacelar, hoje com 14 anos.

“Passei um ano e quatro meses na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa. Lá, eu usava drogas para conseguir suportar aquela realidade. Me lembro que aconteceu uma situação que tive que ser punido. Nesse dia, achei que iria morrer. Passei uma hora e meia dentro de uma cela apanhando de outros detentos”, relatou o ex-presidiário.

Por isso, as tatuagens que fez no corpo vão além de vaidade, foi a forma encontrada por ele para cobrir as marcas das agressões.

Com o ocorrido, ele foi transferido para o Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), local em que presenciou diversas rebeliões e, depois de um tempo, foi levado para a Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), onde recebeu o cargo de “soldado” na hierarquia dos detentos.

Eliúde recebia as visitas dos filhos menores de idade na cadeia levados pela avó.

“A gente sentia muita falta. Teve uma vez que passamos muito tempo ser ver ele e aí a minha vó ligou dizendo que, no dia seguinte, a gente ia ver ele. Nesse dia, ficamos a noite toda acordados, ansiosos para ver ele. Quando chegamos lá, demos um abraço nele e, quando deu a hora de ir embora, nós choramos muito”, contou Henrique.

O ex-presidiário não esquece que nesse período o apoio da mãe foi essencial, principalmente porque, preso, ele teve que ir a dois velórios de familiares: um da avó e outro do pai, o ex-deputado Eliúde Bacelar, em 2014. Com tudo o que aconteceu, o barbeiro pensou em suicídio e tentou se matar cortando os próprios pulsos.

“Minha mãe sofreu muito, já estava muito abalada. Mas sempre esteve comigo, lado a lado, todo o tempo”, contou.

Recomeço

Quando conseguiu a liberdade em 2015, Eliúde decidiu que precisava mudar. Foi então que conheceu a esposa Ana Célia Bacelar, 43, empresária e esteticista, que na época, passava por problemas financeiros e pessoais.

“Estava precisando de um barbeiro e o irmão dele o indicou. Confiei, deixe tudo na mão dele. Ele recebia dinheiro, fazia pagamentos, delegando os serviços. Quando fui melhorando emocionalmente percebi que ele estava trabalhando muito bem. Então as pessoas começaram a falar para eu ter cuidado com ele, não confiar, pois era um ex-presidiário, mas ele já tinha me provado que era de confiança e responsável”, contou.

A partir de então, o casal construiu uma amizade, que, em seguida, resultou em casamento. Eliúde passou a se dedicar, fazendo cursos na área da beleza, aperfeiçoando seu trabalho como barbeiro. Juntos, eles conseguiram dar uma guinada no antigo salão, transformando o lugar na Barbearia Combat.

Atualmente o casal promove ações sociais para crianças e moradores de rua, além de eventos que beneficiam o bairro em que moram.

Em outubro de 2018, por exemplo, eles fizeram a doação de doces e alimentos para as crianças do bairro e no mesmo ano o ‘Manaus Barcelar Fight’, um evento de luta que mobilizou vários competidores.

“Enquanto estava preso, me passou muita coisa na cabeça, tanto ‘pra’ fazer o bem quanto o mal. Decidi fazer o bem para as pessoas. Foi uma forma de compensar o mal que fiz”, revelou.

Eliúde cumpre pena em regime semiaberto, com monitoramento eletrônico, até junho deste ano. 

O desafio da ressocialização

O jovem deixou de fazer parte da terceira maior população carcerária do mundo. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem cerca de 900 mil presos, sendo que 44,5% desse total ainda não foram condenados.

Ja no Amazonas, a população carcerária é de cerca de 10 mil presos, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

De ex-presidiário, Bacelar passou a ser exemplo para os jovens que estão na semiliberdade. Desde 2021, ele realiza palestras no Centro Socieducarivo Dagma Feitosa.

“Quando fui convidado a participar desse projeto, primeiro eu me senti muito feliz em poder partilhar um pouco do que passei e vivi. Passei a verdadeira realidade para aqueles jovens, contei realmente o que acontece no submundo do crime, o qual eles achavam que era tudo flores”, relatou.

Segundo Bacelar, ao todo, foram 8 palestras no centro. Ele afirma que, posteriormente, chegou a encontrar 4 jovens na rua, que o reconheceram e relataram que mudaram sua forma de pensar após ouvirem a história do barbeiro.

“Pra mim, essa experiência de participar desse projeto, acredito ser importante e ajuda muito os jovens. Se eles quiserem mudar, eles vão ouvir cada palavra dessa experiência que passo para eles, para que nenhum deles passe e continue”, concluiu com satisfação.

De acordo com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), houve um aumento significativo no número de adeptos aos programas de ressocialização em 2019. Indo de 20 internos que faziam remição de pena pelo trabalho para cerca de 1,1 mil em 12 meses, mas o número ainda não chega à metade dos presos.

Entre os projetos, a Seap promove diversos cursos profissionalizantes para apenados do regime fechado e egressos do sistema prisional. Além de aprenderem uma nova profissão, os internos têm a chance de colocar em prática os ensinamentos adquiridos em salas de aula, realizando diferentes atividades dentro dos presídios.

Assista ao vídeo:

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