Manaus, 2 de maio de 2024
×
Manaus, 2 de maio de 2024

Cidades

Massacre nos presídios: mortos foram escolhidos a dedo

Investigação da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado aponta que somente os 'seguidores' de João Branco' foram mortos no massacre de maio, nos presídios

Massacre nos presídios: mortos foram escolhidos a dedo

Foto:Josemar Antunes/Folhapress

O massacre com 55 mortos que atingiu os presídios de Manaus, em maio deste ano, foi causada por um plano de conspiração para provocar grande racha na liderança da Facção Família do Norte (FDN).

Esta  é a segunda matéria da série de reportagem feita com exclusividade pelo Amazonas1 sobre a trama por trás da maior facção da região Norte do Brasil e a busca pelo poder, envolvendo traição, dinheiro e assassinato, resultando na chacina daquele mês.

A trama elaborada por Maria Cleia Fernandes Barbosa, 45,  irmã  do narcotraficante José Roberto Fernandes, o “Zé Roberto da Compensa”; o marido dela, Marcelo Frederico Laborda Júnior, 29, o “Marcelinho”; e Alan, mais conhecido como “Venom” ou “Zaqueu”, iniciou com a captura de “Magnata”, um dos homens de confiança de João Pinto Carioca, o “João Branco”.

Magdiel Barreto Valente, o Magnata, gravou uma mensagem que desencadeou o massacre nos presídio, é o que afirma o delegado da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, Sinval Barroso de Souza.

O “Salve Geral” e o fim

Em 1,6 mil palavras, os aliados de Zé Roberto da Compensa espalharam um “Salve Geral”, no dia 25 de maio, explicando o motivo da chacina que ocorreria nos dias seguintes.

“A morte do Magnata soou como ordem para matar os parceiros dele. Existe uma mensagem no meio dos traficantes que chamam de ‘Salve’, são apócrifas e direcionadas a um grupo e quem participa vai entender. E essa mensagem de vídeo, além de ter sido do Magdiel, após ser torturado e obrigado a ler o texto, teve na sequência a exposição do cadáver dele”, explicou o delegado Sinval Barroso.

Ainda segundo o delegado, a mensagem inicia com a exposição da conspiração orquestrada por João Branco e sua esposa, Sheila Maria Faustino Peres. O texto foi escrito por aliados de Zé Roberto que “descobriram” o plano e reagiram. 

Veja também: Jogo de poder: a conspiração que causou o massacre com 55 mortos no AM

De acordo com a polícia, o objetivo inicial era mostrar a Zé Roberto que Marcelinho infringia o estatuto da facção, mandando mensagens e fotos obscenas a mulheres de presos, incluindo a esposa de João Branco. Ela informou ao marido, que por sua vez pediu provas das “investidas” de Marcelinho. 

Sheila acabou gravando um áudio de Marcelinho que comprovava o que ela dizia, no entanto, o caso tomou outro rumo e virou uma prova contra ela, o marido e aos seguidores de João Branco, pois a mensagem foi repassada por Venon à esposa de Marcelinho, Cleia, que para evitar que o marido fosse morto, disse ao irmão que era Sheila que dava em cima de Marcelinho. O plano deu certo, resultando no massacre nos presídios de Manaus.

Confira um trecho na íntegra:

“Esse salve é para expor a todos a maior conspiração de todos os tempos, toda sujeira que vamos apresentar aqui foi orquestrada pelo JB e passada através da mulher dele, a Sheila, para seus subordinados. Tudo começou há muito tempo atrás quando o JB decidiu que queria ser o dono de tudo. Ele sabia que para ter sucesso teria que tirar nosso número 1 de cena”, diz parte do texto, referindo-se a Zé Roberto da Compensa.

O “plano” falso de João Branco, o qual Magnata foi obrigado a gravar, era eliminar os seguidores de Zé Roberto e criar a então, FDN pura.

“O plano era matar de forma covarde, à base de trairagem, os principais cabeças da FDN-AM. Porém o plano não saiu como JB desejava e graças a Deus eles não conseguiram dar sequência na conspiração porque nós descobrimos”, relata outro trecho da mensagem.

“Mataram porque foram induzidos ao erro por causa desse vídeo [do Magnata] e o Salve. O corpo do Magnata foi encontrado no dia 24, dia 25 jogaram o Salve, nos dias 26 e 27 foi a quebradeira”, revelou um dos investigadores do DRCO.

No dia 26 de maio, 15 detentos foram mortos no Complexo Penitenciário Anisio Jobim (Compaj) durante o período de visitas, algo inédito no Amazonas. No dia seguinte, cinco presos foram assassinadas no Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM) e 25 no Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat).

Familiares esperavam notícias de presos (Josemar Antunes/Amazonas1)

Barroso esclareceu que os 55 mortos no massacre foram escolhidos “a dedo” pelos seguidores de Zé Roberto. Todos faziam parte do grupo de João Branco, entre eles, os mais conhecidos como “Cavalo” e “Olho de Boneca”.

Operação Guará

Deflagrada no fim de julho, a Operação Guará prendeu 20 pessoas em cinco estados brasileiros. Os presos estavam ligados diretamente ao plano orquestrado para causar o racha na cúpula da FDN.

Logo após o massacre, uma equipe do DRCO foi enviada à cidade de Teresina(PI) para levantar a parte inicial da investigação e as outras etapas tiveram prosseguimento em Manaus, com apoio da polícia do estado do Piauí.

No dia 26 de julho, cerca de 125 policiais deflagraram a fase ostensiva da operação em Guará, a estrutura operacional foi inédita no Amazonas.

“O trabalho que a gente fez agora, foi inédito na polícia do Amazonas. Nós iniciamos, em cinco localidades diferentes, a mesma operação sob meu comando e no mesmo horário, apesar dos diversos fusos. As polícias dos outros estados, entenderam a causa e deram todo suporte operacional de viaturas e policiais”, destacou o titular do DRCO, Silvan Barroso.

Maria Cléia Fernandes Barbosa, 45, o companheiro dela, Marcelo Frederico Laborda Júnior, 29, e Charles dos Santos Rodrigues, 29, o “Charles BB”, foram presos em Florianópolis(SC). Charles já possuía outro mandado de prisão em aberto e era foragido da Justiça.

Em Natal(RN) foram presos Andreza Rodrigues Lobo, 34; Leandro dos Santos Chaves, 25, e Rômulo Raphael dos Santos Morais, 27.

Já em Teresina (PI), as equipes prenderam Daniel Fernandes Benvindo de Sousa, 21; Franco Jorge da Conceição, 31; Ivone de Araújo Mutimo, 38; Marcilena Sanches Pereira, 44; Rachel Barbosa de Oliveira, 37; Romário Ramalho Pinto, 25; e Sinélia Silva Prata, 48. Foi cumprido, ainda, mandado de prisão preventiva em nome de José Lobo Rodrigues, 36, em São Luís, capital do Maranhão (MA). Já Marlison Prata Mutimo Silva, 22, foi preso no município de Estreito, também no Maranhão.

Foram presos em flagrante, por tráfico de drogas, Danilo Fernandes Bemvindo de Souza e Júlio César dos Santos Silva. Franco, Rachel e Romário também foram autuados em flagrante pelo mesmo crime. Francisco Chaves Lobo Filho foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de uso permitido.

Além do cumprimento dos mandados de prisão, Marcelo Frederico Laborda Júnior e Charles dos Santos Rodrigues também foram autuados em flagrante por uso de documento falso.

Durante as prisões, a polícia apreendeu dois carros, uma motocicleta, armas de grosso calibre, munições, dez quilos de substâncias entorpecentes, R$ 40 mil em espécie, além de notebook, documentos e cartões de crédito e agências bancárias falsificados e celulares.

O trabalho do DRCO 

O DRCO é operacional e trabalha com inteligência policial. Comandando o departamento há 7 meses, o delegado Sinval Barroso tem feito um trabalho excepcional juntamente com a equipe de investigadores.

Na operação Guará, um dos exemplos citados por Barroso, foi a descoberta do local do cativeiro onde Magnata foi mantido.

“A gente fez perícia no local de cativeiro, em Teresina (PI), uma perícia nota 10. Como ele [Magnata] tinha sido morto naquele local, eles passaram o pano em tudo e limparam a casa. Mas a equipe de investigadores usou uma substância específica e conseguiu detectar a presença de sangue humano no local, recolheram uma amostra, foi comparada com o DNA  e concluímos que era dele [Magnata]. Foi aí que consolidamos que ali era o cativeiro”, revelou.

Sinval revelou que graças ao DNA foi possível  localizar o corpo de Magnata, que estava a duas cidades distantes do cativeiro, a 80 quilômetro de distância e já em outro Estado. “Sabíamos que tinha um corpo não identificado naquele município, ele (Magnata) iria ser enterrado como indigente, explicou.

Ao longo das investigações, pontuou Barroso, a equipe descobriu quem estava no cativeiro, os torturadores, executores, o responsável pelo aluguel da casa, entre outros detalhes.

Delegado Silvan Barroso, titular do DRCO do Amazonas (Foto: Amazonas1)

Questionado sobre o crime organizado pós-massacre, o titular do DRCO destacou que o trabalho incessante da polícia continuará e as organizações criminosas serão combatidas, dentro dos parâmetros do departamento operacional.

“A FDN ainda é uma veia muito latente no Amazonas e é óbvio que a gente tem que continuar combatendo com inteligência policial, coordenação de informações e coordenação de operações. A gente não faz nada fora da lei, tudo tem o crivo do Ministério Público e da Justiça”, afirmou o delegado, destacando que um acompanhamento é realizado pelas equipes em relação aos alvos, desde prisão até a soltura, progressão de regime e possível retorno ao crime organizado.

A população pode contribuir com o trabalho do DRCO por meio do disk-denúncia 181. “A gente espera mais contribuição da população que utilize o 181, número gratuito, onde chegam informações valiosas para as nossas investigações e a partir dali conseguimos processar informações e juntar quebra-cabeças”, enfatizou Barroso.

* Mensagem obtida pelo jornal Estadão