Manaus, 6 de maio de 2024
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Cidades

Médicos do AM ainda divergem sobre ‘kit covid’ após um ano de pandemia

Na busca para conter a covid-19, muitos profissionais indicam o uso dos medicamentos, contudo, a maioria deles ainda não tem eficácia comprovada cientificamente

Médicos do AM ainda divergem sobre ‘kit covid’ após um ano de pandemia

(Foto: Pixabay)

MANAUS – Há mais de um ano do primeiro caso de covid-19 no Amazonas, médicos de Manaus ainda divergem sobre a eficácia do chamado “kit covid” ou tratamento precoce, o coquetel que tem sido muito utilizado por pacientes já nos primeiros sintomas da doença. Entre os medicamentos estão a cloroquina, a hidroxicloroquina, a azitromicina, a invermectina e os corticoides.

Na busca para conter o agravamento dos sintomas da covid-19 e diante da falta de estrutura nos hospitais públicos, muitas pessoas se automedicam, outras, por orientação dos próprios médicos, fazem uso das substâncias. A maioria dos medicamentos, contudo, ainda não tem eficácia comprovada cientificamente.

O médico infectologista e intensivista Nelson Barbosa da Silva, que atua na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto e da Fundação de Medicina Tropical (FMT/HVD) explica que diante da popularidade do uso dos medicamentos é quase impossível impedir que os pacientes façam uso das substâncias.

Kit Covid (Foto: Divulgação/Prefeitura de Barra do Garças – MT)

“Nós não estimulamos o uso desses medicamentos, mas nós não temos como proibir também, até porque quando você faz a consulta com um paciente desse, a primeira coisa que ele pergunta é:  “Doutor, o senhor não vai passar um antibiótico, um medicamento pra mim?”, e quando a gente não passa, ele chama outro profissional, por incrível que pareça”, afirmou.

O único medicamento que Nelson é enfático em desaconselhar é corticoide que, segundo ele, pode piorar o quadro de saúde dos pacientes.

“O que nós notamos é que alguns pacientes começaram a ser medicados por algum profissional médico com o corticoide logo na primeira semana de doença, e isso pode ter contribuído para a piora dos pacientes porque os corticoides só são indicados se a pessoa apresentar falta de ar, que é a dispneia, e só pode ser indicado a partir da segunda semana, que é a fase inflamatória da doença”, explicou.

Diferentemente de Nelson, o médico Dário Figueiredo Silva Júnior, que atua na UTI do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), apoia e indica o tratamento precoce para seus pacientes. Dário também atuou nas UTIs do Hospital Delphina Aziz – referência no tratamento da covid-19 em Manaus – e no HPS 28 de Agosto durante a pandemia.

Segundo ele, o coquetel não garante que pacientes não evoluam para formas mais graves da doença, no entanto, há mais chances de agravamento dos casos entre pacientes que não utilizam os medicamentos. Dário também afirma que nenhum dos pacientes que ele atendeu teve o quadro agravado pela medicação. “Eu acredito, apoio e prescrevo o tratamento precoce”, disse.

“O tratamento precoce não é um tratamento com uma taxa de 100% de sucesso, mas acredito que ele diminua a gravidade da covid-19 em quem o realiza no tempo correto, com as medicações corretas e com acompanhamento médico na maioria dos casos, evitando assim internações hospitalares”, afirmou.

Saiba mais: Covid-19: chefes de UTIs ligam tratamento precoce a maior risco de morte no Brasil

Dário também afirmou que nenhum dos pacientes que ele atendeu teve o quadro agravado pela medicação. “Eu acredito, apoio e prescrevo o tratamento precoce”, completou.

Já para o médico infectologista da FMT-HVD e professor do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Maurício Borborema, nenhum dos remédios do ‘kit covid’ pode alterar o curso da infecção pela covid-19.

“Dificilmente eu peguei algum paciente que não estava tomando esses medicamentos, e apesar disso eles agravaram, e agravaram por um conhecimento que já tá muito consolidado, nenhum desses medicamentos ajudam a definir quem vai piorar ou não, então hoje não faz sentido, é uma grande tolice tomar esses medicamentos”, afirmou.

Ele explicou que a doença pode ser agravada pelos fatores de rosco ou pela síndrome metabólica, que é um conjunto de alterações no organismo como o aumento de gorduras no sangue, obesidade e mudanças no nível de açúcar no sangue, e nesses casos a doença vai ser agravada independentemente do medicamento.

“Boa parte das pessoas não vão adoecer de forma grave, essas são as pessoas que dizem que não adoeceram porque tomaram esses “remédios milagrosos”, elas não iam adoecer de qualquer forma”, completou. O médico enfatiza que nos hospitais, já há protocolos seguros para o tratamento da doença.

O que dizem as pesquisas?

Assim como os profissionais da Saúde, as pesquisas sobre o assunto também divergem. No entanto, a maior parte dos estudos realizados com medicamentos específicos, como a cloroquina e a invermectina, aponta para a ineficácia deles no tratamento contra a covid-19. Especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, não aconselham o uso dos medicamentos para prevenir a doença.

Da mesma forma, o tratamento com o antibiótico azitromicina se mostrou ineficaz na melhora clínica de pacientes graves por covid-19, segundo um estudo publicado The Lancet, uma das principais revistas científicas do mundo.

Já antiviral Rendesivir – também utilizado no coquetel ‘kit covid’ – desenvolvido para combater o Ebola, foi autorizado pela Anvisa, em março, para ser usado no tratamento da doença no Brasil. Entretanto, em novembro de 2020, a OMS divulgou uma nota se posicionando contra o uso do antiviral no tratamento de pacientes hospitalizados com a doença.

O único medicamento com eficácia comprovada até agora é o corticoide. Segundo a OMS, o tratamento reduz a mortalidade em quase um terço entre os pacientes que necessitam de respiradores e em cerca de um quinto entre os pacientes que requerem apenas oxigenoterapia.

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